Portugal Desigual | Um retrato das desigualdades de rendimentos e da pobreza no país
Os principais indicadores de pobreza e desigualdade em Portugal voltaram a um ciclo de queda: a taxa de pobreza passou de 17,0% para 16,6% e a desigualdade medida pelo coeficiente de Gini de 33,7% para 31,9%.
É isso que revelam os dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2024 (ICOR).
Esta evolução é claramente positiva, mas ainda insuficiente para compensar o agravamento da incidência da pobreza revelado no inquérito anterior (a taxa de pobreza foi de 16,4% em 2021).
O facto mais saliente dos resultados do inquérito é a descida da incidência da pobreza das crianças e jovens, que caiu para 17.8%, o valor mais baixo desde 2003, ano em que se iniciou a publicação dos dados do ICOR.
Esta redução traduz-se igualmente numa queda de 2,5 pontos percentuais na taxa de pobreza das famílias com crianças, que baixou de 18.9% para 16.4%.
Em sentido contrário, verificou-se um forte agravamento da taxa de pobreza dos idosos, que subiu quatro pontos percentuais passando de 17,1% em 2022 para 21,1% em 2023. Este facto não deixa de ser extremamente preocupante, mesmo que, como salienta o INE, possa ser explicado pelas alterações na metodologia de cálculo das pensões de velhice no ICOR 2024.
O debate sobre a pobreza no país tem sido fortemente influenciado pela perceção de que pouco tem mudado nesta realidade ao longo dos anos, que uma em cada cinco pessoas vive em situação de pobreza, que em Portugal residem dois milhões de pobres.
A análise dos números mostra, porém, como esta perceção é errónea.
Ao longo dos últimos 30 anos, a taxa de pobreza diminuiu 6,4 pontos percentuais, passando de 23% em 1994 para 16,6% em 2023. E número de pessoas em situação de pobreza reduziu-se cerca de 29%. Se em 1994 existiam em Portugal 2,27 milhões de pessoas abaixo do limiar de pobreza este número baixou para 1,76 milhões em 2023.
E, se no início do período em análise a taxa de pobreza em Portugal era cerca de seis pontos percentuais acima da taxa média da União Europeia, nos anos mais recentes a incidência da pobreza no país está muito próxima da média da UE.
Também os dados sobre a taxa de pobreza extrema – definida como a percentagem de pessoas que dispõe de menos de que 40% do rendimento mediano equivalente – mostram uma evolução semelhante. Passou-se de uma taxa de pobreza extrema de 10% em 1994 para 6,4% com os dados mais recentes.
Este progresso nos indicadores de pobreza explica-se em grande medida pela aplicação de várias políticas públicas como o CSI (complemento solidário para idosos), o RSI (rendimento social de inserção), o aumento do salário mínimo, medidas de apoio às crianças e jovens, etc. particularmente direcionadas às populações mais vulneráveis.
Apesar destes avanços, Portugal mantém-se um dos países da UE com maior incidência de pobreza. A existência de 1,8 milhões de pessoas em situação de pobreza constitui um flagelo social que obstaculiza as possibilidades de desenvolvimento socioeconómico, que enfraquece a nossa vivência democrática e que põe em causa a coesão social. A redução sustentada dos níveis de pobreza é uma exigência para toda a sociedade.
A análise da evolução da pobreza ao longo dos últimos 30 anos evidencia uma alteração profunda no seu padrão.
Se nos primeiros anos a pobreza dos idosos era um dos principais fatores de preocupação, com taxas superiores a 30% na última década do século passado, nos anos mais recentes é a incidência da pobreza nas crianças e jovens que predomina. Ao longo de todos os anos deste século, a taxa de pobreza das crianças e jovens foi sempre superior à do conjunto da população. A partir de 2007, com exceção de 2023, a taxa de pobreza das crianças e jovens suplantou a taxa de pobreza dos idosos.
A importância acrescida da pobreza das crianças e jovens resulta não apenas das condições de precariedade social em que as crianças se encontram, mas por constituir um elemento potenciador da transmissão intergeracional da pobreza. Qualquer estratégia de combate à pobreza deve ter como principal prioridade uma redução sustentada da pobreza das crianças e das famílias onde estão inseridas.
Esta é a mais recente análise sobre a evolução das condições de vida da população portuguesa. Quantos são pobres? Quais são os grupos sociais mais afetados? E que impactos têm as desigualdades nas diferentes regiões do país?
Um retrato, em constante atualização, sobre as principais alterações na distribuição do rendimento no país, com base nos números do Instituto Nacional de Estatística sobre os mais importantes indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social.
Ao longo deste projeto vai encontrar uma análise aprofundada sobre:
- a evolução dos rendimentos familiares e dos principais indicadores de desigualdade;
- os principais indicadores de pobreza monetária;
- os principais indicadores de privação material das famílias portuguesas;
- o impacto das políticas redistributivas na redução da pobreza;
- comparações dos indicadores nacionais com os de outros países da União Europeia.
Com este diagnóstico, a Fundação Francisco Manuel dos Santos dá-lhe a conhecer dados indispensáveis a uma discussão pública fundamentada sobre questões tão importantes como estas, que permitem fazer um retrato da desigualdade e da pobreza no país.