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1919-1930: Recessões agrícolas em período de estabilização monetária
As feridas orçamentais deixadas pela Guerra foram saradas com um programa de estabilização orçamental e monetária. A inflação começou por disparar para ser controlada a seguir. A economia de um país que era sobretudo agrícola continuou a evoluir ao sabor das colheitas.
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1919-1930 Recessões agrícolas em período de estabilização monetária

A I Guerra Mundial deixou o país com um enorme desequilíbrio nas finanças públicas, provocado pelo aumento das despesas bélicas e a quebra das receitas fiscais. O Banco de Portugal monetizou estes défices, durante a Guerra e depois do seu final. Esta política de emissão de moeda por parte do banco central gerou inflação. Por sua vez, no rescaldo do conflito na Europa e das falhas no abastecimento de produtos essenciais, a pressão sobre o custo de vida aumentou. Com o fim do sistema de preços tabelados que vigorara durante a Guerra, a inflação acelerou, gerando.

um descontentamento generalizado. O governo viu-se obrigado a lançar medidas que pudessem mitigar o problema. Logo em 1919, subsidiou a produção de pão - criando o que foi chamado de “pão político” - que se manteve em vigor até 1923.

As falhas de abastecimento levaram a que, em 1922, fossem impostos subsídios ao trigo importado, o que teve grande impacto no défice público, a par de transferências avultadas para tentar reconstruir a marinha mercante.

Este contexto de dificuldades alimentava a incerteza sobre a capacidade de o país honrar a sua onerosa dívida de guerra para com o Reino Unido (20 milhões de libras em 1921). Igualmente incerto era o pagamento das avultadas reparações de guerra pela Alemanha a Portugal, que ascendiam a 50 milhões de libras.

Num clima de volatilidade, os dois ciclos económicos marcantes acabam por estar associados ao ciclo agrícola, com más colheitas e anos de contrassafra na azeitona a coincidirem para causar duas recessões: a primeira entre 1923 e 1924 e a segunda entre 1927 e 1928.

 

PIB Real Agregado Segundo Duas Séries

 

 
Combate à inflação e ao défice

Os preços tinham triplicado em Portugal durante a guerra, mas o fenómeno inflacionista prolongou-se e até se intensificou nos anos após o conflito. Só entre 1919 e 1924, os preços aumentaram 900%.

Além do contributo das tensões próprias de uma economia de guerra, a causa próxima deste fenómeno foi a monetarização dos défices públicos pelo banco central, que fez com que a massa monetária em circulação aumentasse de 114 mil contos em 1914 (cerca de 570 mil euros) para 536 mil contos (2,7 milhões de euros) em 1920 e, depois, para 1586 mil contos (7,93 milhões de euros) em 1924.

Na origem destas políticas estava a necessidade de combater os défices públicos, que tinham aumentado devido à queda das receitas do Estado e do aumento das despesas.

A receita fiscal real, que representava 12% do PIB em 1914, tinha caído para apenas 4% em 1920. Ao contrário do que acontece hoje, em que a generalidade dos impostos incide sobre o valor monetário de bens e serviços, naquela época a generalidade dos impostos eram fixados em montantes de Escudos por bem. Com a inflação, reduzia-se o número de produtos vendidos e a receita real de impostos caía. Já as despesas continuaram altas, com o custo dos subsídios que tentavam combater o aumento da inflação e a escassez de trigo.

Impunham-se medidas de controlo das finanças públicas.  No ano orçamental de 1922-23, uma reforma fiscal provocou um enorme aumento de impostos, uma vez que passou a fixar-se os impostos de forma proporcional, acompanhado a inflação. Nos anos seguintes, houve também um esforço de contenção da despesa pública.

Com estas medidas no terreno, o governo de Álvaro de Castro ocupou-se entre 1923 e 1924 de um programa de estabilização monetária. O ponto central foi o fim imediato do financiamento monetário dos défices públicos, com o compromisso do governo de não financiar os seus défices junto do banco central. Juntamente com a reforma orçamental, este programa levou a um declínio da inflação a partir do Verão de 1924.

Esta evolução favorável trouxe consigo a estabilidade da taxa de câmbio, que veio esbater uma das principais dificuldades enfrentadas pelo país: o pagamento das importações de trigo com uma moeda fraca.

O primeiro impacto desta estabilização orçamental e monetária refletiu-se no abrandamento das despesas no consumo privado, que depois dispararam entre 1927-30. O investimento privado teve uma contribuição positiva modesta para o PIB de 1926 em diante.

Politicamente, o golpe de Estado encabeçado por Gomes da Costa, em maio de 1926, inaugurou uma ditadura militar, mas não levou de imediato à quebra dos conflitos sociais. Só entre 1930 e 1931, com a estabilização das Forças Armadas pelo General Óscar Carmona e a subida de Oliveira Salazar ao poder, é que a instabilidade social e política se reduziu.

Preços foram travados com controlo orçamental

Inflação e Taxas de Câmbio 

 

 

Evolução das Receitas e Despesas Públicas

As despesas do Estado aumentaram em 1922, refletindo o custo elevado dos diferentes subsídios que tentaram combater o aumento da inflação e a escassez de trigo.

 
As crises que vieram da terra

O país que estava em processo de ajustamento orçamental e monetário era ainda muito dependente da produção agrícola e foi daqui que nasceram as duas recessões identificadas na segunda década do século XX.

As principais produções agrícolas da altura eram o vinho, o azeite e alguns cereais. Em 1924, houve uma ligeira contração na produção olivícola e uma queda maior na produção de vinho. Ambas só recuperariam em 1927. A queda nas produções do trigo, cevada e aveia foi também significativa, mas estas culturas recuperaram logo no ano seguinte.

Logo em 1924, o mau ano agrícola levou a uma degradação das condições de vida no meio rural, que geraram contestação social.

Uma nova quebra da generalidade das produções agrícolas acontecia em 1928, devido às condições meteorológicas. Para além disso, o ano agrícola de 1927-28 foi de contrassafra da azeitona, coincidindo com o mau ano do vinho e da maioria dos cereais.

Estas quebras tiveram reflexo na balança comercial do ano seguinte, obrigando a um aumento das importações e levando às contrações da atividade económica identificadas neste período.

O peso do sector agrícola era tão importante na altura, que nem a expansão da generalidade dos setores industriais serviu para atenuar o impacto das más colheitas.

A nível internacional, esta época ficou marcada pela ascensão da economia americana e pela instabilidade económica na Europa, incluindo o falhanço no regresso da libra esterlina ao padrão-ouro e a hiperinflação na Alemanha. Mas mantendo-se Portugal como uma economia bastante fechada, a influência direta destes choques externos na economia foi limitada. A principal influência internacional neste período de 11 anos terá sido mesmo a ressaca dos choques da I Guerra Mundial.

Por sua vez, a emigração, que se retraíra durante o conflito, não recuperou de forma rápida durante esta década. Quer os EUA, quer o Brasil, dificultaram a entrada de imigrantes, enquanto os portugueses competiam com emigrantes vindos da Irlanda e da Itália na busca de empregos no continente americano.

Ciclos do Vinho e do Azeite 

Em 1924, houve uma contração na produção olivícola. A produção de azeite viria a recuperar em 1927, contribuindo para um pico da economia.
 

 

 
As causas destas crises são meteorológicas, provocando más colheitas de cereais, vinho e azeite.
Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
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As recessões de 1919-1930 vistas por Nuno Valério, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG)
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