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1939-1945: Guerra, volfrâmio, más colheitas e duas recessões
O país escolheu a neutralidade na Segunda Guerra Mundial e, com isso, vendeu minério essencial ao esforço de guerra dos dois lados do conflito. Registou uma evolução recorde no comércio externo e foram de novo as colheitas agrícolas que moldaram os ciclos económicos. Mas as restrições impostas pela guerra não passaram ao lado do país.
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1939-1945 Guerra, volfrâmio, más colheitas e duas recessões

Em 1939 o mundo mergulhava num dos mais amplos e dramáticos conflitos da história da Humanidade. Com as operações militares sobretudo centradas no solo europeu e nos mares do Pacífico, a Segunda Guerra Mundial teve um impacto económico global.

Portugal manteve, desde o início, a neutralidade militar, o que contribuiu para um aparente paradoxo: o país cresceu fortemente durante a Segunda Guerra, com uma expansão do PIB real entre 19% e 30% entre 1940 e 1944, em parte impulsionada pelas exportações de volfrâmio para as potências beligerantes de ambos os lados. A venda deste metal ao exterior permitiu um excedente comercial histórico em 1942.

Mais tarde, em 1944, esta fonte de crescimento económico viria a esgotar-se com o fim das exportações deste minério, imposto ao país por uma forte pressão internacional. Este facto coincidiu com a mais longa seca de que há registo em Portugal continental, entre 1943 e 1946. É essencialmente do efeito conjugado destes dois choques que nasce a recessão de 1944-45.

O país continuava com uma matriz setorial de forte peso agrícola, sendo as colheitas determinantes para o ciclo económico.

PIB Real (Agregado) segundo duas séries

 
A inevitável economia de guerra

A neutralidade portuguesa na Segunda Guerra contribuiu para a redução do impacto do conflito dentro de fronteiras e até para ganhos no comércio internacional; ainda assim, o choque foi sentido com intensidade.

Entre 1939 e 1945, houve grandes entraves à importação de bens de consumo e de investimento que eram essenciais à economia nacional. 

A importação de combustíveis foi especialmente afetada e o transporte marítimo largamente interrompido, afetando todas as cadeias de abastecimento.

Outras matérias-primas tornaram-se escassas e os seus preços dispararam nos mercados internacionais. A sua importação passou a estar sujeita a autorização governamental prévia, e foi suspensa a compra de automóveis e artigos de luxo ao exterior.

Ao mesmo tempo, foram tomadas medidas de contenção das exportações de bens essenciais, como estanho, alcatrão, certos químicos, manteiga ou queijo.

A escassez de bens afetou as condições de vida no país e, para tentar amortecer o seu efeito, as autoridades lançaram uma política de racionamentos.  

Os racionamentos aos combustíveis foram particularmente sentidos. A partir do verão de 1941, a circulação e o abastecimento de automóveis foram proibidos durante três dias por semana. Outros produtos de consumo corrente, como o bacalhau, o azeite, o sabão, o óleo e o açúcar foram sujeitos a racionamento, através de um sistema de senhas trimestrais.

Ao mesmo tempo, as autoridades impuseram preços administrativamente controlados a produtos como o leite ou o bacalhau. 

Estas medidas típicas de uma economia de guerra foram intensificadas à medida que o conflito avançava. Entre 1942 e 1945, o país assistiria ao racionamento de energia elétrica, gás e carvão. Nos meses finais da guerra, um quarto das locomotivas estava parado por falta de combustível.

As difíceis condições de vida levaram ao surgimento de focos de contestação social e laboral. Entre o final de 1942 e o início de 1943, há registos de greves nos transportes públicos e nas cinturas industriais de Lisboa, de Almada-Barreiro ou em S. João da Madeira e Silves. Com o fim do conflito, os racionamentos foram gradualmente levantados. Em novembro de 1945, a imprensa já noticiava a normalização dos abastecimentos e as descidas dos preços da gasolina.

 

Importações em valor nominal

A subida de preços dos bens importados num contexto de guerra levou a um agravamento dos défices externos quando acabou o contributo dado pelas exportações de volfrâmio.

 
A dependência da terra que se prolongava

O país tinha ainda uma economia profundamente dependente da agricultura. Como nas décadas anteriores, viria desta estrutura o impacto determinante para os ciclos económicos. 

Em 1940, uma quebra na produção de azeitona - uma campanha de contrassafra - coincidiu com um mau ano para a vinha, na sequência de chuvas tardias e de algumas pragas. As quedas foram substanciais em relação ao ano anterior: de 54% no azeite e de 32% no vinho. 

As mesmas condições meteorológicas adversas tiveram também impacto na colheita de trigo, que caiu 50% face ao ano anterior. As colheitas de aveia, centeio e fava registaram igualmente quedas de 74%, 25% e 50%, respetivamente.

A crise na agricultura determinou a primeira recessão deste período, datada entre 1939 e 1940.

A resposta da política agrícola a esta conjuntura foi um incremento do subsídio à produção do trigo e a facilitação de linhas de crédito para a mecanização do processo produtivo. 

A partir do outono de 1943, a generalidade do território continental entrou numa seca que debilitou algumas colheitas logo em 1944 e causou uma quebra mais generalizada e profunda em 1945.

Portugal deixou de exportar volfrâmio em 1944, surgindo assim uma nova recessão. Ao mesmo tempo, o impulso do investimento público em 1945 contribuiu para que a recessão fosse curta. A economia bateria no fundo logo nesse ano e iniciaria novo período de crescimento a partir daí.

Colheita de Vinho

Numa economia muito dependente da agricultura, a evolução das colheitas conduziu os ciclos económicos. As recessões de 1940 e 1945 tiveram um forte contributo da produção de vinho.

 
O invulgar impacto do volfrâmio

O período da Segunda Guerra Mundial está, em Portugal, associado à importância económica do volfrâmio, que teve entre 1941 e 1944 um boom histórico. De grande importância para a indústria de guerra, por ser introduzido nas ligas metálicas das peças de artilharia, o volfrâmio permitia aumentar a resistência desses materiais às variações de temperatura.

Em janeiro de 1942, celebrou-se o primeiro contrato oficial de fornecimento, com a Alemanha, prevendo a venda de 2800 toneladas por ano. Meses mais tarde, em setembro, foi feito um acordo de comércio com os Aliados que previa um montante de 4000 toneladas/ano.

Se até então este minério era pouco significativo nas exportações portuguesas, em 1942 já estava a ser exportado a um preço médio 32 vezes superior ao de 1938.

Entre 1939 e 1944, Portugal comercializou 10,5% do volume total de volfrâmio transacionado à escala global, sendo, de longe, o maior produtor europeu, representando quase 40% das exportações nacionais em valor.

Foi graças a esta matéria-prima que o período de 1941-43 constituiu uma exceção histórica no comércio externo português pelos excedentes da balança comercial e pelo papel de credor que Portugal assumiu em relação ao Reino Unido. 

Em julho de 1940, o Banco de Portugal e o Banco de Inglaterra acordaram que Portugal concederia crédito ilimitado e com período de graça até ao fim do conflito para as compras britânicas de bens nacionais. O saldo em 1945 foi de cerca de 80 milhões de libras esterlinas.

Não fosse o volfrâmio, e a balança comercial portuguesa teria visto, provavelmente, o seu saldo negativo agravar-se.

Também o consumo privado terá beneficiado do rendimento da venda de volfrâmio, fosse ela feita de forma oficial ou clandestina.
A imposição pelos Aliados de interromper o comércio deste minério em junho de 1944, traduziu-se numa forte contração da balança comercial, que retornou em 1945 aos seus défices crónicos, impondo uma forte quebra da dinâmica económica nacional em período de guerra e ajudando a provocar uma recessão a par da conjuntura agrícola.

 

“Boom” do volfrâmio, a vantagem da neutralidade na Guerra

Exportações do volfrâmio português

 
A crise de origem internacional foi o primeiro ensaio para uma economia integrada na economia mundial.
Professor catedrático de Economia na Nova SBE
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Crises de 1939-1945 vistas por José Tavares, professor catedrático de Economia na Nova SBE
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