«Desde 1990 que o crescimento da população em Portugal se deve à imigração»
A fecundidade global tem vindo a diminuir. Esta tendência vai agravar-se?
Atualmente, para que a população mundial cresça ou se mantenha nos oito mil milhões, o índice de fecundidade, ou seja, o número de filhos que cada mulher em idade fértil tem de ter, deve ser igual ou superior a 2.1. Este é um número cada vez menos passível de ser atingido.
Acho irrealista pensarmos que a União Europeia consiga regressar à fecundidade de outrora. Aliás, a diminuição da fecundidade vai agravar-se quer nas regiões mais desenvolvidas (Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Japão), quer nas menos desenvolvidas.
As Nações Unidas projetam que quando os países mais desenvolvidos atingirem níveis de fecundidade muito baixos, ainda haja alguma recuperação. Mas isto não é certo. Estas hipóteses de evolução da fecundidade parecem-me mesmo demasiado otimistas.
E em Portugal, poderá haver alguma recuperação da fecundidade?
Portugal tem, desde 1982, um índice de fecundidade abaixo de 2.1, com um mínimo histórico de 1.21, em 2013, quando o país atravessava uma crise. Em 2022, fixou-se em 1.43.
De acordo com as Nações Unidas, vamos continuar a ter um crescimento muito lento. Será muito difícil chegar a aumentos significativos se não existirem alterações sérias às condições de vida dos portugueses: aumentos no salário médio, maior estabilidade laboral, melhor acesso à habitação, a possibilidade de trabalho a tempo parcial para famílias com filhos pequenos e uma rede de cuidados à infância mais eficaz
Desde a década de 1990 que o crescimento que observámos é fruto de saldos migratórios positivos, porque os saldos naturais têm sido negativos.
Até agora, que países têm assegurado o crescimento da população?
São sobretudo alguns países da África ocidental, central e oriental (Niger, Uganda, República Democrática do Congo, Angola) os que mantêm um crescimento populacional acentuado, superior a 3% por ano.
A Ásia ocidental, central e do sul também está a crescer, ainda que a um ritmo mais lento. A Arábia Saudita, o Cazaquistão, Afeganistão, o Paquistão e a Índia são bons exemplos de um crescimento anual de 1 a 2%.
Prevê-se que sejamos 9 mil milhões em 2037 e que cheguemos aos 10 mil milhões em 2058. A população mundial ainda vai crescer mais antes de começar a declinar?
Prevê-se que o crescimento da população mundial continue, mas o ritmo está a abrandar. As Nações Unidas apontam para que a população mundial atinja cerca de 10.4 mil milhões no final do século XXI. No entanto, a partir daí, todos os indicadores apontam para que venhamos a ter perdas populacionais, motivadas pelo envelhecimento da população e a não reposição de gerações (por nascerem menos mulheres e por terem menos filhos).
Em que países o crescimento será maior? E em quais se prevê uma diminuição?
Os países que registam níveis de fecundidade mais elevados são aqueles que poderão vir a crescer mais nas próximas décadas, nomeadamente a Índia - que já ultrapassou a China como o país mais populoso do mundo - e a Nigéria, que tem uma das fecundidades mais elevadas do mundo.
A África Subsariana, com elevadas taxas brutas de natalidade e taxas brutas de mortalidade cada vez mais baixas, devido a melhorias nos cuidados de saúde e no saneamento, vai continuar a registar um rápido crescimento demográfico.
Já os países em que perdas populacionais serão muito expressivas são o Japão e a Coreia do Sul. Note-se que a Coreia do Sul bateu o seu próprio recorde de fecundidade mais baixa do mundo: 0.72 filhos em média por mulher em idade fértil em 2023.
E na Europa?
O cenário não é positivo. As taxas de crescimento têm sido muito baixas ou até mesmo negativas e, portanto, está totalmente depende da imigração para manter ou aumentar a população. A Europa já está em declínio populacional desde o início desta década e esta situação deverá acentuar-se, dizem as projeções.
Sendo Portugal um dos países mais envelhecidos do mundo, que impactos podemos esperar?
Até 2040, o envelhecimento da população portuguesa vai acentuar-se. As gerações nascidas a partir de 1980 são mais pequenas e, por essa altura, o envelhecimento vai atingir um planalto, o que significa que haverá alguma estabilização da estrutura etária da população.
Mas a população portuguesa poderá continuar a declinar se não for compensada com a imigração, e como já estamos totalmente dependentes da imigração, seriam necessários saldos migratórios que nunca se observaram.
Nessa altura, o maior desafio será a perda de população, que trará impactos ao nível da mão-de-obra disponível e das infraestruturas necessárias. No entanto, não podemos esquecer o papel da digitalização do trabalho e da inovação que poderá vir a fazer face a uma diminuição populacional sem grandes perdas na capacidade de produção. Veremos o que o futuro nos reserva.
É, no entanto, fundamental tornarmo-nos um país mais atrativo, mais competitivo relativamente aos outros países da União Europeia. Isto para diminuir o número de jovens que emigram e para termos capacidade de atrair pessoas de outras origens. São também necessários incentivos à natalidade, não com um objetivo numérico em mente, mas com vista a que as pessoas que querem ter filhos os possam realmente ter.
Atualmente, o mundo beneficiaria mais com a diminuição do número de pessoas ou com um crescimento contínuo?
A História tem consistentemente demonstrado que as sociedades têm conseguido organizar-se, quer perante circunstâncias de crescimento quer de diminuição da população. Preocupam-me mais as migrações forçadas e os deslocados em resultado das alterações climáticas.
Fenómenos extremos como períodos de seca prolongada, escassez de água, inundações, incêndios de larga escala, virão potencialmente a tornar determinadas áreas inabitáveis e, por conseguinte, vão obrigar as populações a deslocar-se.
Estas migrações forçadas poderão vir a exercer uma pressão adicional sobre os centros urbanos e podem conduzir a tensões sociais, económicas e políticas nas comunidades de acolhimento (50% da população mundial vive em áreas urbanas) com um risco para o aumento das desigualdades e da pobreza.
A resposta a estes desafios exige uma cooperação internacional e políticas com visão de futuro que coloquem a adaptação às alterações climáticas num plano de destaque.