Portugal está a perder «muitos dos seus melhores»
Quais são os grandes desafios que enfrenta o sistema universitário nacional?
Estando nós a caminho de ter 60% da coorte jovem a chegar ao ensino superior, o desafio é servir bem esta população e o país. Para isso, é necessário garantir uma grande diversidade de formas e de objetivos, sempre de alta qualidade. Esta qualidade deve ser avaliada por servir bem os objetivos dos jovens que o procuram. Para alguns, isso significa uma maior ambição académica. Para outros uma iniciação profissional pós-secundária, mais diferenciada que o ensino obrigatório.
As cotas de acesso ao superior para grupos mais carenciados da sociedade – que o Governo quer começar a testar já este ano - vão de facto garantir uma maior igualdade no acesso à educação?
A experiência proposta para este ano é realista, mas precisa de ser acompanhada no sentido de evitar oportunismo de alguns grupos e de verificar que a cota beneficiada corresponde a jovens com potencial que vão desenvolver no superior. Deve dizer-se que o ensino superior não é capaz de compensar as falhas do ensino básico e secundário ao abandonar muitos jovens menos motivados para a vida escolar e sem meios para pagar as explicações (muitas vezes com professores do ensino estatal). É preciso atacar o problema no acesso e acompanhar estes estudantes depois de entrarem nos cursos de sua escolha para decidir se a cota agora arbitrada é demasiado baixa ou demasiado alta). É também preciso que as escolas básicas e secundárias façam melhor o seu trabalho.
O atual conceito de universidade, que procura responder às necessidades de desenvolvimento do país, começou com a revolução industrial. As universidades devem continuar a cumprir essa função, adaptando a sua oferta às necessidades do mercado?
O ensino superior sempre esteve focado no «mercado» porque era essa a preocupação das famílias, mesmo quando os estudantes pareciam desinteressados do seu futuro. Desde a idade média que as universidades formavam quadros para a administração eclesiástica e do estado, com uma Medicina em formato de profissão liberal. A recreação das universidades no século XIX, alarga o âmbito para dar atenção às ciências num ideal de busca do conhecimento puro, mas os graduados continuaram a preocupar-se com o seu espaço no mercado de trabalho. Hoje, com mais de 50% dos jovens a passar pelos bancos das instituições superiores, temos de nos preocupar muito mais com o seu espaço no mercado de trabalho, porque o custo social do desajuste seria enorme e está já à vista de todos.
As universidades nacionais continuam a ter uma baixa notoriedade nos principais rankings internacionais. O atual sistema de financiamento é em parte responsável por estes resultados? O que deve mudar?
O financiamento das universidades e institutos politécnicos estatais é quase exclusivamente histórico. Qualquer alteração vai dar ganhadores e perdedores e será muito duro para estes porque a despesa é essencialmente salarial e qualquer corte permanente exige o redimensionamento da instituição.
Um financiamento histórico não cria estímulos para a melhoria nem dá orientações para o desenvolvimento das instituições. Não dá estímulos para ensinar melhor nem para investigar mais! Da qualidade das aprendizagens não temos nenhuma medida direta, mas apenas perceções genéricas e sempre otimistas. Da quantidade da investigação académica temos dados e estamos na banda superior em número de investigadores nas universidades e em número de artigos publicados. Infelizmente, a notoriedade depende do impacto académico desses artigos e do seu impacto social e económico e nestes indicadores não saímos muito bem. Sim, temos de mudar o sistema de financiamento das instituições de ensino superior, clarificando bem as suas diferentes missões e reformar o sistema científico.
Faz sentido, que continuem a existir numerus clausus em cursos onde há carências de profissionais – como é o caso da medicina, que garante recursos valiosos num país em acelerado envelhecimento?
A Medicina não se ensina só em sala de aula. Se as salas de aula podem hoje crescer porque temos pessoal qualificado para a docência, a formação hospitalar depende da capacidade de acolhimento das estruturas hospitalares e de saúde extra-hospitalar. Esta capacidade nunca foi avaliada e por isso é hoje o principal espaço de conflito. O número de médicos que se formam anualmente não é baixo em comparação internacional, mas temos de nos precaver para um provável incremento da emigração face a uma situação económica que se tem degradado tornando cada vez mais difícil pagar salários competitivos aos médicos (como a outros profissionais com acesso ao mercado internacional).
Como podemos reter em Portugal os melhores alunos, garantindo assim que o investimento na sua formação serve o desenvolvimento do país?
Estão hoje a sair alguns dos melhores alunos logo no fim do secundário. Depois de completar a licenciatura, o mestrado ou o doutoramento, saem os mais ambiciosos, aqueles que estão dispostos a correr maiores riscos. O país perde muitos dos seus melhores. Só um maior crescimento económico poderá inverter esta tendência, mas o país não parece ter acordado para esta realidade. É mais compensador politicamente acudir às dificuldades imediatas do que investir para aumentar a riqueza futura. Sem isso aumentará a pobreza e a necessidade de lhe acudir.
A associação das universidades à indústria e às empresas pode ser uma solução para uma maior inovação e retenção de talento?
Sim, é desejável uma maior proximidade entre as universidades e as empresas. Os institutos politécnicos, se se mantiver a decisão política de terem uma missão diferente, terão também um papel importante, mas distinto. O primeiro meio para esta interação e para o benefício das empresas é pela absorção dos graduados que ali são empregados para desenvolverem todo o seu potencial. A capacidade das nossas empresas para absorver o conhecimento produzido nas universidades é limitado, mas os doutorados que entrem numa empresa têm de ir preparados para ali criarem valor que justifique a sua remuneração. Em todo o mundo, esta transferência direta depende das grandes empresas e, em Portugal, há poucas e são mal vistas. Mais recentemente, há a esperança de que as start up de natureza tecnológica poderão absorver doutorados e temos já experiências interessantes. Resta assegurar que essas empresas, quando bem-sucedidas, se mantenham com emprego em Portugal e há sinais de que isso é difícil.
Que impacto podem ter as universidades no desenvolvimento do país e das regiões, sobretudo para o interior do país?
O ensino superior não é capaz, só por si, de desenvolver as regiões em perda demográfica. É verdade que consegue fixar lá população e dinamizar a economia pela despesa desses residentes, ainda que temporários, mas isso representa um esforço, uma despesa do Estado ao financiar as instituições e das famílias que deslocam para ali os seus jovens estudantes. E a garantia de que estes se fixem nessas regiões é escassa se, em paralelo, não forem lançadas políticas de atração de empregadores. Temos poucos exemplos bem-sucedidos e demasiado limitados. Há um quarto de século que as instituições de ensino superior do arco «interior» de Viana do Castelo a Faro, assim como as fixadas nas regiões autónomas, dependem do sistema de números clausus que força estudantes de Lisboa, do Porto e do Minho a procurarem essas alternativas. O problema está bem identificado, mas não houve nenhuma política consequente e eficaz na criação de emprego nessas regiões.