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A covid-19 «trouxe o turismo para níveis de há 30 anos». E só em 2023 voltará ao foi em 2019

A covid-19 «trouxe o turismo para níveis de há 30 anos». E só em 2023 voltará ao foi em 2019

A Fundação perguntou a Vera Gouveia Barros se o turismo voltará a alavancar a economia portuguesa já em 2021. A resposta é... talvez.
7 min
Opinião de Vera Gouveia Barros, especialista em turismo e autora do livro «Turismo em Portugal».

“Calculai quantos viajantes terão atravessado Portugal, durante um século. […] E dizei-nos: credes que o estrangeiro alcança o fim de sua peregrinação, sem despender muito ouro? Ignorais que este ouro se derrama por mãos de portugueses?”. Estas palavras de Alexandre Herculano, escritas no século XIX, num artigo da revista O Panorama, ilustram bem a compreensão da importância do turismo enquanto actividade económica geradora de receitas.

A entrada de divisas foi também o critério que, já no final do século XX, presidiu à escolha do turismo como prioridade no sector dos serviços. Em 1994, o documento Construir as Vantagens Competitivas de Portugal, mais conhecido por Relatório Porter, observava que “em Portugal, o serviço mais importante é, sem dúvida, o turismo”, notando tratar-se de um cluster em rápido crescimento, que, tomando o valor das exportações, só era ultrapassado pelo dos têxteis/vestuário e que, em termos de quota nas exportações mundiais, só ficava atrás dos produtos florestais.

No século XXI, a importância do sector está espelhada na Conta Satélite do Turismo. Os dados divulgados em Dezembro mostram-nos que, em 2019, o valor acrescentado bruto do turismo terá sido directamente responsável por 8,5% do PIB nacional, contributo que aumenta para os 11,6% se considerarmos também o impacto indirecto da actividade turística e o efeito induzido.

2020 começou bem. Muito bem, mesmo. Em Janeiro, dormidas e hóspedes cresceram em termos homólogos 7,2% e 11,4%, respectivamente. Fevereiro foi ainda melhor. Mas Março elevou a covid-19 a pandemia e, ao natural receio de uma doença nova, somaram-se confinamentos, restrições às viagens e fecho de fronteiras, com o óbvio efeito devastador na actividade turística. Ainda não temos os dados da Conta Satélite, mas 2020 significou uma quebra de 63% das dormidas, de 61% dos hóspedes, de 66% dos proveitos e de 57% das receitas turísticas. No mercado laboral, o número de trabalhadores nos sectores do alojamento, restauração e similares contraiu-se quase 15%. Depois de uma década a sucessivamente bater recordes em diversos indicadores, o SARS-CoV-2 trouxe o turismo para níveis de há 30 anos.

2020 terminou com algum optimismo a despontar, trazido pelo início do processo de vacinação. Mas o novo ano trouxe uma vaga de frio e uma segunda vaga de contágios, que ditou um segundo confinamento que nos tinham dito que não iria existir. E, embora a esperança tenha fama de ser a última a morrer, o certo é que, por vezes, o cansaço a vence. Não obstante, se me perguntarem se o turismo vai descolar já este ano, a minha resposta é a de que espero que 2021 traga já algum crescimento ao sector.

Opinião de Vera Gouveia Barros, especialista em turismo e autora do livro «Turismo em Portugal».
“Calculai quantos viajantes terão atravessado Portugal, durante um século. […] E dizei-nos: credes que o estrangeiro alcança o fim de sua peregrinação, sem despender muito ouro? Ignorais que este ouro se derrama por mãos de portugueses?”. Estas palavras de Alexandre Herculano, escritas no século XIX, num artigo da revista O Panorama, ilustram bem a compreensão da importância do turismo enquanto actividade económica geradora de receitas.

A entrada de divisas foi também o critério que, já no final do século XX, presidiu à escolha do turismo como prioridade no sector dos serviços. Em 1994, o documento Construir as Vantagens Competitivas de Portugal, mais conhecido por Relatório Porter, observava que “em Portugal, o serviço mais importante é, sem dúvida, o turismo”, notando tratar-se de um cluster em rápido crescimento, que, tomando o valor das exportações, só era ultrapassado pelo dos têxteis/vestuário e que, em termos de quota nas exportações mundiais, só ficava atrás dos produtos florestais.

No século XXI, a importância do sector está espelhada na Conta Satélite do Turismo. Os dados divulgados em Dezembro mostram-nos que, em 2019, o valor acrescentado bruto do turismo terá sido directamente responsável por 8,5% do PIB nacional, contributo que aumenta para os 11,6% se considerarmos também o impacto indirecto da actividade turística e o efeito induzido.

2020 começou bem. Muito bem, mesmo. Em Janeiro, dormidas e hóspedes cresceram em termos homólogos 7,2% e 11,4%, respectivamente. Fevereiro foi ainda melhor. Mas Março elevou a covid-19 a pandemia e, ao natural receio de uma doença nova, somaram-se confinamentos, restrições às viagens e fecho de fronteiras, com o óbvio efeito devastador na actividade turística. Ainda não temos os dados da Conta Satélite, mas 2020 significou uma quebra de 63% das dormidas, de 61% dos hóspedes, de 66% dos proveitos e de 57% das receitas turísticas. No mercado laboral, o número de trabalhadores nos sectores do alojamento, restauração e similares contraiu-se quase 15%. Depois de uma década a sucessivamente bater recordes em diversos indicadores, o SARS-CoV-2 trouxe o turismo para níveis de há 30 anos.

2020 terminou com algum optimismo a despontar, trazido pelo início do processo de vacinação. Mas o novo ano trouxe uma vaga de frio e uma segunda vaga de contágios, que ditou um segundo confinamento que nos tinham dito que não iria existir. E, embora a esperança tenha fama de ser a última a morrer, o certo é que, por vezes, o cansaço a vence. Não obstante, se me perguntarem se o turismo vai descolar já este ano, a minha resposta é a de que espero que 2021 traga já algum crescimento ao sector.

Não é uma visão de arco-íris. É a consciência de que 2020 foi tão mau que não será preciso fazer muito para ter alguns resultados positivos (o que não se confunde com uma recuperação em V). Ainda assim, convém fazer algumas coisas (para além do óbvio trabalho colectivo de manter contidos os números de contágios).

A primeira delas será apoiar o tecido empresarial e os empregos do sector. Desde logo, por um imperativo de consciência social, mas também porque seria trágico não existir oferta para responder à procura, quando esta regressar. E ela vai regressar. Vários inquéritos, incluindo um da European Travel Commission, cujos resultados foram recentemente publicados, mostram que viajar continua a fazer parte dos desejos das pessoas – neste aspecto, a pandemia não trouxe qualquer alteração estrutural. Mas, logicamente, as pessoas querem viajar sentindo-se seguras e que as férias sejam despreocupadas.  

Assim, parece-me que esta será uma ocasião excelente para promover a ideia de que há mais Portugal para além dos tradicionais destinos de Lisboa, Algarve, Madeira e Porto. Destinos onde também se encontra cultura, gastronomia apetecível, bom clima; e gente hospitaleira, claro, mas em menor concentração, como se quer em tempos pandémicos. Não é de agora que defendo esta necessidade – a de que turismo seja um factor de coesão territorial, em vez de mimetizar assimetrias regionais –, mas agora ela tem outras condições para se tornar uma prioridade e realidade.

Importante seria também haver alternativas ao transporte aéreo, já que passar horas fechado num avião é um dos aspectos a pôr freio à vontade de viajar. Infelizmente, o desígnio de termos verdadeiras ligações ferroviárias internacionais continua por cumprir. Mas como tais ligações não se constroem de um dia para o outro, há que garantir que os voos são seguros agora também na dimensão sanitária. Para isso, os testes desempenham um papel crucial, mas não podem constituir um custo adicional na viagem. Que determinem a possibilidade de alguém ser impedido de regressar a casa é um problema.

Mas sejamos realistas: mesmo superando as dificuldades decorrentes do transporte aéreo, mesmo conseguindo promover regiões de menor risco em Portugal, não vamos voltar já aos 27 milhões de hóspedes que tivemos em 2019. A maioria dos especialistas diz que o regresso a esse patamar não acontecerá antes de 2023. Portanto, se vamos receber visitantes, façamo-lo com mais qualidade, para que as receitas recuperem mais rapidamente por via do preço.

E aqui regresso à primeira ideia, a de apoiar as empresas. Mas não apenas na sua tesouraria. Apoiá-las, desde logo, através da formação dos seus recursos humanos, que é um dos pilares do Índice de Competitividade Turística do Fórum Económico Mundial em que temos um desempenho não tão positivo. Com metade dos estabelecimentos fechados ou sem hóspedes, esta seria a altura certa para estar a aumentar as qualificações dos trabalhadores do sector. E apoiá-las em investimentos e na adopção de tecnologias que venham reduzir consumos de água e de energia, possibilitando-lhes futuras poupanças operacionais, ao mesmo tempo que se aumenta a sustentabilidade ambiental do sector.

Em 1911, o arquitecto francês Henri Martinet, ligado ao projecto Estoril: estação marítima, climatérica, thermal e sportiva, profetizava: “Portugal virá a ser um dos primeiros países do turismo”. Em 2021, eu continuo a achar que ele estava certo.

Vera Gouveia Barros é economista especialista em turismo e autora do livro «Turismo em Portugal».

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal