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Dados novos, problemas velhos

Os novos dados do Portal da Opinião Pública (POP), lidos pelo director científico da Fundação, Pedro Magalhães
4 min

Temos muito a tendência para pensar nos inquéritos de opinião, vulgo “sondagens”, pelo ângulo da “mudança”. Queremos saber como evoluíram ultimamente as intenções, atitudes ou opiniões das pessoas, e até relacionar essas mudanças com eventos concretos.

Contudo, nem tudo o que se mede através de inquéritos nos deve fazer correr à procura daquilo que mudou. Na verdade, o facto de haver coisas que permanecem inalteradas nas sondagens deve até assegurar-nos da sua capacidade para medirem algo correctamente, mesmo que o resultado em si mesmo não seja particularmente reconfortante.

Vem isto a propósito da última vaga do Inquérito Social Europeu (ESS), um projecto que realiza inquéritos por questionário bienais a amostras representativas das populações de muitos países europeus. O ESS é, desde 2013, uma infraestrutura de investigação europeia, da qual Portugal, felizmente, faz parte. No nosso país, o ESS é aplicado pela Infraestrutura de Atitudes Sociais e Políticas dos Portugueses, uma parceria entre o ICS-ULisboa, o ISCSP e o CIES-IUL, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Há pouco mais de uma semana, os dados da sétima vaga do ESS (2014/2015) foram conhecidos. O Portal da Opinião Pública, uma parceria entre a FFMS e o ICS-ULisboa, inclui agora muitos destes dados mais recentes, seja para Portugal seja para os restantes 19 países europeus (mais se seguirão à medida que terminarem os trabalhos de campo nos restantes países envolvidos).

A figura abaixo mostra as médias das respostas dos portugueses à pergunta “Acha que todo o cuidado é pouco quando se lida com as pessoas ou acha que se pode confiar na maioria das pessoas?”, numa escala que vai de 0 (“Todo o cuidado é pouco”) até 10 (“Pode-se confiar na maioria das pessoas”). Adicionei, para fins comparativos, mais dois países que participaram em todas as edições do ESS até ao momento. A Dinamarca é o país onde os níveis de confiança interpessoal são mais elevados em toda a Europa, e o Reino Unido tem uma posição intermédia dentro dos 20 países que até agora aplicaram a sétima vaga do ESS. Portugal é, infelizmente, o país com a média mais baixa:

Gráfico

O mais assinalável deste gráfico é quão pouco o grau de confiança interpessoal das populações destes países tem mudado ao longo de mais de uma década. O mesmo sucede com as percepções de que as outras pessoas são honestas ou se preocupam com os outros, que também são comparativamente muito baixas em Portugal. Robert PutnamFrancis FukuyamaJames Coleman e muitos outros que vieram depois deles (para não falar dos que os antecederam, tais como o grande sociólogo alemão Georg Simmel) não ficariam surpreendidos com esta estabilidade. Alguns estudos têm mostrado que os imigrantes de segunda e até terceira geração permanecem, nos países de destino, com níveis de confiança interpessoal mais próximos daqueles que prevalecem nos países de origem dos seus pais ou avós do que nos países onde já nasceram. Outros têm sugerido que os actuais níveis de confiança interpessoal medidos nestes inquéritos se relacionam com aspectos que já distinguiam diferentes regiões do mundo há séculos, incluindo, por exemplo, estruturas de governação altamente hierarquizadas ou situações de grave injustiça social. Esta enorme estabilidade ao longo de uma década é, por isso, perfeitamente normal e previsível. Sabemos também como a propensão para investir, participar social e politicamente, colaborar com os outros sem expectativa de um retorno imediato mas também sem receio de que eles se aproveitem de nós, depende desta confiança interpessoal, que é vista por muitos como um aspecto chave seja do desenvolvimento económico seja do desenvolvimento político. Os dados são novos, mas os problemas são velhos.

Então não há novidades no POP? Mesmo que desta vez não as encontre, de certeza que há lá algumas coisas que não sabia. Por exemplo, somos dos europeus que sentem mais infelizesmenos satisfeitos com a vida que levamos e menos saudáveis. Mas por outro lado, não há na Europa povo que passe mais tempo a conviver com os amigos, os familiares ou os colegas de trabalho. E não se veja nisto qualquer contradição: afinal, tem de haver alguém a quem nos possamos queixar desta vida desgraçada.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

Portuguese, Portugal