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1983-1984: A crise que demorou a chegar
Os dez países que em 1981 integravam a Comunidade Económica Europeia – hoje União Europeia – entraram em recessão no início de 1980.
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1983-1984: A crise que demorou a chegar

Em 1979 a economia global sofreu um choque petrolífero, na sequência de uma crise política no Irão, um dos principais produtores mundiais da matéria-prima. A instabilidade levou a uma forte e rápida subida dos preços do petróleo, de 15,5 para 38,9 dólares por barril entre os inícios de 1979 e de 1981.

Em economias muito dependentes do petróleo, esta subida fez-se sentir em cadeia numa série de produtos e serviços. Muitas economias desenvolvidas usaram o instrumento clássico para tentar arrefecer a economia e atenuar o aumento de preços: subiram as taxas de juro.

A travagem das economias foi forte. Os dez países que em 1981 integravam a Comunidade Económica Europeia – hoje União Europeia – entraram em recessão no início de 1980. O desemprego subiu e o investimento caiu.

O mesmo veio a acontecer nos Estados Unidos no ano seguinte.

Estímulos à economia

O contexto externo português era particularmente difícil, e o Governo avançou com algumas políticas para contrariar o impacto da crise externa.

O Orçamento do Estado foi usado para tentar estimular a economia, aumentando a despesa pública. E, ao contrário do que acontecia no exterior, as autoridades portuguesas desceram as taxas de juro para reforçar os estímulos ao consumo e ao investimento.

Sem surpresa, a inflação subiu. Para tentar travá-la, o Governo utilizou o controlo administrativo de preços. Nesta altura, muitos preços de bens e serviços eram tabelados pelos governos, da “bica” aos combustíveis, do pão aos transportes. Daqui surgiram desequilíbrios para muitas empresas, uma vez que sofreram um aumento de custos, mas não dispunham de autonomia para aumentarem os preços dos seus produtos e serviços.

Os preços dos bens essenciais dispararam
Taxa de variação do Índice de Preços do Consumidor (%)

 
Agrava-se o desequilíbrio externo

Este contexto levou a um agravamento do saldo da balança de pagamentos, uma vez que saiu mais dinheiro do país – para pagar importações, por exemplo – do que entrou – como receita de exportações.

Para tentar travar o défice externo, que em 1982 atingiu 12,9% de toda a produção anual do país, o Governo decidiu então travar a fundo e avançar com medidas contrárias às que tinha posto em prática dois anos antes.

As taxas de juro foram aumentadas, para travar o consumo e o investimento, ambos geradores de importações. E foram vendidas reservas de ouro do Banco de Portugal, para encontrar meios financeiros com que o Estado pudesse cumprir os seus compromissos.

A inevitável recessão

A economia, que já soluçava, entrou em recessão. As políticas dos anos anteriores permitiram adiar o impacto do choque petrolífero, mas a recessão acabou por se impor, tal como tinha acontecido no resto das economias avançadas.

Perante os fortes desequilíbrios, o Governo formado por PS e PSD, após as legislativas de abril de 1983, recorreu à ajuda e intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) – a segunda desde a revolução de 1974. O programa decorreu entre outubro de 1983 e fevereiro de 1985 e teve como objetivos principais ajudar o país a equilibrar as suas contas com o exterior, melhorar as contas públicas e as condições de crescimento económico.
Foram várias as medidas que acompanharam o financiamento do FMI.
Desvalorizou-se a moeda – na altura, o escudo – em 12%, para dar competitividade cambial às exportações e arrefecer as importações. Quando uma economia desvaloriza a moeda, os restantes países têm mais facilidade em comprar-lhe bens ou serviços, porque nas suas próprias moedas os preços ficam mais baratos. Com as importações sucede o contrário: tornam-se mais caras para o país que desvalorizou a moeda.
Foi também decidido colocar limites ao crédito bancário, de modo a travar o endividamento da economia. E, para evitar uma degradação mais acentuada das contas públicas e do défice do Estado, reduziu-se o investimento das empresas públicas e aumentou-se a carga fiscal.

Os principais indicadores

PIB per capita

A queda da economia, medida pelo PIB real per capita, foi de 3% entre o ponto mais alto e o mais baixo do ciclo económico. O valor máximo deste ciclo económico foi atingido no primeiro trimestre de 1983. A partir daí, deu-se uma queda continuada até ao primeiro trimestre do ano seguinte, altura em que se atingiu o ponto mais baixo.

 

Euros (€), encadeados em volume (chain-weighted), base 2011

 

Taxa de Desemprego

O desemprego começou a subir ainda antes do início da recessão e continuou a aumentar para além desta.

 

Investimento

Foi no investimento que ocorreu a maior fatia do ajustamento do endividamento externo. A quebra acentuada deste indicador foi um traço marcante desta recessão.

 

% do PIB Nominal

 

 

Desemprego dispara e consumo das famílias encolhe

Os efeitos desta recessão não podem ser desligados do impacto que teve a aplicação do programa contratado com o FMI, aplicado, em parte, durante o mesmo período. A produção industrial do país caiu, o desemprego aumentou e o consumo das famílias encolheu.
A poupança interna, que já dava sinais de recuperação, continuou a aumentar. O investimento caiu a pique.

A recessão foi violenta, mas também curta, e a recuperação nos anos seguintes foi robusta. Pelo efeito da desvalorização do escudo, assistiu-se a um rápido equilíbrio das contas com os outros países, que veio a ser atingido em 1985. Mas esta recessão teve assinalável impacto a nível social, sobretudo devido ao aumento do desemprego e à contração real dos rendimentos da população, provocada pela queda da moeda.

 

O segundo choque petrolífero foi a principal causa desta recessão.
Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa
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A recessão de 1983-1984 vista por Nuno Valério, professor no ISEG
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