Book traversal links for 2002-2003: Depois da euforia, a ressaca
Na década de 1990, o país fez a sua caminhada para a adesão à moeda única, baixando o défice, a dívida, a inflação e as taxas de juro. O objetivo foi alcançado, e a integração no euro ocorreu no pelotão da frente, no início de 1999. Mas com ele vieram também alguns desequilíbrios. A forte e consistente redução dos juros, motivada pela credibilização crescente de um país que viria a entregar a política monetária e cambial ao Banco Central Europeu, levou a um aumento do endividamento de empresas e particulares.
O dinheiro mais barato e a concorrência bancária na concessão de crédito fizeram disparar o endividamento das famílias para a compra de casa e automóveis. Do lado do Estado, a folga orçamental gerada pela redução dos encargos com a dívida pública foi utilizada, em grande parte, para aumentar a despesa pública corrente.
Do “pântano” ao país de “tanga”
Com a entrada na moeda única, o país ficou sujeito a novas regras orçamentais que limitavam o défice orçamental a 3% do PIB, como impunha o Pacto de Estabilidade e Crescimento, definido pelas instituições europeias. A estrutura das contas públicas era incompatível com essa meta. Na sequência de uma derrota nas eleições autárquicas de dezembro de 2001, o primeiro-ministro António Guterres demitiu-se, invocando a falta de condições políticas para evitar que o país caísse num “pântano”.
O novo governo que saiu de eleições antecipadas, liderado por Durão Barroso, carregou ainda mais no tom negativo, afirmando ter encontrado um país “de tanga”.
A instabilidade governativa, o discurso político pessimista e a perspetiva de cortes na despesa pública e de aumentos dos impostos ajudaram a consolidar uma perceção negativa cada vez mais generalizada dos agentes económicos sobre a evolução da conjuntura.
O sentimento económico caiu, o consumo e o investimento retraíram-se e a recessão apareceu como inevitável.
A dificuldade em conter o desequilíbrio das contas do Estado
Saldo das administrações públicas (% do PIB)
Uma crise portuguesa
Esta foi uma recessão motivada quase exclusivamente pela conjuntura interna. Ao contrário das anteriores, foi uma crise em contraciclo com os principais parceiros europeus e comerciais. Ainda que os EUA tenham vivido uma breve recessão em 2001, na Europa não se chegou a assistir a uma descida do Produto Interno Bruto.
Contudo, o desacerto do passo económico português tornou-se inevitável quando o novo Governo, em 2002, se viu na necessidade de praticar uma política orçamental restritiva para voltar a colocar o défice orçamental abaixo dos 3%, depois da violação do limite europeu no ano anterior.
Para isso, foi cortado o investimento público e colocou-se um travão no crescimento da despesa pública. O consumo privado também encolheu, na sequência da degradação da confiança na economia, ajudando a aprofundar a sua queda.
Foi a primeira recessão da era do euro, quando a definição da política monetária já não estava apenas nas mãos das autoridades nacionais.
PIB per capita
A queda da economia entre 2002 e 2003 foi relativamente profunda, registando-se uma diferença máxima de 2,9% no PIB real per capita. O valor máximo deste ciclo económico foi atingido no primeiro trimestre de 2002.
O valor mais baixo ocorreu mais de um ano depois, no segundo trimestre de 2003.
Euros (€), encadeados em volume (chain-weighted), base 2011
Taxa de Desemprego
O mercado de trabalho passou por uma mudança profunda. Nos 20 anos anteriores, a taxa de desemprego foi apenas ligeiramente contracíclica, mas depois desta recessão não caiu.
Índice Sentimento Económico
O indicador de sentimento económico caiu de forma expressiva durante a recessão, reforçando uma tendência que se tinha formado dois anos antes.
Índice, 100=fevereiro 2002
Esta recessão marcou uma viragem na economia portuguesa que ganhou contornos estruturais. Desde então, a taxa média de crescimento tem-se revelado modesta por períodos prolongados. De tal forma que as duas primeiras décadas do século XXI são consideradas décadas perdidas.
A estagnação da produtividade e a falta de preparação estrutural para o novo contexto da integração na Zona Euro são apontadas como as causas principais desta prolongada anemia.
É também a primeira recessão em que as ferramentas macroeconómicas que Portugal usou nas duas décadas anteriores não estão disponíveis.
O país não pode baixar as taxas de juro, entregues ao Banco Central Europeu. A incapacidade de criar uma almofada no défice público abaixo do limite dos 3% durante os anos de expansão económica impossibilitou a redução dos impostos ou o aumento da despesa pública durante os anos de recessão, o que poderia ter estimulado a economia.
Por fim, um dos efeitos mais imediatos desta recessão foi a subida rápida do desemprego, que passou de valores abaixo dos 4,5% no final de 2001 para um patamar acima dos 7% em 2014. Depois de a recessão ter terminado, a taxa de desemprego não caiu e manteve-se em níveis altos durante os anos seguintes, o que não foi habitual na economia portuguesa das duas décadas anteriores.