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O valor da arte e da cultura artística para os portugueses

"A arte é hoje um dos factores determinantes da construção da identidade individual e colectiva (...). E o encontro com uma obra de arte é muito mais do que o encontro com um mero objecto, ou sequer a tentativa de reconstruir a sua génese, pois que configura a possibilidade de construção afectiva de um modo de ser, de um modo de estar e, consequentemente, de um modo de ver o mundo."
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Reveja o debate Fronteiras XXI “Cultura, para que te quero?”

            Neste início do século XXI são evidentes os sinais de recomposição do político, do religioso, do social, e do cultural. No espaço público surgem novas ideologias (ecologia, género, pós-colonialismo, entre outras), e novos desafios que obrigam a repensar as noções de poder, subjectividade, identidade e cidadania.

            A noção de cidadania assenta cada vez mais numa redefinição da identidade individual e social do ser humano, a partir do lugar privilegiado da cultura. A privatização do religioso nas democracias ocidentais e a crescente mitigação e articulação da ciência, e da verdade científica, com outros sistemas e formas de produção de verdade não encontram resposta na herança tardia do Iluminismo setecentista.

            Da Democracia e do Estado de Direito exige-se o respeito equilibrado, mas aprofundado, de um núcleo cada vez mais alargado de direitos (e dos correspondentes deveres), sendo que, no actual quadro da complexificação crescente das redes de informação e comunicação, assistimos a uma re-definição da inter-subjectividade, ou seja, está em profunda mudança o modo como os seres humanos se relacionam entre si, e com o mundo, que é, afinal, a sua casa, originando necessariamente uma outra consciência do “eu”.     

            Os fenómenos culturais, pela sua própria natureza aberta e plural (sobretudo em sociedades não dirigistas), implicam a livre construção da própria identidade do indivíduo e, consequentemente, da sociedade. O número crescente de museus, de centros de arte contemporânea, de sítios arqueológicos, de salas para concertos, teatro e outras artes performativas, assim como de muitos outros locais onde se produzem e exibem um conjunto de artefactos, objectos e ideias de valor cultural e artístico, justificam a urgência da educação artística, de modo a que de uma autêntica experiência estética se possa extrair um vasto conjunto de valores sensíveis e inteligíveis, contributo insubstituível para refazer dinamicamente a nossa relação histórica com a sociedade e com o mundo. A constatação desta verdade, para além da “criação de valor” que a própria cultura gera, atestada por vários estudos encomendados por sucessivos governos portugueses, não tem tido a correspondente dotação orçamental, e os artistas e os agentes culturais continuam a reivindicar a percentagem de 1% do orçamento para a cultura…

            O encontro com uma obra de arte, elemento fundamental de qualquer cultura, é muito mais do que o encontro com um mero objecto, ou sequer a tentativa de reconstruir a sua génese, pois que configura a possibilidade de construção afectiva de um modo de ser, de um modo de estar e, consequentemente, de um modo de ver o mundo.  A produção de sentido resultante da experiência estética vai muito além da suposta “objectividade” da obra, e não se reconduz necessariamente a uma qualquer “consciência estética” do espectador, dadas as dimensões de liberdade, de abertura e de pluralidade que caracterizam a experiência dos fenómenos culturais e artísticos como prática social, como vários autores recentes têm defendido.

            A arte é hoje um dos factores determinantes da construção da identidade individual e colectiva, e a sua produção, fruição e apropriação, por via de uma experiência estética, não dispensará, portanto, a educação artística, a qual, no limite, não poderá ser dissociada do próprio valor da arte.

            Pelo aumento significativo das práticas culturais, assim como da produção e consumo de fenómenos artísticos, a sociedade portuguesa parece dar sinais inequívocos de que a arte se constitui um dos lugares maiores da construção do próprio sentido da existência, assim como de acolhimento do que de imprevisto e novo advém dessa experiência. Apenas uma educação artística, não subjugada por modos exclusivistas de produção de verdade, poderá contribuir para uma verdadeira multiculturalidade, isto é, uma verdadeira pluralidade cultural, contrariando o multiculturalismo que o fenómeno da globalização tem, por vezes, favorecido.

            De uma efectiva educação artística poderá depender a construção de um imaginário inscrito e dinamicamente articulado com o papel que Portugal tem desempenhado no mundo. É importante evitar o estreitamento de referências culturais e artísticas, favorecendo a produção artística regional e local, de modo a impedir qualquer hegemonia de modelos. Com a progressiva democratização das plataformas tecnológicas, e a simplificação do seu manuseamento, a literacia do futuro passará pela capacidade de leitura e interpretação criativa das linguagens mais complexas, e nessas seguramente estarão incluídas as obras de arte.

           O modo como a arte reflecte a nossa relação com a existência, nas suas mais diversas dimensões, de que a afectiva não é das menos importantes, poderá viabilizar, no século XXI, a construção de uma identidade mais aberta, e de um país mais plural e inclusivo.

Reveja o debate Fronteiras XXI “Cultura, para que te quero?”

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal