Seca no Algarve: como atenuar um problema que já é crónico?
O Algarve sofre, atualmente, de uma grave situação de falta de água que ameaça gravemente a economia da região. No final de maio de 2024, nenhuma das seis albufeiras que existem no Algarve apresentava valores de armazenamento acima de 50% da sua capacidade máxima e os níveis piezométricos dos principais sistemas aquíferos atingiam mínimos históricos.
Esta situação que também afeta o baixo Alentejo - onde se inclui a bacia hidrográfica do rio Mira e do alto Sado - tem uma componente circunstancial e outra estrutural.
A circunstancial resulta da seca que atingiu todo o país no ano hidrológico de 2021/22, que perdurou no Sul durante o ano de 2022/23, e que ainda se mantém no Algarve e no baixo Alentejo.
Mas, mais grave, é a componente estrutural que resulta do aumento da procura de água para satisfazer as necessidades das atividades económicas, com destaque para a agricultura e o turismo, e sobretudo de uma tendência de redução da precipitação, que se tem acentuado desde 2000. Com efeito, a precipitação média no Algarve dos últimos 25 anos, é cerca 20% a 30% inferior à média de longo prazo do período anterior.
Para enfrentar esta grave situação no Algarve, em 2020 foi elaborado um Plano Regional de Eficiência Hídrica, que determinou um conjunto de ações de curto prazo que visam a racionalização dos usos da água e o aumento da eficiência do seu uso. São de realçar as medidas propostas para a redução das perdas físicas de água nas redes de adução e de distribuição dos setores urbanos e agrícolas e a aposta na reutilização da água residuais tratadas.
O plano antevê ainda possíveis projetos para aumento da oferta de água a concretizar a médio prazo, que foram pormenorizados em estudos posteriores. Entre estes, destacam-se o reforço da interligação dos sistemas de abastecimento do barlavento e do sotavento, a instalação de uma estação elevatória para captar no volume morto da albufeira de Odeleite, a construção de uma estação de dessalinização em Albufeira, e a implantação de uma captação no rio Guadiana no Pomarão.
Foi encontrado financiamento para a maioria destas soluções que está agora em fase de projeto, avaliação ambiental ou em execução.
Face ao prolongamento da seca, o governo impôs, em fevereiro de 2024, um conjunto de objetivos de redução significativa da procura de água dos vários setores utilizadores, com o objetivo de salvaguardar o abastecimento prioritário à população. Como é natural, esta decisão suscitou uma grande apreensão por parte dos setores utilizadores, e o debate sobre a contribuição que cada um foi chamado a dar.
Em maio de 2024, relevando valores de precipitação mais significativos que ocorreram em fevereiro e março, o novo governo anunciou que iria aliviar parte das restrições decididas em fevereiro e reforçar os investimentos em projetos de melhoria da eficiência hídrica e em estudos de avaliação de possíveis soluções para aumentar a oferta de água.
No essencial, as precipitações do início de 2024 não alteram a situação crítica da região, pelo que a decisão deste alívio merece alguma preocupação, embora possa ser compreendida como uma forma de dar mais tempo aos vários setores utilizadores para se adaptarem e concretizarem as medidas de melhoria da eficiência a que se comprometeram.
Independentemente da discussão sobre o grau de restrições ao uso que é necessário impor, é importante refletir sobre como chegamos a esta situação extrema em que estas medidas se afiguram como necessárias.
É de saudar a atenção que a gestão de água no Algarve tem merecido desde o desenvolvimento do Plano Regional de Eficiência Hídrica e o esforço realizado para concretizar os investimentos necessários à resolução dos problemas crónicos de escassez de água na região.
Mas, simultaneamente, precisamos de reconhecer que a atual situação no Algarve resulta da falta de planeamento e de capacidade de antecipação de possíveis cenários de escassez.
Na sua ausência, a procura de água evoluiu com grandes ineficiências, suportada pelo uso não monitorizado das águas subterrâneas e em resposta a alguns investimentos públicos no aproveitamento de origens superficiais.
O resultado foi uma evolução incompatível com a tendência de decréscimo das disponibilidades e uma enorme pressão para manter o ritmo de investimentos no aumento da oferta de água.
É urgente reverter esta situação. A água é uma condicionante do desenvolvimento do Algarve que tem de ser assumida. A par do esforço em curso para aumentar a eficiência do uso da água e de aumentar e diversificar a sua oferta, é essencial reforçar a monitorização das várias utilizações, sobretudo de água subterrânea. É igualmente preciso trabalhar no sentido de incluir o custo do recurso água nos processos de decisão dos agentes económicos.
A questão da disponibilidade de água deve ser considerada como determinante no licenciamento de novas atividades económicas. Em face da indisponibilidade de recursos, as decisões sobre novos investimentos em infraestruturas hídricas para aumentar a oferta de água devem ser ponderadas tendo em conta uma análise custo benefício, que inclua não só os benefícios económicos e sociais proporcionados pelo aproveitamento dos recursos hídricos, mas também os custos sociais e ambientais dessa utilização.
Se a água não estiver no centro das decisões políticas para a região do Algarve, continuaremos a gerir o curto prazo, sem uma visão de futuro.