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1951-1953: A última recessão agrícola
Esta seria a última crise provocada essencialmente pelas más colheitas de vinho e azeite. A queda das exportações a reboque das recessões de algumas economias clientes das empresas portuguesas agravou a crise, que teve origem interna. A emigração teve a maior subida em muitos anos.
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1951-1953 A última recessão agrícola

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, a Europa entrou num período de acelerada atividade económica focada na reconstrução. Observaram-se elevadas taxas de crescimento do PIB e a taxa de desemprego manteve-se a níveis historicamente baixos durante muitos anos. Este contexto levou a uma forte procura por matérias-primas no final da década de 40 e no início da década de 50.

Este foi também um período de acelerada integração de muitas economias nacionais e de redução das barreiras ao comércio internacional. A OECE - Organização Europeia de Cooperação Económica, precursora da OCDE - surgiu em 1948, para auxiliar a administração do Plano Marshall. O GATT - sigla inglesa do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - nasceu em 1949 para reduzir as barreiras ao comércio internacional, e a Comunidade Europeia do Carvão e Aço - precursora da atual União Europeia - criou, em 1951, um mercado comum para recursos escassos na intensa reconstrução europeia.

Portugal, que entra no pós-guerra como uma estrutura económica de base agrícola, iniciou um processo de abertura de uma economia que até então era muito fechada.

Porém, entre 1952 e 1953, o comércio internacional abrandou na sequência de políticas orçamentais e monetárias restritivas em vários países, postas em prática para combater desequilíbrios externos na balança de pagamentos, e com o escoamento de stocks de matérias-primas acumulados durante a guerra da Coreia (1950 a 1953).

Este abrandamento externo acentuou uma recessão que em Portugal teve, mais uma vez, origem nos ciclos agrícolas e na má evolução de colheitas importantes para a economia. Esta seria, aliás, a última recessão com origem numa estrutura demasiado dependente do setor primário. A partir daí, a indústria e os serviços aumentariam o seu peso numa economia cada vez mais aberta ao exterior.

PIB Real (Agregado) segundo duas séries

 

Ainda muita agricultura e pouca indústria
Decomposição Setorial do PIB (principais setores 1951)

 

Decomposição da Variação do Produto da Indústria Transformadora

 
Quando o vinho e o azeite correm mal

O vinho e o azeite continuavam a ser, ainda, duas das principais colheitas na economia nacional. A produção vinícola sofreu uma quebra histórica na colheita de 1952, para metade da do ano anterior, o que a colocou em valores de 1940. Simultaneamente, começou um ano de contrassafra na produção de azeitona, com uma quebra de 60% em relação a 1951, quando se registara a maior colheita de sempre em Portugal.

Estas duas colheitas, por si só, já justificariam um mau ano agrícola. Mas a elas ainda se juntaram as fracas campanhas de outras culturas, motivadas por condições meteorológicas adversas. Mesmo o ano agrícola de 1953, que registou no seu último trimestre uma produção recorde de azeite e alguma retoma na produção de vinho, foi, nos trimestres anteriores, marcado por um outono e primavera relativamente secos e quentes que afetaram outras culturas.

A agricultura valia então cerca de um terço do PIB. A estimativa do produto do setor agrícola mostra uma quebra de cerca de 20% no ano de 1952, que não foi compensada por aumentos relevantes dos outros setores, onde se registou estagnação ou fraco crescimento. A conjugação destes acontecimentos tornou a recessão inevitável.

Esta conjuntura teve impacto direto no nível de vida das populações rurais. Com metade da população ativa empregue na agricultura, houve uma quebra no consumo consistente com a redução dos seus rendimentos.

Sem indicadores fiáveis disponíveis para o emprego ou desemprego, a deterioração do ambiente social pode ser avaliada pelos dados da emigração. Em 1952 deu-se um salto significativo na emigração, que seria o maior no período 1945-1960. Este salto é consistente com uma reduzida procura por trabalhadores nas atividades trabalho-intensivas do setor agrícola de então, como a apanha da azeitona, as vindimas e as campanhas da fruta.

Colheita de vinho

A quebra na produção de vinho foi particularmente sentida em 1952. Numa economia muito dependente da agricultura, este facto contribuiu para a recessão.

 

Emigração Total Estimada

A deterioração do nível de vida das populações rurais levou a um forte aumento da emigração, sobretudo até 1952.

 
Exportações também em queda

Mas não foi apenas a conjuntura interna que ditou esta recessão. A componente internacional, evidenciada pelos dados do comércio externo, foi também uma fonte do choque adverso da economia.

As exportações nacionais vinham de uma década de crescimento a bom ritmo com especial ênfase na cortiça, nos têxteis e nos bens alimentares.

Em 1953, alguns dos principais mercados internacionais portugueses, como os Estados Unidos ou a Inglaterra, estavam em recessão. A produção industrial portuguesa, e sobretudo as indústrias transformadoras da cortiça e de produtos químicos - que estavam mais orientadas para a exportação - foram afetadas pela reduzida procura externa, que registou um decréscimo significativo.

Mesmo as elevadas produções de azeite e vinho em 1953, depois da quebra acentuada do ano anterior, tiveram dificuldades em ser escoadas nos mercados internacionais, com as exportações de ambos os produtos a reduzir-se em valor face a 1952, de acordo com relatos da época.

O investimento, pelo contrário, cresceu durante a recessão, reflexo da crescente industrialização do país.

Exportações (Quantidade) por tipo de bens

 

Composição das Exportações por Destino (em valor nominal, 1951)

 
Esta crise acontece no período de maior expansão da economia portuguesa.
Professora na Católica Lisbon School of Business and Economics
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A crise de 1951-1953 vista por Isabel Horta Correia, professora na Católica Lisbon School of Business and Economics.
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