Book traversal links for 1973-1978: Três crises, uma longa recessão
A economia portuguesa vivia, há duas décadas, um período de expansão económica sem precedentes. A última crise tinha ocorrido em 1953 e, desde então, registava-se o maior ritmo de crescimento do PIB real per capita da história nacional. Durante este período, o país industrializara-se, deixara de ser a economia com elevado peso agrícola que a tinha marcado até meados do século XX e abrira-se ao comércio internacional. Embora ainda fosse, em 1973, um dos países mais pobres e mais fechados da Europa Ocidental, Portugal estava mais perto das outras nações naqueles dois indicadores.
As colónias portuguesas representavam 15% das exportações e 10% das importações de Portugal metropolitano em 1973. As guerras da independência de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique arrastaram-se no tempo. Em 1974, quando a guerra acabou, o contingente português destacado ultrapassava os 170 mil militares. As despesas militares associadas ao conflito alcançaram os 10% do PIB em 1969. Nesta época, havia uma pressão internacional contínua para que terminasse um dos últimos impérios coloniais europeus.
A década de 1960 e os primeiros anos da década de 1970 foram marcados pela emigração para algumas das economias mais desenvolvidas da Europa Ocidental. Em parte, porque a abertura da economia o permitiu, para escapar à guerra e também para fugir da repressão e da falta de liberdades individuais e políticas. É este país que vai, a partir de 1973, passar por grandes transformações, que se viriam a refletir numa longa recessão económica até 1978.
A recessão resultou da sucessão de três crises distintas, mas consecutivas e sobrepostas: os efeitos do aumento do preço do petróleo e da recessão mundial, que reduziu a emigração e as remessas dos emigrantes; a Revolução de 25 Abril de 1974 e a transição para a democracia que desencadearam, no imediato, instabilidade política e disrupção da atividade económica; e, finalmente, a acumulação de desequilíbrios externos que culminou numa crise da balança de pagamentos em 1977 e no recurso ao apoio do FMI em 1977-78.
Deveria esta recessão, que dura cinco anos, ser separada em duas, ou mesmo três recessões distintas? Há argumentos a favor e contra esta opção. Com base na sua análise, o Comité concluiu que é mais apropriado assumir apenas uma recessão. As três fases coincidem parcialmente, pelo que a economia nunca alcançou uma cava seguida de um período de expansão de pelo menos um ano, que permitisse decretar o fim da recessão anterior.
Índice, PIB per capita segundo diversas séries da população residente
Em outubro de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo restringiu o fornecimento de petróleo ao mundo ocidental. Portugal, por ter permitido o uso da base das Lajes durante a guerra do Yom Kippur, foi um dos países diretamente afetados.
Três quartos da energia primária do país tinha como fonte o petróleo, pelo que o embargo causou corridas e filas nas bombas de gasolina.
A economia mundial entrou em recessão quase de imediato, sofrendo o impacto do aumento dos preços da energia, mas também de um aumento no preço de outras matérias-primas, devido ao fenómeno El Niño que afetou a produção mundial.
Portugal sofreu com a contração das exportações, assim como com a deterioração dos termos de troca.
As políticas macroeconómicas nacionais reagiram de forma passiva ou mesmo pró-cíclica, ampliando os efeitos da crise.
Do lado da política monetária, houve uma subida das taxas de juro no final de 1973, com o objetivo de travar a inflação que tinha acompanhado uma expansão de crédito e da massa monetária, assim como um boom na bolsa durante esse ano. A política orçamental não respondeu ao choque petrolífero; o financiamento das despesas bélicas nas várias frentes da Guerra Colonial fazia-se à custa da contração no investimento público e da emissão de dívida pública interna. O governo não alterava os impostos há anos e o volume confortável de divisas externas permitiu que, apesar do impacto do choque petrolífero, não houvesse, inicialmente, risco de uma crise na balança de pagamentos.
A Revolução de Abril de 1974 trouxe enormes mudanças nas estruturas políticas, sociais e económicas do país.
Entre abril de 1974 e fevereiro de 1975, para além da instabilidade e da indefinição política e económica, houve um acréscimo elevado das despesas públicas. Em 1974, registaram-se 80 mil admissões de funcionários públicos, sobretudo vindos das ex-colónias. O aumento da despesa com salários da administração pública criou pressão sobre as contas públicas, e os défices públicos elevados foram monetizados, levando a inflação a disparar para 37% em 1974.
No setor privado, o Estado interveio em várias empresas em dificuldades, nomeando administrações e concedendo crédito público. Em maio de 1974, foi instituído um salário mínimo nacional e, até ao final do ano, foram criadas várias prestações sociais e dificultados os despedimentos. O governo aumentou o salário mínimo nominal em 20% em 1975, ao mesmo tempo que impôs controlos administrativos de preços, levando, assim, a uma redução brusca dos lucros das empresas. Em resposta à fuga de capitais para o exterior, foi imposta uma limitação aos levantamentos de dinheiro e o Escudo deixou de ser livremente convertível no exterior em maio de 1975.
Num segundo período, que vai de março a novembro de 1975 (o chamado Verão Quente), a incerteza económica aumentou. Quase toda a banca e os seguros foram nacionalizados, setores esses que representavam 10% do PIB português. Na indústria, foram nacionalizadas unidades fabris e outras empresas numa magnitude que se estima ter colocado entre 15% e 24% do PIB no setor empresarial do Estado em 1978. Por fim, mais de um milhão de hectares foram ocupados por trabalhadores agrícolas e populares, sobretudo no Sul do país. As terras foram coletivizadas, embora muitas tenham sido devolvidas à propriedade privada em 1976 depois de colapsos na produção.
Para além da instabilidade política e monetária, este período foi marcado por um choque demográfico. A emigração, que tinha sido uma constante da década anterior, subitamente parou. Em 1974 e 1975, militares e civis das ex-colónias foram transportados para Portugal, na sequência do processo de descolonização. A integração de toda esta população no setor produtivo não foi fácil, sobretudo tendo em conta a instabilidade no setor empresarial.
Taxa de Desemprego
O aumento rápido da população activa residente não foi acomodado pelo mercado de trabalho, numa altura de forte instabilidade política e social. O desemprego disparou.
Entre novembro de 1975 e julho de 1976 houve uma clarificação do regime político do país na direção da consolidação da democracia. As primeiras eleições legislativas realizaram-se em abril de 1976. Até ao fim do ano, iniciou-se o processo de reversão das nacionalizações indiretas e foi apresentado um plano de investimento público. Estas mudanças reforçaram os défices orçamentais, parcialmente financiados pelo banco central.
O expansionismo orçamental e monetário de 1973 a 1976 colocou enorme pressão sobre a balança de pagamentos de Portugal, esgotando as reservas externas. Ao mesmo tempo, a instabilidade política travou o financiamento externo.
Depois de ter obtido linhas de crédito do Banco Europeu de Investimento e do Tesouro americano em 1976 e de estas se terem revelado insuficientes, o país recorreu ao FMI para um resgate de 750 milhões de dólares, emprestados por um grupo de países ocidentais, em abril de 1977. O programa levou Portugal a adotar medidas drásticas de austeridade entre 1977 e 1978, incluindo limites quantitativos ao crédito, mas também a desvalorização do Escudo para restaurar a competitividade.
Preços disparam e moeda perde valor
Inflação e taxa de câmbio