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1930-1939: Um país isolado e dependente da terra
A palavra de ordem era a substituição de importações. Orgulhosamente só, o país tratou de proteger setores agrícolas e industriais. Nem a Guerra Civil de Espanha afetou a economia, contribuindo mesmo para a liderança mundial no setor da cortiça. A recessão veio, mais uma vez, da queda de colheitas agrícolas.
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1930-1939 Um país isolado e dependente da terra

A década de 1930 ficou marcada pela institucionalização do regime do Estado Novo, que nascera na década anterior. A União Nacional surgiu como partido único em 1930 e, em 1933, uma nova Constituição e o Estatuto do Trabalho Nacional oficializaram a organização corporativista do regime.

As reformas fiscais e monetárias dos anos 20 trouxeram estabilidade e solidez às finanças públicas ao longo dos anos 30. Em 1931, o Escudo aderiu formalmente ao sistema de padrão-divisas-ouro, fixando a sua convertibilidade em libras esterlinas e mantendo a paridade com a moeda inglesa ao longo da década. Em 1935, uma nova lei reorganizou a concessão de crédito e levantou fortes entraves à entrada de novas instituições financeiras, o que contribuiu para que o mercado bancário português sofresse poucas mudanças até à década de 1970.

Na política económica, a prioridade foi a substituição das importações. Na agricultura, essa doutrina traduziu-se numa das mais relevantes ações de política agrícola no país: a Campanha do Trigo, que pretendia combater o histórico défice cerealífero prolongando e intensificando o regime protecionista do século XIX.

Na indústria, o condicionamento iniciado nos anos 20 foi gradualmente estendido à generalidade dos setores ao longo dos anos 30. Ele consistia num conjunto de regulações protecionistas que conferiam ao governo o poder de autorizar aberturas de empresas em cada setor, a aquisição de tecnologias ou a participação no capital por entidades estrangeiras.

A intervenção regulatória encorajava também o uso de matérias-primas nacionais. Foi neste contexto que, no final da década, começou a refinação de petróleo ou a produção industrializada de bicicletas.

A intervenção do Estado passou também por um plano de investimentos e despesas públicas, aprovado em 1935, que se estenderia até 1950. Através da Lei de Reconstituição Económica, o Estado tentava fomentar a economia de braço dado com um novo regime político.

Cerca de 60% dos montantes atribuídos destinaram-se aos transportes (a rede viária e ferroviária, portos, aeronáutica) e à modernização agrícola. A sua execução iniciou-se em 1936-37 e, no seu conjunto, representou um aumento de mais de 20% nas despesas públicas correntes e uma quadruplicação do investimento público anual quando comparado com a primeira metade dos anos 30.

À estabilidade política do regime político juntou-se a estabilidade económica, permitida em larga medida pelo facto de o país ter uma economia relativamente fechada ao exterior. Por isso mesmo, Portugal não foi muito afetado pelos dois eventos marcantes no Ocidente nesta década: a Grande Depressão e a Guerra Civil Espanhola. O país continuava isolado, não só devido ao incipiente desenvolvimento industrial, mas também por opção política. Por isso, os ciclos agrícolas continuaram a ser o principal motor das evoluções do ciclo económico. A seca de 1935-36 e a ressaca da Campanha do Trigo conduziram o país a uma única recessão nesta década, entre 1934 e 1936.

PIB Real (Agregado) segundo duas séries

 
Ascensão e queda da produção de trigo

A Campanha do Trigo foi implementada a partir de 1931, tendo grande impacto na produção da mais importante cultura cerealífera nacional. O seu objetivo era a autossuficiência do país no contexto da política de substituição das importações. Ela visava um aumento significativo da área cultivada, incentivado por subsídios à produção e a melhoria da tecnologia.

Do lado dos mercados, o Estado garantia a compra de excedentes de produção nacional e fixava o preço, para diminuir o risco para os produtores.

Foi assim que entre 1931 e 1934 houve um crescimento sem precedentes da produção de trigo, alimentado não só pelos grandes produtores, mas também por um número significativo de médios e pequenos produtores.

Apesar disso, em 1935-36 a produção do trigo caiu abruptamente para o nível registado em 1928. As razões para esta quebra ainda são objeto de discussão, mas há pistas importantes como a degradação e exaustão dos solos ou a contração do investimento, sugerindo que houve um excesso de capacidade instalada nos anos anteriores.

Entre 1934 e 1935, a produção de trigo ainda foi alta, mas todos os outros cereais como o centeio, a aveia ou o milho sofreram quedas significativas como resultado da seca que também afetava o vinho.

O ano meteorológico de 1935-1936 foi ainda mais quente e seco, levando a uma queda mais pronunciada da produção vitivinícola e de cereais. Assim, nenhuma outra cultura agrícola conseguiu compensar a quebra significativa na produção de trigo, provocando a crise económica no país isolado e demasiado dependente do que a terra dava.

Esta recessão de 1934-36 tem, assim, três fatores próximos: o fim dos efeitos da Campanha do Trigo, com a exaustão e erosão dos novos solos cultivados e o fim das produções excedentárias desse cereal; o ano meteorológico desfavorável para a generalidade das colheitas; e o ano de contrassafra na produção olivícola.

Como noutras ocasiões, talvez nenhum destes fatores isolado levasse, por si só, a uma recessão. É a coincidência de fatores, todos associados com a produção agrícola, que dá forma a esta recessão.

 

Economia ao sabor do que a terra dava

Evolução das colheitas de trigo, milho e batata.

 
Uma indústria ainda incipiente

A indústria continuou a ser um setor secundário, no emprego e na produção, atrás da agricultura. A mais importante indústria nacional eram os têxteis e o calçado, que passaram por uma década de crescimento até 1938.

Em contrapartida, os setores químico e da indústria alimentar permaneceram em queda durante vários anos de meados de década de 30.

O índice de produção industrial teve um pico em 1934 e uma cava em 1936, resultando numa pequena contração de 1,75% entre estes dois anos.

Já a cortiça, que representava cerca de 15% do valor das exportações, assistiu a um pequeno boom entre 1935 e 1937. A indústria nacional aumentou as exportações às custas dos produtores espanhóis, que eram até então os principais exportadores mundiais. A partir daqui, Portugal estabelecia-se como o principal produtor global de cortiça.

Durante toda a década de 30, a estabilidade financeira criou um ambiente favorável à acumulação de capital que terá contribuído para o aumento da taxa de investimento. Ela fixou-se, em média, nos 11%, mais do triplo do valor registado na década de 1910 e sem oscilações significativas que contribuíssem para o ciclo económico. Aliás, a partir de 1937 e até 1950, com a execução dos investimentos previstos na Lei de Reconstituição Económica, a contribuição do investimento para o crescimento foi, quase sempre, positiva.

Índice de produção industrial sector agroalimentar 

A indústria alimentar era responsável por 18% de todo o produto industrial. A sua queda entre 1933 e 1937 foi importante para a evolução do ciclo económico.

 
Grande Depressão e uma guerra civil aqui ao lado

Ao contrário da estabilidade que o isolamento português permitiu, o contexto externo foi duro durante a década de 30. A Grande Depressão de 1929, nascida nos Estados Unidos, teve um impacto económico assinalável na Europa. Em Portugal, os principais efeitos da Depressão fizeram-se sentir na balança de pagamentos, através da redução dos preços de matérias-primas nacionais nos mercados externos, da queda abrupta das remessas vindas do Brasil, como resultado dos controlos de capitais vigentes no país sul americano, e na forte queda da emigração para todos os destinos, em especial para os Estados Unidos. A década de 1930 é a primeira do século a registar um saldo migratório positivo, algo que só se repetiria nos anos 70 e nos anos 90. De 1931 em diante, as oscilações na emigração e na população ativa reduziram-se.

Entre 1936 e 1939, a Guerra Civil Espanhola fez do país vizinho palco de um sangrento conflito. Do ponto de vista político, Portugal manteve-se neutro, embora tenha concedido facilidades às tropas nacionalistas. Do ponto de vista económico, apesar de algum impacto nas regiões transfronteiriças, Portugal e Espanha estavam largamente desligados e assim viriam a permanecer durante mais algumas décadas.

Países como o Brasil, Inglaterra ou a Bélgica eram mais relevantes para o comércio externo nacional. A maior consequência económica deste conflito para Portugal parece ter sido o aumento das exportações, sobretudo da cortiça, porque a indústria nacional competia com a espanhola pelos mesmos mercados.

 

Emigração oficial

Houve um forte abrandamento da emigração portuguesa nesta década, como resultado da conjuntura internacional marcada pelo encerramento de fronteiras e pela Grande Depressão.

 
Esta crise resulta do esgotamento dos benefícios da campanha do trigo, dos efeitos adversos da meteorologia e da contrassafra da azeitona, que ocorreram em simultâneo.
Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto
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O período de 1930-1939 e a sua recessão vista por José Varejão
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