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Imagem de um homem, em cima de uma nuvem, a espreitar por um telescópio

O dia em que acordei em 2050

O futuro é hoje. O jornalista Ricardo Garcia levou a expressão à letra e nesta crónica imagina-se em 2050, com 88 anos, quando os idosos serão já um terço dos portugueses. Para assinalar o Dia Mundial da População, mostra-nos um dia-a-dia novo, baseado nas projeções das Nações Unidas e do Instituto Nacional de Estatística.
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Já tenho 88 anos, quem diria. Calma, não estranhem. Vocês ainda estão em 2023, mas hoje eu acordei em 2050.

Quem me acordou foi o robô. Ele faz tudo: cuida da casa, traz-me os medicamentos, mede-me a tensão, conversa comigo. Combinámos uma sessão de dança às quartas, depois do jantar. A minha mulher até está com ciúmes.

Custou-me os olhos da cara, mas valeu a pena. Vocês não imaginam a dificuldade que é encontrar alguém que nos ajude. Há uma falta de gente para trabalhar, que nem vos conto. Entre 2023 e 2050, a população ativa, entre os 15 e os 64 anos, diminuiu em 1,5 milhões de pessoas em Portugal. Mas há quase um milhão de idosos a mais.

Investi também num apartamento novo. Tem janelas amplas e baixas, para quem está sentado, há espaço suficiente para uma cadeira de rodas circular à vontade, a cozinha tem bancadas e armários acessíveis. Tudo isso e mais alguma coisa está regulamentado, agora que uma em cada três pessoas em Portugal tem 65 ou mais anos.

Nota-se quando saio à rua. Alias, a rua está diferente. As cidades tiveram de se adaptar. Os passeios foram alargados e melhorados. Há mais bancos e casas de banho públicas. Os semáforos dão mais tempo aos peões para atravessarem. Há mais lugares prioritários nos autocarros.

As cidades tiveram de se adaptar a uma população envelhecida. Os passeios foram alargados e melhorados. Há mais bancos e casas de banho públicas. Os semáforos dão mais tempo aos peões para atravessarem. Há mais lugares prioritários nos autocarros.

O que não se aguenta é o calor. Vocês achavam que isto do aquecimento global era brincadeira? Esperem para ver.

Pelo menos, no ginásio há ar condicionado. Sim, vou ao ginásio, a uma aula para superidosos que ainda mexem. Está cheio de malta como eu. E é quase tudo mulheres, o que não é de espantar: acima dos 85 anos, há quase duas mulheres para cada homem no país. Ah, se fosse aos 20…

Somos quase 800 mil com mais de 85, o dobro do que havia no país em 2023. Os centenários, então, quintuplicaram, de dois mil para 10 mil. Vender velas de aniversário nunca foi tão bom negócio.

É hora do almoço, vou à tasca. Muito se falou, no passado, de que não haveria alimentos suficientes para tanta gente no mundo. Chegámos aos 8 mil milhões de pessoas em 2023 e agora já vamos com 9,7 mil milhões. Mas a escalada arrefeceu e consta que, mais para o final do século, a população mundial começará a cair.

Isso não é consolo para o continente africano, onde o número de habitantes inchou em 70%. A Nigéria é hoje o terceiro país mais populoso do mundo. Nunca vi tantas notícias sobre imigrantes a arriscar tudo para conseguir uma vida melhor.

Em Portugal, somos agora quase 800 mil com mais de 85, o dobro do que havia no país em 2023. Os centenários, então, quintuplicaram, de dois mil para 10 mil. Vender velas de aniversário nunca foi tão bom negócio.

Na Europa, ao contrário, a população encolheu. Houve países que perderam um quinto dos seus habitantes, como a Bulgária, Lituânia, Letónia e Sérvia.

Cá em Portugal, somos hoje 9,6 milhões de almas – quase 800 mil a menos do que em 2023. Se não fosse o efeito da imigração – que trouxe ao país pessoas em idades de terem filhos – seríamos 8,9 milhões. Na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve, a população até aumentou um bocadinho. Mas em todas as outras regiões do Continente, diminuiu 13%.

Sempre se dizia que o aumento da população era um problema. Mas a redução também é. Esperem só para ver a crise nas pensões que vão encontrar quando chegarem a 2050. No vosso tempo, por cada 10 idosos havia 27 pessoas em idade ativa contribuindo para a segurança social – e já era pouco. Agora há apenas 15. A idade da reforma aumentou, o valor das pensões baixou e os encargos com a Segurança Social são um absurdo.

Não é à toa que vejo tanta gente de cabelo branco ainda a trabalhar, como este senhor que me atendeu na caixa do supermercado. Vim comprar leite e agora vou para casa, jogar uma partida de xadrez com o robô. Mas não me vou demorar. Quero ir cedo para a cama, pois amanhã não sei em que ano vou acordar.

 

Nota: Os cenários desta crónica baseiam-se em dados do Instituto Nacional de Estatísicas (Projeções da população residente 2016-2080) e da Divisão de População das Nações Unidas (World Population Review 2022)

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