
O Tratado BBNJ: Uma Nova Era para o Oceano
Em que consiste o novo regime?
O Tratado BBNJ, também conhecido como «Tratado do Alto Mar», cria uma estrutura de governação fundamental para áreas que há muito tempo sofriam com o produto de regulamentação insuficiente, fragmentação, e abuso das chamadas «liberdades do alto mar».
Uma das suas principais vantagens é a criação de um mecanismo para estabelecer áreas marinhas protegidas (AMPs) em águas internacionais. Até agora, a criação destas zonas de conservação era quase impossível devido à falta de um procedimento juridicamente vinculativo que governasse, de forma integrada, os vários usos do oceano além da jurisdição nacional. Além disso, o tratado vem também exigir que todas as atividades no alto mar com impacto sobre a biodiversidade, desde a investigação científica até à colocação de cabos submarinos, sejam submetidas a avaliações de impacto ambiental para prevenir e mitigar danos à vida marinha.
Igualmente importante, o acordo regulamenta o acesso a recursos genéticos marinhos (RGM), bem como estabelece regras para a partilha justa e equitativa dos benefícios destes recursos, que incluem material genético de organismos das profundezas do mar que podem contribuir para produtos inovadores nas indústrias farmacêutica, alimentar ou cosmética.
Isto é especialmente relevante para os países em desenvolvimento, a maioria dos quais não tem capacidade para explorar estes recursos por si próprios, garantindo assim que a riqueza do alto mar beneficia toda a humanidade, e não apenas um número circunscrito de países ou empresas. O tratado também promove o desenvolvimento de capacidades e a transferência de tecnologia marinha, ajudando a colmatar a lacuna de conhecimento e capacidades entre os países, salvaguardando que todos têm acesso às ferramentas necessárias para governar o oceano de forma eficaz e sustentável.
Implicações globais… e nacionais
Para o mundo, o Tratado BBNJ é um marco significativo. Altera o paradigma da governação do oceano, passando de uma abordagem fragmentada e setorial para uma holística e coordenada. Além disso, proporciona uma ferramenta crítica para cumprir o ambicioso objetivo global de proteger 30% do oceano até 2030 sob o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal.
Para Portugal, um país com uma rica biodiversidade e contando, nos Açores, com a maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte, o Tratado BBNJ é também um poderoso aliado.
A criação de AMPs no Alto Mar ao abrigo do Tratado BBNJ é particularmente benéfica, uma vez que ecossistemas saudáveis no alto mar são vitais para apoiar a biodiversidade costeira. Ao proteger as rotas migratórias e os habitats críticos de espécies em águas internacionais, o tratado ajuda a sustentar as populações de peixes e a vida marinha que são essenciais para a economia de Portugal e para os esforços de conservação costeira existentes no nosso país. Ao ter ratificado o tratado em maio deste ano, Portugal não só reforça o seu compromisso com a conservação global do oceano, como também garante que terá uma voz ativa na implementação do tratado, usando, por exemplo, a sua experiência na gestão de grandes AMPs para influenciar a criação e gestão de áreas semelhantes no alto mar.
Os fundos marinhos e colaboração com a ISA
As implicações do tratado para os fundos marinhos são particularmente significativas. O mar profundo é uma das partes menos exploradas do planeta, mas está sob crescente ameaça de atividades emergentes como a mineração em águas profundas.
O Tratado BBNJ introduz mecanismos que estabelecem um padrão mais exigente do que aquele atualmente existente no âmbito da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) em termos de avaliações de impacto ambiental para estas atividades, o que pode e deve afetar a forma como os impactos da mineração nos fundos marinhos profundos serão avaliados no futuro de modo a travar operações que possam causar danos irreversíveis a frágeis ecossistemas de águas profundas.
Por outras palavras, este novo regime é crucial para aprofundar os mecanismos existentes no âmbito da ISA, que governa as atividades relacionadas com minerais nos fundos marinhos, bem como para influenciar as negociações atualmente em curso na Autoridade sobre a futura regulamentação destas atividades. Por essa razão, a colaboração e coordenação entre o BBNJ e a ISA será fundamental para garantir um quadro abrangente e robusto para a proteção dos fundos marinhos.
Novos e velhos desafios
O Tratado BBNJ é, pois, um instrumento crucial para enfrentar uma série de desafios – novos e velhos – que afetam o oceano e a sua biodiversidade.
Como vimos, o tratado estabelece ferramentas que permitem responder à emergente ameaça colocada pela corrida desregulada à mineração em águas profundas, dando aos países os mecanismos que lhes permitem não só exigir robustas avaliações de impacto ambiental baseadas em ciência, como também estabelecer áreas marinhas protegidas a fim de evitar a destruição irreversível de ecossistemas únicos e particularmente vulneráveis. O novo regime cria ainda um quadro regulamentar dedicado para a exploração sustentável de recursos genéticos marinhos, cujo potencial pode ser extraordinário.
Por outro lado, o BBNJ oferece um quadro abrangente para enfrentar problemas tradicionais, como a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) em águas internacionais, não só promovendo uma maior cooperação e fiscalização entre países e organizações internacionais, como também criando as condições para a criação de AMPs no Alto Mar, que podem atuar como santuários essenciais, protegendo espécies migratórias e permitindo que as populações de peixes sobre-exploradas possam recuperar.
Além disso, o capítulo sobre avaliações de impacto ambiental proporciona um mecanismo poderoso para combater a poluição marinha, desde plásticos até à poluição sonora, garantindo que qualquer atividade no alto mar seja avaliada quanto ao seu potencial de dano à saúde do oceano e sua biodiversidade.
Rumo à implementação
O Tratado BBNJ é um testemunho do poder do multilateralismo. Demonstra que as nações podem unir-se para resolver problemas globais complexos e que, trabalhando coletivamente, podemos garantir que o alto mar se mantém como um recurso vibrante, saudável e equitativo para as gerações vindouras.
No entanto, a entrada em vigor do tratado é apenas o primeiro passo. Para traduzir este imenso potencial em avanços tangíveis, há que garantir a sua efetiva e equitativa implementação. Esse trabalho começa agora.