A
A
Imagem da praia de Monte Gordo, no sotavento algarvio. Crédito: Shutterstock

Monte Gordo: de povoação piscatória a estância balnear

De povoação piscatória, Monte Gordo tornou-se uma estância balnear. No livro «Filhos de Monte Gordo», José Carlos Barros conta a história da povoação do sotavento algarvio, cuja ocupação começou na Idade Média. Um relato recheado de episódios, da fúria do Marquês de Pombal, à pesca ilegal dos espanhóis, aos destinos das conserveiras ou à visita da atriz Ingrid Bergman. Conheça algumas das curiosidades desta viagem até Monte Gordo.
5 min
Autoria
À venda na livraria

Sabia que Monte Gordo surge na Idade Média?

A ocupação do areal, ainda que sazonal, está referenciada há cerca de 600 anos. Em 1433, por exemplo, o topónimo Monte Gordo encontra-se na documentação de doação régia de D. Duarte, pela qual o Infante D. Henrique passará a receber «a dízima nova de todo o pescado que pescarem quaisquer pessoas no mar do Monte Gordo».

Ainda que, nesta altura, Monte Gordo designasse toda uma área entre Cacela e a foz do rio Guadiana, já existia ali um aglomerado de pescadores que formam uma povoação.

 

A pesca ilegal por pescadores espanhóis foi sempre uma realidade no mar de Monte Gordo?

Em 1410, o comendador e alcaide de Castro Marim denuncia que há pescadores castelhanos, contrariando a lei, que chegam à praia com suas xávegas e outras artes de pescaria. A mesma denúncia é registada nas Cortes de 1439, através dos relatos dos moradores de Castro Marim. Estas situações de contrabando e fuga aos impostos serão, aliás, uma constante ao longo dos séculos seguintes.

 

Sabia que grande parte da população chegou a ser espanhola?

Os espanhóis não só continuaram a pescar com impunidade, fazendo contrabando e fuga aos impostos, como chegaram mesmo a criar nestes areais uma «rica e poderosa Cidade». Por volta de 1770, Monte Gordo é uma aglomerado com milhares de residentes, maioritariamente constituído por catalães e levantinos, onde laboram cerca de cem Barcas, ou artes-xávega, o que corresponde a trezentas embarcações diariamente envolvidas na pesca de sardinha.

 

É verdade que o Marquês de Pombal mandou acabar com a povoação de Monte Gordo?

No âmbito do processo de Restauração do Reino do Algarve, a Corte de D. José, através do Marquês de Pombal, ordena a nacionalização das pescarias e, por carta régia de dezembro de 1773, também ordena a edificação de Vila Real de Santo António nas margens do Guadiana.

A partir desse momento, o destino de Monte Gordo, está traçado: a realização da lota na praia passa a ser proibida, e os milhares de habitantes recebem ordem de expulsão. Em Maio de 1776, quando se festeja a inauguração de Vila Real de Santo António, já não existe uma única habitação nem um único residente em Monte Gordo.

 

Como renasce Monte Gordo?

Apesar da crise e do acentuado declínio das artes-xávega, a pesca continua na baía de Monte Gordo. E, aos poucos, uma após outra, assiste-se novamente à construção clandestina de cabanas. A povoação volta, aos poucos, a renascer. Em 1820 vivem na praia duas a três dezenas de famílias de pescadores, por volta de 1840 existem já uns sessenta fogos.

 

Quando começa o turismo balnear em Monte Gordo?

Os primeiros relatos da moda dos banhos de mar em Monte Gordo surgem no início da década de 1890. Os banhos estão associados à frequência da praia por uma burguesia comercial e industrial, que estava em ascensão em Vila Real de Santo António, com o desenvolvimento do sector das conservas e atividades complementares. A praia era também frequentada por famílias do Baixo Alentejo que, há já alguns anos, ocupavam as praias da foz do Guadiana, nas estreitas línguas de areia diante da Vila.

 

Mas já existiam habitações para os turistas?

Não. As famílias que iam a banhos arrendavam as casas de adobe dos pescadores. Os pescadores começam depois a vender as suas casas aos veraneantes, num processo de abandono da parte central de Monte Gordo e de construção de cabanas de colmo e pau de piteira na periferia, no extremo poente do aglomerado.

Mudam-se para o que fica conhecido como Sertão (ou Sultão, como também é designado), um bairro de cabanas, barracas e casas de paredes de adobe, periférico, marginal, sem infraestruturas como esgotos ou água potável. 

 

Quando é que Monte Gordo passa de aglomerado piscatório a estância turística balnear?

Monte Gordo assistiu a alguns períodos de grande animação turística ao longo do século passado, nomeadamente nos anos vinte, refletindo o dinamismo económico do sector das conservas no Sotavento do Algarve, que teve o seu período áureo durante a guerra de 1914-18. Mas a entrada de Monte Gordo nos circuitos turísticos internacionais é marcada pela construção do Hotel Vasco da Gama, inaugurado a 1 de agosto de 1960, altura em que se afirma o carácter cosmopolita da estância balnear.

 

Sabia que a atriz Ingrid Bergman esteve em Monte Gordo durante o inverno de 1962?

Os relatos da imprensa da época e o Arquivo do Hotel Vasco da Gama permitem-nos acompanhar os passos de Ingrid Bergman em Monte Gordo durante a visita de quatro dias em Fevereiro de 1962. Sabe-se que fez uma visita ao sítio das Hortas e que ficou encantada com as suas casas «diminutas e caiadas de branco», que foi à praia, que comeu ostras ao natural e que bebeu vinho gelado. Sabe-se também que entrou numa tabacaria e que comprou vários postais, «quase todos com barcos e pescadores na sua rude faina de luta e paciência com o mar». Mas não há notícia de que tenha visitado o Sertão, onde viviam os pescadores. O que também não era preciso: já os tinha visto nos postais ilustrados.

Autoria
Portuguese, Portugal