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Populismo e democracia

Populismo e democracia

Reflexão de António Lobo Xavier, membro do Conselho de Administração da FFMS, para o programa de estreia do Fronteiras XXI.
3 min
«O discurso populista é quase sempre moralista e excludente, no sentido de que não é pluralista: os seus seguidores não são apenas melhores, são geralmente os únicos moralmente dignos. E, aceitando embora – muitas vezes só na aparência – o jogo democrático, desprezam com frequência as instituições.»

 

Existe hoje uma tendência para, tanto no discurso político como no académico, designar como populismo realidades tão diversas e contrastantes que chega a duvidar-se da operacionalidade classificatória de semelhante categoria. Trump, Evo Morales, Maduro, Pablo Iglesias, Marine Le Pen, Wilders ou Orbán encabeçam, na verdade, nos correspondentes países, propostas com naturezas muito diversas. Nestes exemplos, escolhidos entre tantos outros, conseguimos notar a presença constante de um traço nacionalista e de um traço de exclusão (exclusão do imigrante ou do muçulmano); mas, a partir daí, encontramos defensores de um capitalismo desregulado, defensores de um peronismo revisitado ou mesmo de um novo tipo de socialismo sul-americano.

Parece poder dizer-se, com algum rigor, que este populismo do século XXI encontra o seu eixo no revivalismo do estado-nação – seja por exaltação de uma suposta glória nacional esquecida, seja através da sobrevalorização dos chamados interesses nacionais. Daí para a frente, contudo, não é frequentemente possível encontrar traços ideológicos comuns.

O populismo não é, assim, uma ideologia, mas antes um método especial de acção política em ambiente de «democracia eleitoral». Um método para agregar sentimentos difusos de exclusão ou de revolta contra um establishment, com causas e intensidades muito variadas, dando uma ilusão de voz e de poder a sectores sociais ordinariamente ausentes do palco político, porque não têm audiência nos meios normais, porque não dispõem de força económica, porque são excluídos da civilização e da globalização pelo desemprego, pela falta de formação ou de educação formal, ou simplesmente por causa de características de casta das «elites» que controlam o sistema político e económico.

Por outro lado, o discurso populista é quase sempre moralista e excludente, no sentido de que não é pluralista: os seus seguidores não são apenas melhores, são geralmente os únicos moralmente dignos. E, aceitando embora – muitas vezes só na aparência – o jogo democrático, desprezam com frequência as instituições e as rotinas das democracias liberais (v. g., a separação de poderes, os tribunais, a rule of law, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa), que consideram próprias da «política tradicional» ou da «velha política», bem como a ordem política internacional, que acusam de prejudicar as conveniências e os interesses nacionais e moralmente superiores. O poder não está nas instituições, mas especialmente na pessoa do líder e na sua capacidade de mobilizar as massas em direcção a certos objectivos. Em consequência, o líder populista apresenta quase sempre marcas de pendor autoritário, mais ou menos expressas.

Em geral, a proposta política procura também atrair as pessoas normais prometendo-lhes o que intuem ser a sua vontade não revelada, mesmo que essas promessas sejam impossíveis ou irrealistas. Por causa deste método e da persistência de uma ideologia pouco espessa, a massa dos seguidores apresenta frequentemente justificações próprias confusas e mesmo contrastantes.

Uma última nota pode ainda acrescentar-se. O sucesso do populismo mostra-se ligado ao declínio das posições moderadas ou de centro, seja por causa dos seus erros próprios, seja por causa de vários tipos de medos instalados nas comunidades políticas (social, económico e físico). E há um certo efeito de círculo vicioso no funcionamento destes movimentos: o horror dos conservadores moderados a estes métodos e a estes estilos de discurso afastam-nos ainda mais da política militante, abrindo progressivamente o espaço para as franjas.

António Lobo Xavier é membro do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

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