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A nova vaga de migrantes é a do clima

Serão empurrados pela subida dos oceanos, pelas cheias e secas prolongadas. Nos próximos anos, mais de 143 milhões de pessoas irão tornar-se migrantes devido aos efeitos da crise climática.

6 min

Os alertas chegam do Banco Mundial, de investigadores e de organizações ambientalistas: as alterações climáticas já estão a provocar uma vaga de migrantes e vão levar ao êxodo de milhões de pessoas na América Latina, Sul da Ásia e nos países africanos abaixo do Saara. A Europa não ficará imune: poderá receber mais um milhão de pessoas por ano até ao final do século, estimam cientistas norte-americanos.

Todos os dias, quase 60 mil pessoas no mundo abandonam as suas casas ou o que delas restou. Não fogem da pobreza, da violência ou da guerra. Estão a fugir das mudanças no clima.

Pelas contas da associação britânica de defesa do ambiente Environmental Justice Foundation (EJF), mais de 21 milhões de pessoas são já obrigadas a deslocar-se anualmente por causa de cheias, furacões e tempestades ou secas.

Formam uma nova vaga de refugiados que não vai parar de crescer, alertam os especialistas, porque as alterações climáticas estão a acentuar o ritmo e a força de fenómenos extremos.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO) a ocorrência de cheias, tempestades, furacões e ondas de calor tem disparado desde 2000. Os dados mostram que 40% dos 8.835 desastres naturais registados desde 1970 aconteceram em pouco mais de uma década, entre 2001 e 2012.

Esta é uma “ameaça à humanidade tão grande ou maior do que os conflitos geopolíticos ou o terrorismo”, defende Steve Trent, director-executivo da EJF, no relatório Beyond Borders: Our Changing Climate, publicado em 2017.

Mais de 140 milhões de deslocados em três regiões

As projecções para os próximos anos, do mais recente relatório do Banco Mundial, ilustram isso mesmo: 143 milhões de pessoas irão tornar-se migrantes dentro dos seus países devido aos efeitos das mudanças climáticas nos próximos 30 anos. Serão empurrados pela subida dos oceanos e pelas cheias, pelas secas prolongadas, pela falta de água para a agricultura e criação de gado nos países da África subsaariana, América Latina e no Sul da Ásia.

Este êxodo corresponde a quase 3% da população a viver nestas três zonas do globo, analisadas por serem particularmente vulneráveis aos fenómenos climáticos. Os países da África subsaariana serão os mais afectados, com o Banco Mundial a calcular que cerca de 86 milhões de pessoas irão deslocar-se na região nas próximas três décadas. Muitos destes migrantes vão fugir das zonas rurais para as áreas urbanas dentro dos seus países. Os mais atingidos serão os mais pobres, nas nações mais pobres.

Por isso, “compreender a escala desta migração climática e os padrões de movimentação é crítica para que os países possam preparar-se”, alertam os 11 peritos que elaboraram o documento, salientando que é fundamental haver uma acção concertada para reduzir a escala destes impactos.

Ao mesmo tempo, grandes zonas urbanas em crescimento, que deverão absorver parte destes migrantes, estão também ameaçadas pelas mudanças climáticas. O desenvolvimento de cidades como a capital da Etiópia, Addis Abeba, poderá também ser comprometido pela falta de água. Já no Bangladesh, onde mais de 17% do território poderá ficar submerso pela subida do nível médio do mar até 2050, as previsões apontam para 20 milhões de deslocados com vagas de migrantes a inundar cidades como Dhaka.

E se a maioria destas deslocações deverá acontecer dentro de cada país, os autores ressalvam que algumas das zonas mais atingidas estão junto a fronteiras, acrescentando que vários factores poderão contribuir para uma migração transnacional.

Num apelo, a directora-executiva do Banco Mundial, Kristalina Georgieva, defende que “se houver uma acção global para diminuir emissões de gases de efeito estufa e um planeamento de longo alcance” para minorar os seus impactos, ainda será possível reduzir em dezenas de milhões o número de migrantes climáticos. “Temos agora uma oportunidade de planear e actuar perante ameaças emergentes de mudança do clima”.

Pedidos de asilo à Europa vão triplicar até 2100

Se a maioria destes migrantes irá deslocar-se dentro dos seus países, vários estudos mostram que a Europa não escapará aos efeitos deste êxodo climático.

“Esperem 20 anos e vejam o que vai suceder quando as alterações climáticas começarem a empurrar pessoas para fora de África, sobretudo da região do Sahel. Não serão um ou dois milhões , mas sim 10 ou 20, e não irão para o Sul de África mas atravessarão o Mediterrâneo”, explicou ao diário britânico The Guardian, Stephen Cheney, o brigadeiro-general norte-americano que lidera o American Security Project, uma organização não governamental que se destina a alertar a opinião pública para os desafios à segurança no século XXI.

“Estamos já assistir à migração de um grande número de pessoas em todo o mundo devido à escassez de alimentos, à falta de água potável e às condições meteorológicas extremas e isto será o novo normal”, diz Cheney, para quem as alterações climáticas podem originar “uma crise humanitária de proporções épicas”.

O impacto destes migrantes climáticos na Europa já começou a ser calculado. Em 2100 poderão chegar anualmente às portas do continente mais um milhão de pessoas apenas devido ao clima, concluem dois investigadores da Universidade de Columbia, nos EUA, num estudo publicado na revista Science no final do ano passado:

Anouch Missirian  e Wolfram Schlenker olharam para as variações da temperatura em 103 países e as suas consequências nos pedidos de asilo junto da União Europeia. Com base nesses resultados, fizeram extrapolações para o futuro. Concluem que, apenas devido às mudanças climáticas, o número daqueles que irão tentar entrar na Europa todos os anos vai triplicar até ao final do século.

E mesmo se os esforços para reduzir o aquecimento global forem um sucesso, o número de pedidos de asilo irá subir pelo menos em mais um quarto por causa do aquecimento do planeta.

Ao The Guardian, Schlenker explica que este aumento poderá tornar a questão dos refugiados ainda mais polémica e acentuar as tensões políticas que rodeiam as questões da imigração. “A Europa está já dividida sobre quantos refugiados consegue admitir. Apesar dos países pobres nas regiões mais quentes serem os mais vulneráveis, o nosso estudo mostra como todos os países estão interligados [nas consequências deste impacto]”.

Organizações como a Environmental Justice Foundation alertam por isso que é “urgente” a criação de novas ferramentas legais que dêem resposta aos desafios das migrações climáticas. O organismo propõe que se protejam estes refugiados e se criem mecanismos de compromisso entre os países para que se estabeleçam metas efectivas que reduzam estes impactos.

Reveja o Fronteiras XXI « Reféns do clima»

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal