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Imagem do Chiado em 1974

Portugal: o que nos une e separa de outras democracias

Portugal é, em grande medida, uma democracia como muitas outras. Mas tem também aspetos que a diferenciam das de outros países ocidentais. O que nos torna únicos? Leia este artigo do cientista político Pedro Magalhães, cocoordenador do livro «O Essencial da Política Portuguesa».
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Como país enfrentamos hoje os mesmos desafios estruturais de boa parte das sociedades mais avançadas do mundo. É o caso da desindustrialização, da integração num mundo economicamente globalizado ou do envelhecimento da sua população.

Temos um estado providência que cresceu e se consolidou até ao início do século XXI, mas que vive hoje, tal como muitos outros, sob pressão de contenção de custos na área da saúde, da segurança social, da assistência à terceira idade e à infância.

O nosso sistema semipresidencial é também o sistema de governo mais comum entre as democracias europeias. E como em muitas outras democracias, temos um parlamento que teve de se adaptar à crescente centralidade do executivo e do primeiro-ministro, assim como aos processos de europeização das políticas públicas e de judicialização da política.

Finalmente, temos padrões de participação política que não nos afastam dos de outras democracias europeias: um declínio da participação eleitoral — apesar do que sucedeu na eleição legislativa mais recente —, que é acompanhado pelo aumento de outras formas de mobilização, protesto ou participação política dita não-convencional

Mas também há aspetos que nos distinguem da maioria das democracias. Um deles é o ritmo acelerado de envelhecimento da população, que tem desertificado o interior.

O interior rural português é a zona da Europa Ocidental que sofreu o maior declínio populacional desde o início do século XXI. Num recente relatório do INE, baseado nos resultados do Censos 2021, eram divulgados dois números que devemos reter. O primeiro é que apenas 16% dos municípios tiveram um crescimento de população entre 2011 e 2021, maioritariamente na Área Metropolitana de Lisboa e no Algarve. O segundo, é que as áreas predominantemente rurais perderam 11,3% da sua população nesta década. Um declínio populacional do interior rural muito grande em termos comparativos, e que se encontra em aceleração.

E tudo isto ocorre num país que, ao mesmo tempo, permanece singularmente centralizado do ponto de vista comparativo. Aliás, o estado português é um dos que mais resistiu às tendências de descentralização política e fiscal que foram seguidas nos países europeus com os quais nos comparamos. Um país que praticamente não tocou na sua organização territorial, onde a desproporção entre as competências locais e centrais é quase única no contexto europeu, onde a desproporção entre essas competências legalmente atribuídas e a autonomia com que podem ser exercidas é ainda maior.

Apesar dos progressos, Portugal não está a convergir economicamente com a Europa, continua a ser um país onde quase 20% da população vive em situação de pobreza, onde a desigualdade de rendimentos continua comparativamente elevada, onde a desigualdade da distribuição da riqueza aumentou.

Não quero estabelecer aqui uma relação de causa-efeito entre os dois fenómenos. Mas também não custa perceber que estarão de alguma forma relacionados. A confluência entre o grau de desertificação populacional do nosso interior rural e o grau de centralização política do país é uma confluência extrema, singulariza-nos no contexto europeu, e deve-nos fazer pensar.

Portugal é hoje um país mais rico, com menos pobres, e com uma distribuição de rendimentos menos desigual do que na década de 1970, e até do que era no início do século XXI. Em termos reais, o nosso Produto Interno Bruto per capita a preços constantes e em paridades de poder compra cresceu quase 11% desde 2000; o nosso índice de Gini de desigualdade de rendimentos passou de 38 em 2003 para 32 em 2018; a percentagem de pessoas em situação de pobreza ou de exclusão social passou de 26% em 2008 para 19% em 2022.

Contudo, quando nos comparamos com outros países que fizeram transições democráticas ainda mais tardias, estes números empalidecem. Em países como a Eslovénia, a República Checa, a Eslováquia, ou a Polónia, a riqueza produzida aumentou a ritmos muito superiores ao português desde 2000, de tal forma que três destes países têm já valores superiores aos nacionais.

E nestes países, esta crescente prosperidade não impediu que as desigualdades de rendimento e pobreza tivessem diminuído para níveis inferiores, por vezes muito inferiores, aos portugueses. Ou seja, ao passo que Portugal não está a convergir economicamente com a Europa, continua a ser um país onde quase 20% da população vive em situação de pobreza ou de exclusão social, onde a desigualdade de rendimentos continua comparativamente elevada, onde a desigualdade da distribuição da riqueza até aumentou.

É impossível não detetar uma tensão entre as enormes aspirações da sociedade portuguesa em relação ao regime democrático e as realizações desse mesmo regime.

Não estamos sozinhos nesta situação. Os casos de Espanha, Grécia e de Itália exibem padrões semelhantes. E também não seremos singulares nas razões que estão por detrás dela: temos um défice persistente de capital humano, baixa produtividade, má afetação dos recursos para sectores pouco produtivos, falta de qualidade das políticas públicas e e uma baixa capacidade fiscal, dirigida muito mais para apoiar a capacidade de consumo dos cidadãos do que para o investimento em educação, desenvolvimento científico, no apoio às famílias, ou seja, aquilo que promove crescimento a longo prazo. Nada disto é único no contexto europeu.

Mas a haver algo singular no nosso caso, é o facto de a dificuldade em promover crescimento inclusivo colidir de forma particularmente dramática com as aspirações dos portugueses.

Na nossa cultura política, se tivesse de identificar legados persistentes da nossa democratização, destacaria dois. Por um lado, um entendimento de Democracia que a vê como composta não apenas por liberdades e direitos políticos, mas também por direitos económicos e sociais, que são vistos como indissociáveis dos primeiros. Por outro lado, uma conceção da Europa e da integração europeia que sempre a viu, e ainda vê, como a chave para o desenvolvimento económico e para a prosperidade.

Se isto for assim, como julgo ser, é impossível não detetar uma tensão entre as enormes aspirações da sociedade portuguesa em relação ao regime democrático e as realizações desse mesmo regime. Esta tensão tem sido permanente na nossa vida política, e manifesta-se quer no enorme ceticismo que os portugueses sentem em relação à sua classe política, seja no facto de sermos um dos muito poucos países europeus — a par de Itália — onde a aceitação de formas não-democráticas ou mesmo autocráticas de governo por parte da população aumentou desde o início do século.

Numa altura em que festejamos quase cinco décadas desde o 25 de Abril, se isto não nos fizer pensar, não sei o que fará.

 

Crédito de Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

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Portuguese, Portugal