Portugal Desigual | Um retrato das desigualdades de rendimentos e da pobreza no país
A tendência de redução dos principais indicadores de pobreza e de desigualdade são confirmados pelos principais resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado em 2025.
Os dados referentes aos rendimentos de 2024, revelam que a taxa de risco de pobreza da população total diminuiu 1,2 pontos percentuais (p.p.), fixando-se em 15,4%. A relevância desta redução é dupla: por um lado, esta é a taxa de pobreza mais baixa registada em Portugal desde o início dos anos 1990; por outro, esta evolução traduz a saída da situação de pobreza de cerca de 101 mil pessoas.
A desigualdade económica, medida pelo coeficiente de Gini, registou igualmente uma descida de um ponto percentual fixando-se agora em 30,1%.
Apesar destes resultados globalmente positivos, um número elevado de pessoas continua a viver em situação de pobreza, com um rendimento equivalente inferior a 723 euros por mês.
Em 2024, cerca de 1,7 milhões de homens, mulheres e crianças residentes em Portugal encontravam-se abaixo do limiar de pobreza. Paralelamente, o nível de desigualdade no país mantém-se entre os mais elevados da União Europeia.
A diminuição da incidência da pobreza verificou-se em todos os grupos etários, ainda que com amplitudes distintas. Entre a população idosa, que no ano anterior tinha registado um aumento significativo da taxa de pobreza, observou-se uma redução expressiva de 3,3 p.p., contribuindo de forma decisiva para a descida da taxa global.
A população em idade ativa registou igualmente uma melhoria, com a taxa de pobreza a diminuir de 14,4% em 2023 para 12,9% em 2024. Já no caso das crianças e jovens, a redução foi muito mais modesta, de apenas 0,2 p.p., passando de 17,8% para 17,6%.
A redução pouco expressiva da pobreza entre crianças e jovens constitui, aliás, um dos principais motivos de preocupação revelados pelos novos dados do ICOR.
A taxa de pobreza infantil permanece 2,2 p.p. acima da média da população total, refletindo uma situação de elevada vulnerabilidade que afeta cerca de 300 mil crianças.
A dificuldade em reduzir a pobreza infantil é reforçada pelo ligeiro aumento da pobreza nas famílias com crianças (+0,2 p.p.) e, sobretudo, pelo agravamento acentuado da situação de um dos grupos mais vulneráveis da população: as famílias monoparentais. Neste grupo, que em 2023 concentrava cerca de um quarto das crianças em situação de pobreza, a taxa de pobreza aumentou de 31,0% para 35,1%.
A persistência de elevados níveis de pobreza infantil representa uma preocupação social prioritária. Esta realidade não se resume à escassez de rendimentos. Implica também o acesso mais difícil a bens e serviços essenciais — como uma alimentação adequada, habitação condigna, cuidados de saúde e educação —, com impactos negativos no desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das crianças.
Acresce que a pobreza infantil representa um obstáculo estrutural à mobilidade social, perpetuando ciclos intergeracionais de pobreza e desigualdade e comprometendo o princípio da igualdade de oportunidades.
Apesar de ainda não se dispor de informação detalhada sobre o perfil da pobreza das crianças e jovens em 2024, os dados do inquérito anterior já permitem identificar alguns dos principais traços da pobreza infantil em Portugal.
Uma primeira constatação é a de que o grupo etário que usualmente utilizamos para caracterizar a pobreza infantil não é homogéneo. A segmentação por faixas etárias revela níveis diferenciados de incidência da pobreza.
Em 2023, a taxa de pobreza das crianças entre os 0 e os 6 anos foi de 17,6%, a das crianças entre os 7 e os 11 anos de 16,2% e entre os 12 e os 17 anos de 19,2%. Este último grupo, que representa aproximadamente 40% das crianças em situação de pobreza, destaca-se pela maior vulnerabilidade, sugerindo desafios acrescidos associados à adolescência, sobretudo na transição entre o sistema educativo e o mercado de trabalho.
O tipo de família a que pertencem as crianças e jovens em situação de pobreza é outro fator relevante para traçar o retrato da pobreza infantil. Cerca de 25% das crianças pobres vivem em agregados monoparentais, predominantemente com mães solteiras. Mais de 20% pertencem a famílias numerosas, com três ou mais crianças dependentes.
Particularmente relevante é o facto de cerca de 75% das crianças em situação de pobreza viverem em famílias cuja principal fonte de rendimento provém do trabalho. Esta realidade evidencia a persistência de um fenómeno de trabalhadores pobres, refletindo as limitações do mercado de trabalho em garantir rendimentos suficientes e condições de vida dignas para todos os membros do agregado.
No país, a pobreza infantil concentra-se nas grandes áreas metropolitanas: 54% das crianças pobres em 2023 residiam na Grande Lisboa e na região Norte, e cerca de metade vivia em zonas densamente povoadas.
A nacionalidade dos progenitores constitui outro fator relevante na análise da pobreza infantil. A taxa de pobreza entre crianças cujos pais não possuíam nacionalidade portuguesa era de 38,1%, em 2023, contrastando com os 15,8% registados entre os filhos de cidadãos nacionais. Esta discrepância ilustra a vulnerabilidade das famílias migrantes, frequentemente associada à precariedade laboral e a uma integração deficitária nos sistemas de apoio social.
Por fim, o nível de educação dos pais é um dos determinantes mais significativos da pobreza infantil. Quando os pais possuem apenas o ensino básico, a taxa de pobreza atinge 34,3%. Este valor desce para 19,0% no caso de pais com o ensino secundário e para 8,9% entre os filhos de pais com ensino superior. Estes dados demonstram de forma clara o impacto estruturante da educação parental na prevenção da pobreza infantil e na promoção de trajetórias de inclusão social.
A pobreza das crianças e dos jovens em Portugal continua, assim, a ser uma realidade preocupante, exigindo uma resposta política integrada, consistente e de longo prazo.
Entre os desenvolvimentos positivos evidenciados pelos dados agora divulgados pelo INE, destaca-se igualmente a redução da pobreza entre a população empregada, cuja taxa passou de 9,2% para 8,6%, bem como a diminuição das disparidades regionais na incidência da pobreza. Neste domínio, merece particular destaque a descida significativa da taxa de pobreza na Região Autónoma dos Açores, tradicionalmente a região do país com maior incidência deste fenómeno. Regista-se ainda uma redução da desigualdade económica global, medida pelo coeficiente de Gini, que diminuiu cerca de um ponto percentual.
O indicador sintético de risco de pobreza ou exclusão social registou igualmente uma evolução favorável, com uma diminuição superior a um ponto percentual, passando de 19,7% para 18,6%. Importa sublinhar que, pela primeira vez, o número de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social ficou ligeiramente abaixo dos dois milhões, situando-se em 1,995 milhões de indivíduos.
O debate sobre a pobreza no país tem sido fortemente influenciado pela perceção de que pouco tem mudado nesta realidade ao longo dos anos, que uma em cada cinco pessoas vive em situação de pobreza, que em Portugal residem dois milhões de pobres.
A análise dos números mostra, porém, como esta perceção é errónea.
Ao longo dos últimos 30 anos a taxa de pobreza diminuiu 7,6 pontos percentuais, passando de 23% em 1994 para 15.4% em 2024. E número de pessoas em situação de pobreza reduziu-se cerca de 29%. Se em 1994 existiam em Portugal 2,27 milhões de pessoas abaixo do limiar de pobreza este número baixou para 1,66 milhões em 2024.
E, se no início do período em análise a taxa de pobreza em Portugal era cerca de seis pontos percentuais acima da taxa média da União Europeia, nos anos mais recentes a incidência da pobreza no país está muito próxima da média da UE.
Também os dados sobre a taxa de pobreza extrema, definida como a percentagem de pessoas que dispõem de menos de que 40% do rendimento mediano equivalente, mostram uma evolução semelhante. Passou-se de uma taxa de pobreza extrema de 10% em 1994 para 5,2% com os dados mais recentes.
Este progresso nos indicadores de pobreza explica-se em grande medida pela aplicação de várias políticas públicas como o CSI (complemento solidário para idosos), o RSI (rendimento social de inserção), o aumento do salário mínimo, medidas de apoio às crianças e jovens, etc. particularmente direcionadas às populações mais vulneráveis.
Apesar destes avanços, Portugal mantém-se um dos países da UE como com maior incidência de pobreza. A existência de 1,7 milhões de pessoas em situação de pobreza constitui um flagelo social que obstaculiza as possibilidades de desenvolvimento socioeconómico, que enfraquece a nossa vivência democrática e que põe em causa a coesão social. A redução sustentada dos níveis de pobreza é uma exigência para toda a sociedade.
Esta é a mais recente análise sobre a evolução das condições de vida da população portuguesa. Quantos são pobres? Quais são os grupos sociais mais afetados? E que impactos têm as desigualdades nas diferentes regiões do país?
Um retrato, em constante atualização, sobre as principais alterações na distribuição do rendimento no país, com base nos números do Instituto Nacional de Estatística sobre os mais importantes indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social.
Ao longo deste projeto vai encontrar uma análise aprofundada sobre:
- a evolução dos rendimentos familiares e dos principais indicadores de desigualdade;
- os principais indicadores de pobreza monetária;
- os principais indicadores de privação material das famílias portuguesas;
- o impacto das políticas redistributivas na redução da pobreza;
- comparações dos indicadores nacionais com os de outros países da União Europeia.
Com este diagnóstico, a Fundação Francisco Manuel dos Santos dá-lhe a conhecer dados indispensáveis a uma discussão pública fundamentada sobre questões tão importantes como estas, que permitem fazer um retrato da desigualdade e da pobreza no país.