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Pessoas de várias idades estão sentadas junto ao rio tejo, em Lisboa, ao entardecer. Crédito: Shutterstock

Imigração em Portugal: uma transformação demográfica e social em curso

Em sete anos, a população estrangeira residente no país quadruplicou, atingindo os 1,5 milhões no final de 2024. Neste artigo, o sociólogo e especialista em migrações Pedro Góis explica as mudanças sociais em Portugal provocadas por estas migrações, com base nos dados das condições de vida, emprego e fluxos migratórios divulgados pela Pordata.
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Portugal encontra-se num momento de transformação demográfica e social profunda, marcado por uma intensificação muito significativa dos fluxos migratórios internacionais.

Em apenas sete anos, a população estrangeira residente quadruplicou e ultrapassou 1,5 milhões de pessoas em 2024, confirmando a consolidação do país como território de imigração estrutural. No início de 2024, a proporção de estrangeiros na população residente em Portugal (9,8%) encontrava-se alinhada com a média da União Europeia (9,6% na UE27).

Esta evolução é acompanhada por mudanças relevantes na composição e na diversidade das comunidades estrangeiras em Portugal, num contexto em que a imigração se relaciona de forma estreita com a dinâmica do mercado de trabalho.

O Brasil mantém-se como a principal nacionalidade entre os residentes estrangeiros, com quase meio milhão de cidadãos, seguindo-se países como a Índia, Angola, Ucrânia, Cabo Verde, Nepal e Bangladesh. Esta diversidade resulta da conjugação de dinâmicas históricas e pós-coloniais com novos fluxos associados à mobilidade laboral, à migração estudantil e a contextos geopolíticos recentes, incluindo a situação especial dos cidadãos ucranianos abrangidos por estatuto de proteção temporária.

Em 2024, 28,9% dos estrangeiros residentes em Portugal encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social.

Apesar da elevada participação da população estrangeira no mercado de trabalho, os indicadores sociais revelam vulnerabilidades importantes e desigualdades persistentes. Em 2024, 28,9% dos estrangeiros residentes em Portugal encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social (cerca de três em cada dez) um valor aproximadamente 10 pontos percentuais acima do observado na população de nacionalidade portuguesa (19,2%). Embora este diferencial seja inferior ao registado na média da União Europeia, evidencia fragilidades estruturais nos processos de integração socioeconómica, frequentemente associadas à precariedade laboral, a rendimentos mais baixos e a um acesso mais limitado aos mecanismos de proteção social.

No emprego, os dados mostram uma realidade marcada por desigualdades de género particularmente acentuadas. A taxa de emprego dos homens estrangeiros é superior à dos homens de nacionalidade portuguesa, refletindo níveis de inserção laboral muito elevados. No entanto, as mulheres estrangeiras apresentam taxas de emprego substancialmente mais baixas e taxas de desemprego mais elevadas do que as mulheres portuguesas, sendo esta diferença que contribui para reduzir a taxa de emprego global da população estrangeira e para agravar a desigualdade interna entre homens e mulheres no seio do próprio grupo de cidadãos estrangeiros. Uma proporção relevante de mulheres estrangeiras permanece fora do mercado de trabalho, refletindo constrangimentos ligados ao cuidado familiar, à informalidade laboral ou a dificuldades no reconhecimento de qualificações.

No país, a taxa de emprego dos homens estrangeiros é superior à dos homens de nacionalidade portuguesa, refletindo níveis de inserção laboral muito elevados.

No sistema educativo, o impacto da imigração tem sido rápido e expressivo. Entre os anos letivos de 2020/21 e 2023/24, o número de alunos com pelo menos um progenitor de nacionalidade estrangeira aumentou 58%, ultrapassando os 200 mil alunos. Este crescimento, superior ao da própria população estrangeira no mesmo período, reforça o papel central da escola como espaço-chave de integração e evidencia a necessidade de respostas estruturadas ao nível do apoio linguístico, da mediação intercultural e da promoção do sucesso educativo em contextos de diversidade crescente.

No que se refere à mobilidade internacional, Portugal mantém um saldo migratório claramente positivo desde 2016, após um período de saldos migratórios negativos durante a crise financeira. Em 2024, registou-se um saldo migratório positivo superior a 143 mil pessoas, apesar de uma ligeira redução face a 2023. Este saldo resulta sobretudo do forte crescimento da imigração de cidadãos estrangeiros, que entre 2016 e 2023 registou a taxa média anual de crescimento mais elevada da União Europeia, ao mesmo tempo que a emigração portuguesa se mantém significativa e particularmente concentrada nos grupos etários mais jovens.

Entre os anos letivos de 2020/21 e 2023/24, o número de alunos com pelo menos um progenitor de nacionalidade estrangeira aumentou 58%

Por fim, os dados sobre nacionalidade evidenciam dinâmicas distintas. Em 2024, aumentou a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos residentes em Portugal, maioritariamente com base no critério de residência (tempo de residência prolongada), ainda que o rácio face à população potencialmente elegível se mantenha relativamente reduzido.

Em paralelo, continua a ser elevado o número de atribuições de nacionalidade a residentes no estrangeiro, sobretudo a descendentes de judeus sefarditas portugueses, refletindo a coexistência de lógicas distintas de pertença jurídica, histórica e territorial no regime de nacionalidade português. Em conjunto, estes indicadores sublinham a complexidade contemporânea da relação entre migração, pertença jurídica e integração, num contexto em que Portugal se afirma como país de destino e de mobilidade global.

Estes dados integram o Press Release da Pordata sobre o Dia Internacional dos Migrantes, que pode ser consultado aqui.

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