
A China elegeu o seu novo modelo de empresário
A 15 de julho, cinco dos mais preeminentes empresários do setor privado da China sentaram-se lado a lado numa conferência de imprensa em Pequim organizada pelo Conselho de Estado, o órgão dirigente do Partido Comunista da China (PCC). Por sobre as suas cabeças, uma faixa ordenava-lhes que «levassem por diante o espírito empreendedor» e servissem como os «construtores por excelência do socialismo com características chinesas».
Um após outro, os empresários falaram de inovação, de responsabilidade social e da sua gratidão para com o Estado. As suas alocuções foram pontuadas por expressões como «amplas perspetivas», «grande potencial» e «é o momento certo» – marcas retóricas estreitamente ligadas ao discurso político da era de Xi Jinping. Ao analisarmos o portal oficial do governo da China, concluímos que a expressão «é o momento certo» tem ocorrido consistentemente nos comentários políticos desde 2014, enquanto «grande potencial» – expressão adotada com a entoação própria de Xi –, com um total de 79 utilizações, foi pronunciada 76 vezes desde que o presidente Xi tomou posse.
Num discurso proferido em fevereiro, Xi recorreu a estas três expressões para descrever o futuro da iniciativa privada. Longe de ser utilizada como mero clichê, esta linguagem serviu para sinalizar o alinhamento ideológico, lembrando ao público que o evento não pretendia apenas divulgar o sucesso empresarial, mas também demonstrar a adequação política dos empresários.
A retórica dos cinco empresários escolhidos foi incrivelmente consistente. Todos eles se referiram ao dever, ao serviço e à gratidão enquanto obrigações cívicas sob a liderança do PCC. Cabia-lhes zelar pelo cumprimento das aspirações económicas e políticas do Estado.
A escolha destes cinco empresários e as narrativas por eles apresentadas corresponderam a bem mais do que um mero esforço para tranquilizar um setor privado cauteloso. O evento serviu para transmitir uma lição discreta sobre as qualidades do empreendedorismo que Pequim passou a valorizar: ambição moderada pela disciplina, engenho posto ao serviço da nação e sucesso comercial mantido dentro dos limites invisíveis da aceitabilidade política.
A inclusão da Unitree Robotics e da Galactic Energy – que representam, respetivamente, a robótica e a indústria aeroespacial – deu destaque a dois dos dez setores prioritários identificados no «Made in China 2025», um plano industrial estratégico do PCC. Introduzido em 2015, este plano reflete uma ambição de Pequim: reduzir a dependência da tecnologia estrangeira e alcançar a liderança mundial em indústrias estratégicas de alta tecnologia.
A participação destas duas empresas sugere que o PCC continua a encarar estes setores não só como motores de inovação, mas também como pilares do poderio nacional.
A Unitree Robotics, que vende robôs a preços muito inferiores aos das empresas ocidentais, detém atualmente mais de 60% do mercado mundial. Tornou-se o exemplo perfeito para alimentar a narrativa do PCC: a inovação promovida na China permite não só recuperar do atraso, como também ultrapassar os concorrentes estrangeiros.
A Galactic Energy, uma empresa privada de lançamentos espaciais, foi cofundada por antigos funcionários da China Aerospace Science and Technology Corporation, uma companhia estatal. Liu Baiqi, cofundador e CEO da empresa, afirmou que a fundação da Galactic Energy, em 2018, beneficiou do estímulo da campanha governamental popularizada pelo slogan «empreendedorismo e inovação em massa» e que o seu modelo de negócio é consonante com a crescente necessidade, por parte da China, de lançar dezenas de milhares de satélites. A empresa é apresentada não tanto como uma start-up privada, mas sobretudo como um parceiro patriótico empenhado na concretização das ambições espaciais do país.
Há outras empresas que também refletem as atuais prioridades políticas de Pequim.
O Grupo Erdos, o maior produtor de caxemira da China, foi lançado em 1979, no início da era reformista. Expandiu-se rapidamente e resistiu às aquisições estrangeiras durante a chamada «guerra da caxemira», tornando-se um símbolo da independência da cadeia de abastecimento, que o governo pretende garantir. Hoje, a Erdos adotou a sustentabilidade como princípio estrutural, em linha com o objetivo nacional de promover um desenvolvimento mais ecológico e de maior qualidade.
O Shandong Weiqiao Group é outro exemplo dessa mudança rumo a uma indústria mais ecológica. Outrora essencialmente um fabricante de têxteis, hoje também produz alumínio – uma parte importante do volume de negócios – e transferiu essa indústria tradicionalmente poluente para Yunnan, onde a energia hidroelétrica é abundante.
O Jointown Pharmaceutical Group, um dos maiores distribuidores de medicamentos da China, alargou as suas operações às zonas rurais, com vista a melhorar o acesso aos cuidados de saúde em regiões deficitárias. Liu Changyun, CEO da empresa, associa frequentemente essa estratégia ao facto de ele próprio ter crescido no mundo rural e de, por isso, ter sido desde cedo exposto às disparidades entre as regiões urbanas e rurais.
O posicionamento da Jointown coincide com várias campanhas oficiais, como a campanha para a «revitalização rural», e, de forma mais abrangente, com as tradicionais preocupações do PCC acerca da desigualdade. Embora o slogan «prosperidade comum» tenha desaparecido da maioria dos comunicados oficiais – provavelmente devido ao impacto negativo que teve sobre a atitude do setor privado –, mantém-se a lógica económica subjacente. O enfoque na redistribuição, na equidade social e na prestação de serviços públicos, em especial nas zonas rurais, ainda é preponderante na abordagem do Estado à governação económica.
O facto de Pequim ter sentido necessidade de organizar um evento deste tipo diz muito sobre a etapa em que o país se encontra. Após anos de restrições regulamentares, de alterações nas medidas políticas e de inconsistência na aplicação das leis a nível local, a confiança entre os empresários privados diminuiu. O crescimento económico abrandou, o desemprego aumentou e o setor público já não tem capacidade para gerar a inovação, o dinamismo ou o emprego de que a China precisa para concretizar as suas ambições.
A conferência de imprensa de julho reconheceu tacitamente essa realidade, admitindo que a vitalidade do setor privado continua a ser indispensável não apenas para alcançar progressos significativos em domínios como a inteligência artificial ou a biotecnologia, mas também para expandir as novas tecnologias, revitalizar a indústria e manter a capacidade de subsistência.
Esta tensão está no cerne da situação difícil que se vive no setor privado chinês. A noção de empreendedorismo de Pequim não se encaixa facilmente nas características que os mercados modernos mais valorizam: assumir riscos, independência e inovação incessante. Na China, crescer demais, ficar muito rico ou inovar de forma a perturbar os interesses estabelecidos ainda pode levantar suspeitas.
Por exemplo, em 2020, depois de o fundador do Alibaba, Jack Ma, ter acusado publicamente o sistema regulatório financeiro chinês de sufocar a inovação, os reguladores chineses interromperam abruptamente a oferta pública inicial (OPI) do Ant Group – empresa de tecnologia financeira afiliada do Alibaba, que estava prestes a lançar a maior oferta pública do mundo –, alegando eventuais violações das regras antimonopolistas e risco financeiro.
Muitos empresários, sobretudo aqueles que não são alvo de atenção política, lembram-se bem das campanhas antimonopolistas lançadas contra o setor tecnológico, da devastação do setor da educação privada, dos confinamentos arbitrários para erradicar a COVID-19 e do comportamento rentista dos funcionários locais.
Para muitos empresários, especialmente aqueles que não gozam de forte apoio político, os cinco casos apresentados em julho tanto servem como um sinal de que as empresas privadas, com o apoio do Estado, ainda podem ter sucesso, como para lembrar que esse sucesso muitas vezes depende mais do alinhamento com o pensamento em vigor no PCC e com as suas inconstantes prioridades económicas do que da capacidade para lidar com um conjunto de normas estáveis ou transparentes.
Os responsáveis políticos têm procurado mostrar uma maior disposição para aceitar riscos no setor privado, mas não estão dispostos a abandonar o controlo. Em fevereiro, Xi convocou uma reunião invulgar com os maiores empresários privados, para a qual Ma também foi convidado, sinalizando uma mudança em relação às habituais restrições regulamentares e reafirmando a confiança no modelo económico e no potencial do mercado chinês. Desde então, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma prometeu conceder um apoio mais forte às empresas privadas, incentivando o seu envolvimento nas prioridades estratégicas nacionais.
Em abril, a China aprovou a sua primeira lei geral de promoção do setor privado. Assinalando uma mudança histórica, esta lei visa recuperar a confiança dos empresários, definindo claramente o estatuto jurídico das empresas privadas e reafirmando o seu papel como prioridade nacional de longo prazo. A lei combate os desequilíbrios sistémicos que favoreciam as empresas estatais, exigindo concorrência leal, proibindo a aplicação seletiva da lei e procurando erradicar o protecionismo local e os monopólios.
Esta legislação pretende ainda pôr cobro a algumas práticas preocupantes, como a «instauração de processos contra empresários fora da sua jurisdição», fenómeno também conhecido como «long-arm fishing» («pesca de cana longa», numa tradução literal). Trata-se de casos em que a polícia local extravasa as suas fronteiras jurisdicionais, entrando noutras províncias para fazer rusgas em empresas privadas, muitas vezes invocando fundamentos jurídicos questionáveis para apreender bens e arrecadar receitas para governos locais em dificuldades financeiras. De acordo com um relatório, desde 2023, mais de 10 000 empresários foram detidos na cidade de Guangzhou por forças policiais de outras províncias.
Todas estas medidas para incentivar o setor privado têm gerado um ceticismo geral entre os investidores estrangeiros, o que se traduz em números: de acordo com o Ministério do Comércio, o investimento estrangeiro direto na China caiu 15,2% no primeiro semestre de 2025, por comparação com o mesmo período do ano anterior. Aos olhos dos estrangeiros, o governo chinês exalta a iniciativa privada, mas exige lealdade política inabalável; o mercado nacional promete oportunidades extraordinárias, mas preserva as suas normas inescrutáveis. Os slogans que anunciam «amplas perspetivas» e que «é o momento certo» são insuficientes para afastar a profunda inquietação perante a imprevisibilidade e o controlo estatal.
As empresas estrangeiras com atividade na China enfrentam uma pressão crescente para esclarecerem o seu posicionamento. Pequim espera que elas se alinhem com os seus objetivos de desenvolvimento, enquanto Washington analisa com crescente minúcia as suas ligações à China.
Além disso, essas empresas correm o risco de reforçar a capacidade dos concorrentes chineses. A tecnologia e o know-how estrangeiros têm sido sistematicamente incorporados e melhorados pelas empresas chinesas, que, uma vez em condições para isso, fazem frente aos seus parceiros estrangeiros, como aconteceu com a BYD perante a Tesla e a Huawei perante a Apple. Entretanto, o ambiente político da China mantém-se extremamente imprevisível, havendo decisões que são bruscamente alteradas e leis que, a nível local, ora são executadas esporadicamente, ora com excesso de zelo.
A conferência de julho teve por finalidade dissipar estas preocupações. No entanto, apesar de toda a encenação, não logrou fornecer a clareza jurídica e a reforma institucional de que os empresários e os investidores tanto precisam. Para desbloquear completamente o potencial do setor privado, Pequim não se pode limitar à encenação de eventos. O verdadeiro teste à mudança implica que os empresários com menos ligação política ao governo consigam ter sucesso, que as regulamentações se tornem mais transparentes e consistentes e que as medidas políticas comecem de facto a privilegiar a verdadeira inovação e eficiência, em detrimento dos rituais de submissão política.