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Imagem de muitas pessoas juntas a dar forma ao mapa do mundo

«Desde 1990 que o crescimento da população em Portugal se deve à imigração»

Há quatro décadas que Portugal não consegue substituir as suas gerações. As estimativas apontam para alguma recuperação dos níveis de fecundidade, mas as projeções são «demasiado otimistas», diz a demógrafa Alda Azevedo. A especialista lembra que o país está hoje totalmente dependente da imigração para garantir o crescimento da sua população. O ponto crítico será atingido dentro de 16 anos. A partir de 2040, para evitar o declínio, serão «precisos saldos migratórios que nunca se observaram». Os impactos serão notórios no trabalho e na capacidade de produção do país.
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A fecundidade global tem vindo a diminuir. Esta tendência vai agravar-se?

Atualmente, para que a população mundial cresça ou se mantenha nos oito mil milhões, o índice de fecundidade, ou seja, o número de filhos que cada mulher em idade fértil tem de ter, deve ser igual ou superior a 2.1. Este é um número cada vez menos passível de ser atingido. 

Acho irrealista pensarmos que a União Europeia consiga regressar à fecundidade de outrora. Aliás, a diminuição da fecundidade vai agravar-se quer nas regiões mais desenvolvidas (Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Japão), quer nas menos desenvolvidas.

As Nações Unidas projetam que quando os países mais desenvolvidos atingirem níveis de fecundidade muito baixos, ainda haja alguma recuperação. Mas isto não é certoEstas hipóteses de evolução da fecundidade parecem-me mesmo demasiado otimistas.

 

E em Portugal, poderá haver alguma recuperação da fecundidade?

Portugal tem, desde 1982, um índice de fecundidade abaixo de 2.1, com um mínimo histórico de 1.21, em 2013, quando o país atravessava uma crise. Em 2022, fixou-se em 1.43. 

De acordo com as Nações Unidas, vamos continuar a ter um crescimento muito lento. Será muito difícil chegar a aumentos significativos se não existirem alterações sérias às condições de vida dos portugueses: aumentos no salário médio, maior estabilidade laboral, melhor acesso à habitação, a possibilidade de trabalho a tempo parcial para famílias com filhos pequenos e uma rede de cuidados à infância mais eficaz

Desde a década de 1990 que o crescimento que observámos é fruto de saldos migratórios positivos, porque os saldos naturais têm sido negativos.

Imagem infográfica com o índice de fecundidade em Portugal e estimativas sobre os nascimentos até 2100
A quebra dos nascimentos em Portugal não foge à tendência europeia
Todos os indicadores apontam para que venhamos a ter perdas populacionais a nível mundial a partir do final do século XXI.

Até agora, que países têm assegurado o crescimento da população?

São sobretudo alguns países da África ocidental, central e oriental (Niger, Uganda, República Democrática do Congo, Angola) os que mantêm um crescimento populacional acentuado, superior a 3% por ano. 

A Ásia ocidental, central e do sul também está a crescer, ainda que a um ritmo mais lento. A Arábia Saudita, o Cazaquistão, Afeganistão, o Paquistão e a Índia são bons exemplos de um crescimento anual de 1 a 2%.

 

Prevê-se que sejamos 9 mil milhões em 2037 e que cheguemos aos 10 mil milhões em 2058. A população mundial ainda vai crescer mais antes de começar a declinar?

Prevê-se que o crescimento da população mundial continue, mas o ritmo está a abrandar. As Nações Unidas apontam para que a população mundial atinja cerca de 10.4 mil milhões no final do século XXI. No entanto, a partir daí, todos os indicadores apontam para que venhamos a ter perdas populacionais, motivadas pelo envelhecimento da população e a não reposição de gerações (por nascerem menos mulheres e por terem menos filhos).

A Europa já está em declínio populacional desde o início desta década, situação que deverá acentuar-se.

Em que países o crescimento será maior? E em quais se prevê uma diminuição?

Os países que registam níveis de fecundidade mais elevados são aqueles que poderão vir a crescer mais nas próximas décadas, nomeadamente a Índia - que já ultrapassou a China como o país mais populoso do mundo - e a Nigéria, que tem uma das fecundidades mais elevadas do mundo.

A África Subsariana, com elevadas taxas brutas de natalidade e taxas brutas de mortalidade cada vez mais baixas, devido a melhorias nos cuidados de saúde e no saneamento, vai continuar a registar um rápido crescimento demográfico.

Já os países em que perdas populacionais serão muito expressivas são o Japão e a Coreia do Sul. Note-se que a Coreia do Sul bateu o seu próprio recorde de fecundidade mais baixa do mundo: 0.72 filhos em média por mulher em idade fértil em 2023.

 

E na Europa?

O cenário não é positivo. As taxas de crescimento têm sido muito baixas ou até mesmo negativas e, portanto, está totalmente depende da imigração para manter ou aumentar a população. A Europa já está em declínio populacional desde o início desta década e esta situação deverá acentuar-se, dizem as projeções.

São necessários incentivos à natalidade, não tendo em mente um objetivo numérico, mas sim para que as pessoas que querem ter filhos os possam realmente ter.

Sendo Portugal um dos países mais envelhecidos do mundo, que impactos podemos esperar?

Até 2040, o envelhecimento da população portuguesa vai acentuar-se. As gerações nascidas a partir de 1980 são mais pequenas e, por essa altura, o envelhecimento vai atingir um planalto, o que significa que haverá alguma estabilização da estrutura etária da população.

Mas a população portuguesa poderá continuar a declinar se não for compensada com a imigração, e como já estamos totalmente dependentes da imigração, seriam necessários saldos migratórios que nunca se observaram.

Nessa altura, o maior desafio será a perda de população, que trará impactos ao nível da mão-de-obra disponível e das infraestruturas necessárias. No entanto, não podemos esquecer o papel da digitalização do trabalho e da inovação que poderá vir a fazer face a uma diminuição populacional sem grandes perdas na capacidade de produção. Veremos o que o futuro nos reserva.

É, no entanto, fundamental tornarmo-nos um país mais atrativo, mais competitivo relativamente aos outros países da União Europeia. Isto para diminuir o número de jovens que emigram e para termos capacidade de atrair pessoas de outras origens. São também necessários incentivos à natalidade, não com um objetivo numérico em mente, mas com vista a que as pessoas que querem ter filhos os possam realmente ter.

Atualmente, o mundo beneficiaria mais com a diminuição do número de pessoas ou com um crescimento contínuo?

A História tem consistentemente demonstrado que as sociedades têm conseguido organizar-se, quer perante circunstâncias de crescimento quer de diminuição da população. Preocupam-me mais as migrações forçadas e os deslocados em resultado das alterações climáticas.

Fenómenos extremos como períodos de seca prolongada, escassez de água, inundações, incêndios de larga escala, virão potencialmente a tornar determinadas áreas inabitáveis e, por conseguinte, vão obrigar as populações a deslocar-se.

Estas migrações forçadas poderão vir a exercer uma pressão adicional sobre os centros urbanos e podem conduzir a tensões sociais, económicas e políticas nas comunidades de acolhimento (50% da população mundial vive em áreas urbanas) com um risco para o aumento das desigualdades e da pobreza.

A resposta a estes desafios exige uma cooperação internacional e políticas com visão de futuro que coloquem a adaptação às alterações climáticas num plano de destaque.

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