Linha de fronteira
Ao longo de três meses, percorri a pé a fronteira mais antiga da Europa, a de Portugal. Da foz do rio Minho à foz do Guadiana, andarilhei 1400 quilómetros
seguindo uma linha invisível definida por cursos de água e por 5211 paralelepípedos retos numerados, os Marcos de Fronteira, a representação física da ideia de país.
Indissociável da linha de fronteira é o espaço adjacente, a Raia de um lado, la Raya do outro, território periférico, historicamente associado a episódios bélicos. Graças a esse mecanismo de grande alcance prático, o Acordo de Schengen, aproveitei a total liberdade de circulação para, de quando em vez, trocar a Raia por la Raya.
Pelo caminho, muitas surpresas, muitas descobertas, muitas idiossincrasias: o Couto Misto, um território que não era nem Portugal nem Espanha, um microestado independente até 1868, Olivença, de jure portuguesa, de facto espanhola, paisagens muito contrastantes entre si, intensamente verdes nuns sítios, estéreis como a pele seca de um lagarto noutros, lugares desertificados, comunidades esquecidas, cidades antigas, fiquei a par de projetos arrojados e de outros desastrosos, conheci toda a sorte de gente, pessoas comuns, autarcas, empreendedores, charlatães e figuras com destaque social. A tudo dei atenção, pois desde o primeiro passo foi minha intenção construir um documento abrangente do território fronteiriço e das populações que nele habitam.