
As democracias dos BRICS estão a perder influência
Em 2003, a Índia, o Brasil e a África do Sul criaram aquilo a que chamaram o Fórum de Diálogo IBAS. Esta iniciativa trilateral tinha por objetivo promover a cooperação Sul-Sul, reformar as estruturas mundiais de governação e amplificar as vozes das três democracias na cena internacional. Nos anos seguintes, os líderes dos países do IBAS organizaram cimeiras regulares destinadas a viabilizar a colaboração em vários setores.
No entanto, à medida que os BRICS — que inicialmente incluíam o Brasil, a Rússia, a Índia e a China — ganharam preeminência e acolheram a África do Sul em 2010, as atividades do IBAS perderam o seu ímpeto. Embora os ministros dos Negócios Estrangeiros do IBAS ainda organizem uma reunião anual à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, onde apelam regularmente à reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a relevância do grupo caiu a pique.
Atualmente, depois de mais de uma década de quase inatividade, há fortes razões para revitalizar o IBAS. São três os principais motivos pelos quais o relançamento do IBAS beneficiaria os países-membros e acrescentaria um novo elemento fundamental para a ordem mundial.
Em primeiro lugar, os BRICS sofreram alterações profundas nos últimos três anos. Há tensões entre os países do grupo devido à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022. Os BRICS também aumentaram o seu número de membros no ano passado.
No seu conjunto, estes fatores ameaçam reduzir a agilidade do grupo e a sua capacidade para enfrentar os desafios mundiais. Podem até reforçar o poder dos Estados-membros que pretendem transformar os BRICS num bloco liderado pela China, com vista a antagonizar o Ocidente. Os países do IBAS, em contrapartida, sempre favoreceram o multialinhamento, mas o seu espaço no BRICS tem vindo a diminuir.
Em segundo lugar, por entre a incerteza geopolítica causada pelo regresso de Donald Trump à presidência dos EUA — em que nem tudo são más notícias para os países do IBAS —, é preciso que a Índia, o Brasil e a África do Sul aprofundem os seus laços para além dos principais polos de poder.
Por último, os países do IBAS abrem caminho para uma importante e singular perspetiva no debate sobre como podemos superar os principais desafios que, em todo o mundo, são enfrentados pelas democracias em desenvolvimento. Embora a Índia, o Brasil e a África do Sul tenham uma grande visibilidade na cena mundial, a sua capacidade de influência sobre a agenda mundial aumentaria significativamente caso conseguissem assumir uma posição conjunta relativamente a determinadas questões.
Desde o início, o objetivo do IBAS consistiu em reforçar as potências emergentes do Sul Global.
O fórum foi criado na sequência das negociações entre Atal Bihari Vajpayee, primeiro-ministro indiano, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente brasileiro, e Thabo Mbeki, presidente sul-africano, ocorridas aquando da cimeira do G-8 de 2003 em Évian, França. Os três líderes foram convidados para a cimeira na qualidade de observadores, mas sentiram que o convite era em grande parte meramente simbólico.
«De que adianta ser convidado para a sobremesa no banquete dos poderosos?», ironizou Lula da Silva, ao comentar posteriormente o evento. «Não queremos participar só para comer a sobremesa; queremos comer o prato principal, a sobremesa e depois tomar o café.»
O fórum criou grupos de trabalho trilaterais centrados em áreas como a agricultura, o ambiente, a defesa e a energia, ao mesmo tempo que reforçou a colaboração entre os países através de reuniões ministeriais regulares e cimeiras presidenciais.
À medida que a dinâmica do poder mundial foi abandonando uma ordem liderada pelos EUA e assumindo os traços da multipolaridade, o IBAS esforçou-se por destacar a influência crescente das potências emergentes e a reduzida capacidade das instituições internacionais para refletirem a ascensão desses países.
A título de exemplo, na sua primeira declaração, em 2003, o grupo apelou à reorganização do Conselho de Segurança para incluir novos membros permanentes oriundos dos países em desenvolvimento. O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, que assumiu o cargo em 2004, descreveu o grupo como uma «poderosa força moral no mundo instável de hoje».
Mesmo antes da criação do IBAS, a Índia, o Brasil e a África do Sul já tinham colaborado para se debruçarem em conjunto sobre os aspetos restritivos do TRIPS, um acordo da Organização Mundial do Comércio sobre os direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio. Os seus esforços levaram à derrogação do TRIPS em 2003, o que permitiu às nações em desenvolvimento exportar medicamentos genéricos em contextos de emergência de saúde pública.
As suas iniciativas, nomeadamente a liderança na coligação G-21, um grupo de países em desenvolvimento, melhoraram significativamente, em todo o mundo, o acesso a medicamentos contra o VIH e a sida a preços comportáveis — sobretudo em África —, permitindo o fabrico local sem necessidade de consentimento por parte dos proprietários das patentes. O debate acerca da derrogação do Acordo TRIPS reassumiu preponderância durante a pandemia de COVID-19.
Partindo da noção de que a arquitetura económica e financeira internacional não servia os interesses das nações em desenvolvimento, os países do IBAS conseguiram aprofundar as suas relações bilaterais, até então escassas, e criar um fundo — embora diminuto — patrocinado pelos países do IBAS, além de terem iniciado exercícios navais conjuntos, num formato denominado IBSAMAR.
Para além disso, estas três potências médias criaram estratégias coordenadas para alargar a sua influência em instituições multilaterais como a ONU, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Envidaram esforços no sentido de alinhar as suas estratégias no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, reafirmaram o seu empenho em fazer cumprir os direitos humanos universais e emitiram declarações conjuntas sobre conflitos internacionais, nomeadamente sobre os recentes conflitos em Gaza e na Ucrânia.
No entanto, o entusiasmo e a atividade iniciais sofreram um forte revés em 2013, quando foi cancelada uma cimeira de líderes para a comemoração do 10.º aniversário do IBAS, agendada para Nova Deli.
Essa decisão deveu-se, em grande parte, ao facto de a presidente brasileira, Dilma Rousseff, ter optado por se centrar em questões de política interna, fator que foi agravado por uma forte vaga de protestos ocorrida no Brasil em junho desse ano. Lula, o seu antecessor, tinha uma postura internacional mais ativista.
Aquilo que mais contribuiu para tornar o IBAS irrelevante, porém, foi provavelmente a adesão da África do Sul ao BRICS em 2010 — fruto de esforços liderados pela China.
Era provavelmente do interesse de Pequim esvaziar uma plataforma do Sul Global da qual não fazia parte. Assim, embora o IBAS tenha precedido os BRICS e embora Manmohan Singh tenha expressado abertamente a sua preferência pelo IBAS em vez dos BRICS — «O IBAS tem uma personalidade própria. São três continentes separados, três democracias», declarou —, foram os BRICS que se tornaram a plataforma geopolítica mais importante do Sul Global.
O panorama geopolítico, que nos últimos tempos tem sofrido profundas alterações, gerou uma nova oportunidade para o ressurgimento do IBAS.
Embora os BRICS continuem a ser relevantes para as estratégias de política externa do Brasil, da Índia e da África do Sul, o grupo perdeu agilidade, tendo hoje uma utilidade reduzida. A guerra na Ucrânia e a deterioração dos laços entre a Rússia e o Ocidente criaram tensões crescentes entre a fação antiocidental dos BRICS, liderada pela Rússia e pela China, e uma fação mais moderada, empenhada em preservar os laços com o Ocidente, liderada pela Índia e pelo Brasil.
O alargamento dos BRICS em 2024 alterou a distribuição do poder. A Rússia e a China impulsionaram essa expansão, conseguindo acrescentar, como membros de pleno direito, o Egito, a Etiópia, o Irão, os Emirados Árabes Unidos e, mais tarde, a Indonésia.
Atualmente, há uma série de países ditos parceiros que podem igualmente participar em diversas atividades dos BRICS. Chegar a consensos num grupo tão amplo tornou-se muito mais difícil — o que, aliás, foi demonstrado na reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros realizada em abril de 2025, em que, pela primeira vez na sua história, os países dos BRICS não conseguiram aprovar uma declaração conjunta. O Egito e a Etiópia terão objetado à inclusão de expressões favoráveis à reforma do Conselho de Segurança, reforma essa que o Brasil, a Índia e a África do Sul se têm esforçado por promover.
Em algumas áreas, os interesses do IBAS divergem significativamente dos interesses dos restantes membros dos BRICS. Embora à Rússia, por exemplo, interesse avançar com alternativas ao dólar americano para contornar as sanções ocidentais, os decisores políticos dos países do IBAS estão pouco empenhados nessa questão, uma relutância potencialmente agravada pelas recentes ameaças de Trump, segundo o qual serão impostas taxas alfandegárias para punir qualquer país que adira a semelhante iniciativa.
Por outro lado, quando o grupo dos BRICS foi criado, a China ainda era considerada uma potência emergente, ao passo que hoje é já uma grande potência. Este desfasamento dificulta ainda mais a capacidade do grupo para falar em nome do Sul Global.
O relançamento do IBAS criaria uma plataforma adequada para promover os objetivos comuns dos países que o compõem, resgatando-os do pântano de negociações crescentemente intrincadas entre os países dos BRICS. Tendo em conta que no mundo atual é cada vez mais difícil firmar acordos em contextos multilaterais alargados, a criação de grupos minilaterais como o IBAS poder permitir uma cooperação profícua em diversas áreas, como a resolução de conflitos, a crise climática e a segurança marítima.
Enquanto a China e a Rússia procuram forçar os BRICS a assumirem uma posição mais antiocidental, o IBAS permite que os seus países-membros articularem uma estratégia multialinhada e preservem laços estreitos com o Ocidente. Recentemente, a Índia aproximou-se dos Estados Unidos e tem investido fortemente no Diálogo de Segurança Quadrilateral — um esforço bem mais relevante do que o país tem feito no contexto dos BRICS. O Brasil tem a expectativa de que a União Europeia ratifique um acordo comercial histórico com o Mercosul — o mercado comum sul-americano — e aprofundou a cooperação com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Em 2019, Washington descreveu o país como um «grande aliado não pertencente à NATO».
A existência de uma plataforma independente também permitiria que os governos do IBAS reforçassem o seu empenho em implementar reformas específicas, nomeadamente no Conselho de Segurança da ONU, às quais os outros membros dos BRICS são indiferentes ou se opõem ativamente. Ao mesmo tempo, a reativação do IBAS não implica que o Brasil, a Índia e a África do Sul se afastem dos BRICS. O IBAS seria simplesmente um instrumento adicional.
Quando os líderes do IBAS se reuniram na sua última cimeira oficial, em outubro de 2011, manter relações de amizade com todos os grandes atores mundiais era mais fácil do que é hoje. A Rússia ainda não tinha anexado a Crimeia e os laços entre os EUA e a China eram muito mais fortes do que agora. Nos anos seguintes, o mundo tornou-se mais instável, o que faz da diversificação estratégica uma opção fundamental. O regresso de Trump à Casa Branca acrescentou mais uma camada de imprevisibilidade. No entanto, por exemplo, a Índia e o Brasil poderiam desempenhar um papel importante de apoio à África do Sul, à medida que, sob a administração Trump, os laços deste país com os Estados Unidos se deterioram.
A crescente divergência entre a China e o Ocidente gera uma oportunidade única para os países do IBAS desenvolverem estratégias conjuntas que reforcem as suas relações com a Europa e com os Estados Unidos, o que é impossível no âmbito dos BRICS.
Por último, ao passo que antes do processo de alargamento as três democracias do IBAS formavam uma maioria entre os membros dos BRICS, hoje são uma minoria. A criação de uma plataforma independente para os países do IBAS permitiria que a Índia, o Brasil e a África do Sul identificassem denominadores comuns e progredissem relativamente a questões difíceis de debater no contexto dos BRICS, nomeadamente a polarização política, a desinformação e a regulamentação da internet.
O facto de as democracias terem cada vez menos espaço no seio dos BRICS tem expressão na decrescente relevância do Fórum Académico dos BRICS: outrora uma plataforma estimulante do ponto de vista intelectual, hoje oferece muito pouca margem para debater questões sensíveis ou discordar abertamente das políticas dos Estados-membros.
Resumindo, este fórum deixou, em larga medida, de funcionar como plataforma para debates realmente abertos. Através da criação de uma estrutura equivalente que acolhesse os académicos dos países do IBAS seria possível gerar um ambiente incomparavelmente mais livre, para que os países possam chegar a verdadeiras deliberações conjuntas.