Timor-Leste traz uma nova complicação à competição entre os EUA e a China
Este artigo foi originalmente publicado na «Foreign Policy», dias antes da adesão de Timor-Leste à ASEAN, em 26 de outubro.
A democracia mais livre do Sudeste Asiático vai aderir à ASEAN, o que pode alterar o equilíbrio de poder no seu seio.
A menos que haja uma grande surpresa, na próxima cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), agendada para este mês, Timor-Leste vai aderir à organização, tornando-se o seu 11.º Estado-membro. Com a adesão à ASEAN e o consequente aprofundamento da sua integração regional, Timor-Leste irá obter vantagens diplomáticas e económicas significativas. Por outro lado, o país passará a ter maior interesse para os Estados Unidos e a China, que irão ponderar sobre o modo como isso poderá influenciar as respetivas estratégias de contenção mútua no Sudeste Asiático.
Embora não haja propriamente votações maioritárias pelos membros da ASEAN, todas as decisões são tomadas por consenso. Ainda assim, a entrada de Timor-Leste – a única democracia plena da região e um acérrimo defensor do direito internacional – na organização pode contribuir para uma diferente orientação da ASEAN, distanciando-a um pouco de uma China autoritária e empenhada em alterar a ordem regional. Pode também trazer algumas vantagens estratégicas para Washington. Desde logo, Díli está em linha com os países que pretendem manter o Indo-Pacífico «livre e aberto», face às táticas cada vez mais agressivas de Pequim, especialmente no Mar do Sul da China.
O presidente timorense José Ramos-Horta, laureado com o Prémio Nobel da Paz, por exemplo, afirmou, em maio de 2025, numa conferência sobre direito internacional e segurança marítima, que para o seu país «o direito internacional não é apenas um conceito abstrato. É no direito internacional que se alicerça a nossa independência».
De facto, depois de mais de duas décadas de ocupação indonésia, que se seguiu à declaração de independência em 1975, o processo de libertação de Timor-Leste – a metade oriental da ilha de Timor, hoje com 1,4 milhões de habitantes – foi liderado pelas Nações Unidas.
Para além da questão do Mar do Sul da China, Timor-Leste mantém relações intensas com os EUA e com os seus aliados e parceiros regionais. Em julho de 2025, por exemplo, Ramos-Horta elogiou as relações de Díli com Washington. Por outro lado, os países da ASEAN que são mais próximos dos EUA – Indonésia, Filipinas, Singapura e Vietname – veem igualmente com bons olhos a adesão de Timor-Leste à organização, uma vez que ela permite reforçar a sua posição de longa data sobre a necessidade de se preservar uma ordem internacional assente no direito internacional.
Os Estados-membros da ASEAN onde vigoram regimes autoritários tendem a alinhar-se ideologicamente com a China; nesta categoria, incluem-se o Camboja, o Laos, Mianmar e, em grande medida, o Vietname. A adesão de Timor-Leste pode reforçar a influência da ala democrática da ASEAN, que inclui a Indonésia, a Malásia e as Filipinas, bem como os regimes híbridos de Singapura e da Tailândia.
Não se trata de uma questão trivial, tendo em conta que cinco dos dez atuais membros da ASEAN são, na minha perspetiva, regimes autoritários. Segundo a carta fundadora da ASEAN, no entanto, alcançar e manter a ordem democrática é uma das principais prioridades da organização: o artigo 1.º obriga a ASEAN a promover e proteger «os direitos humanos e as liberdades fundamentais» e a «reforçar a democracia», enquanto o artigo 2.º procura facilitar «a adesão ao Estado de direito, à boa governação e aos princípios da democracia e do governo constitucional».
Sendo o único país do Sudeste Asiático que a Freedom House classifica como totalmente livre, é provável que Timor-Leste se alinhe com os Estados Unidos e outras democracias no combate à disseminação do autoritarismo e da governação antiliberal nesta região. Quando, em 2023, a junta militar de Mianmar expulsou o embaixador de Timor-Leste, por exemplo, Díli reiterou a necessidade de repor a democracia naquele país.
No entanto, há vários obstáculos que podem mitigar as vantagens estratégicas que Washington possa obter através da adesão de Timor-Leste à ASEAN. Um desses obstáculos é o facto de a China ser o parceiro económico mais importante do país, nomeadamente através da Nova Rota da Seda, que disponibiliza investimento em projetos de infraestruturas de que os Estados pequenos e pobres, como Timor-Leste, tanto precisam. Em 2018, por exemplo, a fase inicial da construção da primeira autoestrada de Timor-Leste – a Autoestrada de Suai – foi concluída por empresas chinesas.
É também a China que leva a cabo a construção do Sistema de Irrigação de Watuwa/Modobuti, um grande projeto de infraestruturas agrícolas que, depois de concluído, em 2028, deverá duplicar o rendimento dos agricultores. A adesão de Timor-Leste à zona de comércio livre da ASEAN não terá provavelmente impacto algum na crescente influência económica que a China tem sobre a ilha.
Por outro lado, a adesão de Díli à ASEAN pode dificultar as tentativas, por parte dos Estados Unidos e dos seus parceiros, de tirar partido da posição geográfica favorável de Timor-Leste – entre a Indonésia e a Austrália – para os seus objetivos estratégicos. Antes da adesão de Timor-Leste à ASEAN, a Austrália, acreditando que Timor-Leste lhe daria maior profundidade estratégica relativamente à China, sobretudo ao criar um obstáculo ao acesso das forças militares chinesas à região de Darwin, procurou tirar partido dessa localização através do programa «Pacific Step-Up». Em 2022, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, declarou que o novo acordo de defesa entre os dois países abria caminho para uma maior cooperação em matéria de defesa e segurança, em particular no domínio marítimo.
Mesmo não sendo a ASEAN uma aliança de defesa, a adesão pode fazer com que Timor-Leste se torne mais relutante em estabelecer parcerias de segurança fora do bloco – nomeadamente com a Austrália e os Estados Unidos –, tendo em conta o não-alinhamento dos Estados-membros da ASEAN e o receio de que algumas iniciativas individuais de cada um deles possam comprometer a paz e a estabilidade na região.
Outra dificuldade tem origem, claramente, nos próprios Estados Unidos. Com a segunda administração Trump, muitas, senão a maioria, das componentes tradicionais da política externa dos EUA – como a defesa dos valores democráticos ou as iniciativas para conter o poder chinês – têm sido significativamente enfraquecidas ou mesmo abandonadas, inclusive por comparação com o primeiro mandato do presidente Donald Trump.
Notícias recentes sugerem que, na próxima Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, será atribuída prioridade à defesa do hemisfério ocidental, como parte de um plano de defesa alargada do território nacional dos EUA, e que a competição entre grandes potências com a China, embora se mantenha uma prioridade, poderá perder o seu papel dominante na orientação da política externa dos EUA liderados por Trump.
Apesar da recente ofensiva na guerra comercial entre os EUA e a China, Trump parece mais interessado em alcançar algum tipo de reaproximação a Pequim. No final de outubro, terá a oportunidade de o fazer, num encontro à margem da cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico, a realizar na Coreia do Sul, onde se espera que se reúna com o presidente chinês Xi Jinping. Caso Trump e Xi cheguem a acordo, é possível que se acelere o caminho para a criação de uma nova ordem mundial assente em esferas de influência lideradas por grandes potências. A ser assim, Washington deixará de encarar o Sudeste Asiático como uma grande prioridade, e o futuro alinhamento de Timor-Leste perderá relevância.
De facto, desde que a administração Trump tomou posse, não houve nenhuma menção à adesão de Díli à ASEAN por parte de nenhum alto funcionário, o que sugere que o assunto não está no radar norte-americano. Deste modo, é possível que a postura de Washington crie uma oportunidade estratégica para que Pequim reforce a sua influência na região da ASEAN, sem nenhuma oposição externa. Por seu lado, em 2024, a China manifestou o seu apoio à iminente adesão de Timor-Leste à ASEAN e, em 2023, elevou as relações bilaterais com Timor ao estatuto de «parceria estratégica abrangente».