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Imagem de um avião a aterrar numa pista de aeroporto

«O aeroporto de Alcochete potenciará novas rotas e atrairá novos operadores»

O futuro aeroporto de Alcochete terá duas pistas autónomas, possibilitará voos noturnos e vai acabar com o transporte em autocarros de passageiros, que desembarcarão diretamente no terminal, diz Carlos Matias Ramos. Nesta entrevista, o antigo presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros, garante que todas as previsões apontam para um aumento sustentado de pessoas a chegar a Lisboa e desfaz dúvidas sobre o definhar da aviação.
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Desde sempre defendeu a construção do novo Aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, onde agora o Governo decidiu mesmo avançar. O que é que este local tem de diferente de todos os outros?

Há várias variáveis que entram em jogo. São os chamados fatores críticos, desde o espaço aéreo à disponibilidade de expansão do aeroporto em função das necessidades efetivas, permitindo diferir investimentos ao longo do tempo. Há a questão da segurança operacional, o desenvolvimento económico e social. Todos foram analisados com estudos que conduziram a que eu tomasse a posição que tomo, defendendo-a do ponto de vista técnico. Há, aliás, um relatório do LNEC, de 2008, em que se comparou a opção Ota e a de Alcochete. Nessa altura eu era presidente do LNEC e tive o privilégio de conduzir todo o processo. Alcochete já foi estudada em detalhe. Os outros lugares possíveis são todos piores.

 

Que tipo de aeroporto vai ser o de Alcochete? Há um aeroporto no mundo que seja parecido com este?

Não há duas casas exatamente iguais, também não há dois aeroportos iguais. Este irá dispor de duas pistas longas, paralelas e afastadas, possibilitando uma operação independente de cada pista, com um terminal central. É um aeroporto que tem este centro em estrela e que permite a utilização separada e individualizada das pistas. Portanto, são dois aeroportos em termos de operação. O número de pistas é crucial, por razões operacionais e de segurança, tendo todos os hubs europeus duas ou mais pistas. Por se localizar fora de zonas urbanas e em áreas de baixa densidade populacional, permite o recurso a voos noturnos. E há outra característica: o embarque e desembarque de passageiros é feito diretamente no terminal, tornando raras e a evitar viagens de autocarro no interior do aeroporto. 

 

Ou seja, ao contrário do Aeroporto da Portela não haverá autocarros de transporte de passageiros para os aviões?

O layout do projeto do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete define um terminal entre pistas, em que os aviões convergem sob a forma de «nose-in», entrando os passageiros, nas chegadas, diretamente no terminal e, nas partidas, do terminal diretamente para o avião. Suprime os autocarros que fazem as ligações entre o terminal e os aviões estacionados em zonas afastadas, como acontece frequentemente no Aeroporto Humberto Delgado. Ao eliminar a circulação de autocarros suprime igualmente os veículos que transportam, de e para os aviões, bagagens e outras mercadorias. Os tempos de circulação de passageiros e bagagens serão substancialmente reduzidos.

O futuro Aeroporto de Alcochete tem este centro em estrela, permitindo a utilização separada das pistas. Portanto, são dois aeroportos em termos de operação.
Antigo presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil

Que desenvolvimento é que acha que o novo aeroporto vai proporcionar?

Vai contribuir para acelerar a recuperação de áreas industriais desocupadas nos concelhos da Península de Setúbal que mais sofreram com a desindustrialização. 

Face aos dados disponíveis, o crescimento robusto e sustentado da nossa economia requer uma Área Metropolitana de Lisboa (AML) competitiva. O crescimento da AML arrasta o crescimento das restantes regiões.

 

Há ideia dos valores de crescimento que podem estar em causa?

A AML concentra uma parte significativa dos ativos e do capital humano, representando cerca de 36% do PIB de Portugal. E, de acordo com um relatório da Airports Council International (ACI), de 2023, um aumento da conectividade aérea de 10% induz, no caso europeu, um acréscimo do PIB de 0,5%. E o novo aeroporto em Alcochete potencia um acréscimo dessa conectividade.

 

E terá impacto a nível de postos de trabalho.

O aeroporto é sempre um indutor de emprego direto e indireto. Um milhão de passageiros transportados por ano cria entre 900 e 1000 empregos.

 

Quanto tempo acha que irá demorar a construir o novo aeroporto? 

O projeto de 2010, desenvolvido pela ANA/NAER com a participação de consultores internacionais, estabeleceu um período de construção de cinco anos. Mas, por exemplo, o aeroporto de Istambul, que recentemente iniciou a sua exploração, sendo dimensionado para 90 milhões de passageiros por ano, foi construído num tempo recorde inferior a cinco anos. Eu estimo que demore seis anos, cinco para construir e mais um para certificar.

 

Que obras públicas, como estradas e pontes, terão de ser desenvolvidas por causa do aeroporto?  

No que se refere à acessibilidade rodoviária, o acesso principal de passageiros ao aeroporto de Alcochete com origem em Lisboa poderá efetuar-se a partir de uma nova autoestrada a construir entre dois nós fechados: um na A12 e outro na A13. A ligação poderá processar-se pela A12 e através dela a ligação à Ponte Vasco da Gama. Esta nova autoestrada poderá ser concessionada, em modelo de conceção e construção, sendo a sua utilização com portagens. Os custos serão suportados pela concessionária. No cenário estabelecido no relatório da Comissão Técnica Independente correspondente à construção de uma pista em Alcochete, funcionando inicialmente como aeroporto complementar ao da Portela, esta ligação poderá ser suficiente para a acessibilidade ao novo aeroporto.  

 

E no cenário de Alcochete funcionar como aeroporto único?

Nesse caso é determinante a ligação ferroviária. De acordo com o Plano Ferroviário Nacional, o investimento com maior impacto positivo nas ligações de Lisboa ao Alentejo e Algarve é a construção de uma nova travessia ferroviária do Tejo em Lisboa. 

Um milhão de passageiros transportados por ano cria entre 900 e 1000 empregos.
Antigo presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil

O novo aeroporto vai fomentar a criação de novas rotas?

Como vai deixar de ter os condicionamentos atuais de saturação, potenciará a criação de novas rotas para a TAP e a atração de novos operadores que neste momento não conseguem ter slots no Aeroporto Humberto Delgado. As evoluções da economia mundial, com emergência de países como a China e a Índia, levam a considerar a necessidade de maior aposta nas ligações de longo curso Este-Oeste e não apenas Norte-Sul. 

 

Faz sentido apostar num aeroporto tão grande quando há quem defenda que os aviões serão cada vez menos usados? 

A resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2024 salienta que, com as reservas sempre necessárias em projeções, as estimativas apontam para um crescimento sustentado do tráfego de passageiros em Lisboa. Tomando como base a International Air Transport Association, a Eurocontrol, a Altitude e a International Civil Aviation Organization, este crescimento, para o cenário base, atingirá o valor de 0,9 % a 2,7 % entre 2025 e 2040.

 

Corresponde a um aumento de quantos passageiros?

Cerca de 37,8 a 49,2 milhões de passageiros em 2040 e, nos cenários mais otimistas, os valores de 1,6 % a 3,1 %. Ou seja, cerca de 42 a 52,1 milhões de passageiros em 2040. Além disso, a Organização da Associação Civil Internacional estima um crescimento médio na Europa do tráfego, até 2050, de 3,1% ao ano e de 2,4% para o tráfego de mercadorias. Aliás, em agosto de 2023 foi registado no Aeroporto Humberto Delgado um aumento do número de passageiros de 5,37% em comparação com o mesmo mês de 2019, que foi o ano imediatamente anterior à pandemia. Estas percentagens são por si só elucidativas, desfazendo as dúvidas lançadas sobre o futuro do transporte aéreo. É uma verdadeira fantasia andarem por aí a dizer que a aviação vai definhar ou morrer.

 

Mas a poluição não pode ser um problema? 

O transporte aéreo é responsável por cerca de 2% do total de emissões de CO2. A melhoria da eficiência energética e a descarbonização são possíveis com novas tecnologias, sendo um dos objetivos do setor aeronáutico. Desde 2021 que o setor europeu da aviação se tem posicionado com vista a satisfazer as disposições do Acordo de Paris e dos objetivos climáticos da UE, tendo como meta a redução gradual das emissões brutas de carbono na aviação, com o objetivo de alcançar emissões de carbono nulas a longo prazo, até 2050.  Estão muitas investigações em curso.

 

Que investigações estão a ser feitas para melhorar a questão da poluição? 

Uma das apostas da investigação está centrada no desenvolvimento do designado «Combustível Sustentado na Aviação», que é considerado como uma solução promissora na redução das emissões de carbono. Trata-se de um biocombustível que produz menos emissões que o combustível tradicional. As investigações demonstram que o hidrogénio desempenhará um papel crucial nas futuras soluções tecnológicas capazes de contribuir para a descarbonização da aviação civil e para a redução das emissões.

 

Mas essa solução não implica um investimento muito elevado?

Trata-se de uma solução que impõe, de facto, elevados investimentos nos aeroportos, implicando grandes reservatórios que permitam armazenar um volume muito maior em comparação com os dos atuais combustíveis. 

Serão igualmente necessários muitos desenvolvimentos na área da investigação das aeronaves para poderem utilizar este combustível. Isto é, usar o hidrogénio pode ser complicado porque obriga a zonas de grandes depósitos em terra e os aviões terão de ter outra configuração para terem depósitos muito maiores dos que têm.

 

Mas os aviões elétricos são uma das soluções?

Fala-se muito do desenvolvimento promissor que é a propulsão elétrica. A sua aplicação está ainda condicionada pela autonomia de voo e pela dimensão das aeronaves que, na fase do desenvolvimento atual conhecido, só poderão transportar até cerca de 30 passageiros. 

 

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