Direitos e Deveres
Paginação
Identificado o quadro geral aplicável a um caso em julgamento, o juiz deve determinar a espécie de pena a aplicar e a sua medida concreta.
A escolha da pena a aplicar a um culpado envolve dois poderes complementares: o do legislador e o do juiz. Ao primeiro, incumbe definir em abstracto, para qualquer crime, os tipos de penas aplicáveis, os seus limites máximos e mínimos, e as circunstâncias que podem elevá-los (por ex., a reincidência) ou reduzi-los (por ex., a não consumação do crime, isto é, a mera tentativa).
No direito penal português, a prática de crimes é punida com duas penas principais: a prisão e a multa. Certos crimes mais graves (por ex. , o homicídio) são punidos somente com pena de prisão. Outros, muito raros, somente com pena de multa (por ex. , certas formas de contrafacção de valores selados). Outros, ainda, com prisão ou multa em alternativa (por ex., o homicídio por negligência simples).
Até 1995, alguns crimes eram puníveis com prisão e multa cumulativas, mas esse regime foi abolido (no Código Penal), entre outros motivos, por se considerar inadequado exigir o pagamento de uma soma pecuniária a alguém que, privado da liberdade, não pode obter os rendimentos necessários para pagá-la. Actualmente, quando ambas as penas estão previstas, o juiz tem de escolher entre uma e outra.
A lei estabelece o princípio de que o juiz deve dar preferência à pena de multa sempre que ela bastar como forma de prevenção do crime. Entende-se que a multa — nomeadamente por favorecer a ressocialização do condenado — é mais adequada à punição da pequena e média criminalidade do que a prisão.
Qualquer que seja o tipo de pena a aplicar, o juiz determina a medida concreta de acordo com as necessidades de prevenção suscitadas pelo caso, não podendo a pena exceder a medida da culpa do agente. Relevantes são, entre outros, os seguintes factores: o modo como o crime foi executado e a gravidade das suas consequências; os sentimentos manifestados no momento do crime e os fins ou motivos que lhe presidiram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao crime e a posterior, nomeadamente quando tenha procurado reparar as suas consequências.
CRIM
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Código Penal, artigos 23.º, n.º 2; 70.º e 71.º; 76.º, n.º 1; 131.º; 137.º, n.º 1; 268.º, n.os 3 e 4
É habitual falar-se de multas e de coimas como se fossem a mesma coisa, mas não são. Trata-se, em ambos os casos, de sanções jurídicas com natureza pecuniária. Contudo, a multa pune a prática de um crime e é aplicada por um tribunal, enquanto a coima sanciona meras contra-ordenações — infracções não criminais, menos graves — e é aplicada por órgãos administrativos, embora a decisão possa depois ser eventualmente impugnada em tribunal.
A diferença prática mais importante é a seguinte: o não pagamento de uma multa pode levar ao cumprimento de uma pena de prisão (em substituição da multa não paga), ao passo que o não pagamento da coima só pode implicar a penhora e venda de bens do faltoso.
Estas distinções entre as duas formas de direito sancionatório derivam da circunstância de as condutas sancionadas pelo chamado direito de mera ordenação social não serem suficientemente graves para justificar a criminalização, visto que normalmente não atingem valores sociais fundamentais.
Também pode a mesma conduta básica mudar de qualidade segundo certos critérios de quantidade. A condução sob efeito de álcool, por exemplo, tanto pode constituir contra-ordenação grave (taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l: coima de 250 € a 1250 €) como contra-ordenação muito grave (taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l: coima de 500 € a 2500 €) ou mesmo crime (taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l: pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias). A partir de certo grau, o perigo causado pela condução nessas condições é já tão grave que justifica a criminalização.
CRIM
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Código Penal, arts. 41.º s.
Código da Estrada, artigo 81.º
Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social), alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2024, de 22 de novembro
Ter uma anomalia psíquica não isenta necessariamente uma pessoa de responder por crimes. Um indivíduo só não é imputável se a anomalia (que pode ser uma doença ou um estado passageiro provocado, por exemplo, pela ingestão de determinadas substâncias) o impedir de compreender o que está a fazer ou então o impedir de controlar as suas acções, mesmo sabendo que são ilegais. Apenas nestes casos se pode dizer que se actua sem culpa, pelo que não se pode ser censurado nem punido.
Porém, se o indivíduo provocar a anomalia com a intenção de cometer o crime — por ex., colocando-se em estado de intoxicação alcoólica para ganhar coragem ou por pensar que isso o livrará de responsabilidade —, não será considerado inimputável e responderá criminalmente nos termos gerais.
A decisão do juiz sobre a eventual inimputabilidade no momento do crime é muitas vezes difícil, requerendo perícias psiquiátricas, e tem a maior importância, porque a aplicação de uma pena depende de se poder afirmar que o indivíduo agiu com culpa, isto é, de se lhe poder censurar o seu acto.
Como se disse, essa censura não se aplica aos inimputáveis, que por isso não podem ser punidos. Contudo, se houver sério receio de que cometam factos idênticos no futuro, podem ser-lhes aplicadas medidas de segurança, nomeadamente o internamento em instituições especializadas, para que a anomalia possa ser controlada e tratada.
As medidas de internamento não têm uma duração concretamente determinada e normalmente cessam quando cessar a perigosidade do indivíduo. Todavia, se o facto por ele praticado corresponder a crime contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, o internamento terá, em princípio, a duração mínima de 3 anos.
Em regra, o internamento não deve exceder o tempo máximo de prisão que um imputável poderia cumprir pelo crime em questão. Contudo, se o facto praticado for punível com pena superior a 8 anos de prisão e o perigo de repetição for de tal modo sério que desaconselhe a libertação, o internamento pode ser prorrogado por períodos sucessivos de dois anos, até cessar o perigo.
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Código Penal, artigos 20.º; 41.º e seguintes; 91.º e seguintes
Código de Processo Penal, artigos 154.º, n.º 2, e 156.º, n.º 5
Provavelmente não, pois é natural que se verifique uma de duas situações.
A primeira é a legítima defesa, que confere um direito de matar outra pessoa se esse for o único meio de impedir que ela atente ilicitamente contra a vida (ou outros interesses) do próprio defensor ou de terceiro. Na legítima defesa, não se exige que os bens que se quer proteger sejam mais valiosos do que aqueles que se ofendem com a defesa — mas exige-se que os meios utilizados sejam «necessários», isto é, que, dentro dos meios eficazes para realizar a defesa, se empreguem os que menor prejuízo tragam ao agressor. Assim, se for possível rechaçar uma tentativa de homicídio através da simples força física (por ex., desarmando o agressor), o defensor não pode invocar a legítima defesa para lhe causar a morte. Por fim, costuma excluir-se da legítima defesa os casos em que o agredido provocou a agressão com o fim de, com esse pretexto, atingir o agressor.
A segunda situação é o chamado estado de necessidade, que leva a que o homicídio não seja punível quando a morte de alguém se mostre absolutamente necessária para afastar um perigo iminente causado por fenómenos naturais ou por terceiros e não for razoável exigir uma actuação diferente. Será o caso, por exemplo, do náufrago que afoga outro para se apossar de uma bóia apta a salvar apenas uma pessoa. O direito penal não exige aos cidadãos que se comportem como heróis, submetendo-se a sacrifícios pessoais extremos.
Esta situação não atribui um direito de lesar os interesses de terceiros (que podem defender-se a coberto da legítima defesa) e tem obviamente limites. Não poderia aplicar-se, por exemplo, ao indivíduo que, ao ver-se trancado num ascensor imobilizado por excesso de peso e cansado de esperar por socorro, que tarda em surgir, empurra outra pessoa para fora da cabina e lhe provoca a morte, a fim de que o ascensor retome a marcha e ele próprio recupere a liberdade.
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Código Penal, artigos 32.º e 35.º
A resposta a ambas as perguntas depende de vários factores. Se existir convenção internacional válida que preveja o caso, são as soluções nela contidas que se aplicam. De contrário, há que distinguir várias hipóteses.
Se o crime ocorrer fora do país, mas tanto o homicida como a vítima forem portugueses, viverem habitualmente em Portugal ao tempo do crime e o homicida for encontrado em Portugal, os tribunais portugueses podem puni-lo aplicando-lhe a lei nacional. Nestes casos, a lei portuguesa não exige que o homicídio em causa também seja punível na lei do país onde foi cometido (embora seja duvidosa a compatibilidade desta solução com o direito internacional geral).
É óbvio que o homicídio constitui crime na generalidade dos países, mas não necessariamente sob as mesmas formas que em Portugal. Basta pensar, por exemplo, naquilo que geralmente se designa eutanásia — o auxílio médico à morte de outra pessoa, a pedido dela, autorizada num pequeno número de países, mas que em Portugal se considera crime.
Se a pessoa que cometer o crime for portuguesa mas a vítima for estrangeira, ou ambas forem portuguesas mas uma delas não viver habitualmente em Portugal, então o homicídio só será punível em Portugal caso também constitua crime no país onde foi cometido. Assim, usando o mesmo exemplo, se um português auxiliar um estrangeiro a morrer nos Países Baixos, respeitando a regulamentação aí vigente, não poderá ser punido pelos tribunais portugueses, pois o acto é lícito no lugar onde ocorreu.
Já a possibilidade de julgar alguém no estrangeiro por um crime cometido em Portugal depende do local onde a pessoa for encontrada. Se o for em Portugal, o julgamento decorrerá nos tribunais portugueses, já que, em princípio, o Estado português não concede a extradição por crimes cometidos em território nacional. Se o for no estrangeiro, a lei do país em causa terá de atribuir ao respectivo sistema jurídico a chamada jurisdição extraterritorial.
Na hipótese de o crime ter sido praticado em território nacional, o Estado português pode pedir a extradição do agente para ser julgado nos seus tribunais, mas a pretensão cessa se o agente for julgado e absolvido pelo Estado estrangeiro ou se, tendo aísido condenado, houver já cumprido a pena.
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Código Penal, arts. 4.º a 7.º e 131.º s.;
Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), arts. 3.º, 32.º, n.º 1, al. a) e 69.º s.