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O estatuto pioneiro da Europa no comércio verde significa que o sucesso das suas políticas tem enormes implicações para o futuro da transição verde em todo o mundo.


A digitalização está a redefinir o mercado de trabalho, obrigando as sociedades a repensarem o futuro do emprego. Este policy paper é o primeiro a...
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Os riscos e as oportunidades da agenda da UE para o comércio verde

A União Europeia (UE) é muitas vezes descrita como uma «superpotência reguladora» – ou seja, uma entidade capaz de definir a atuação dos agentes públicos e dos atores do setor privado muito além das suas próprias fronteiras. As regulamentações europeias influenciam as práticas reguladoras de outros governos; em vários mercados externos, as empresas exportadoras adotam muitas vezes as normas europeias, de modo a minimizarem os encargos com as conformidades. Esta capacidade de afetar a regulamentação e as normas noutros mercados, também conhecida como «efeito de Bruxelas», reflete não só a dimensão do mercado europeu – um dos maiores mercados do mundo em termos de valor económico –, mas também a ambição das entidades reguladoras europeias e a respetiva tendência para se anteciparem aos restantes líderes económicos no que toca a definir regras num vasto leque de domínios políticos.
O efeito de Bruxelas tem sido especialmente evidente nas políticas ambientais e de sustentabilidade, uma área cujas ambições mundiais foram lideradas pela UE ao longo de muitos anos. O Pacto Ecológico Europeu (PEE), um abrangente pacote de regulamentação e investimento que visa fazer da Europa o primeiro continente com emissões líquidas nulas até 2050, posiciona-a como referência mundial em domínios como a eficiência energética e dos combustíveis, a construção de edifícios, as práticas agrícolas e florestais e os sistemas de aquecimento e refrigeração.
O PEE baseia-se em normas exigentes que já antes vigoravam na Europa e regulavam estas e outras áreas, bem como nos incentivos à descarbonização ao abrigo do Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE, o regime de transação de licenças de emissões de gases com efeito de estufa mais antigo do mundo.
A ambição da UE no que respeita ao clima levou a que a redução das emissões assumisse um peso crescente na política comercial europeia, estendendo o efeito de Bruxelas ao campo emergente do «comércio verde». Ao longo da história, a política comercial tem desempenhado um papel importante no reforço das práticas regulatórias da UE tanto interna como externamente, através da definição dos critérios para aceder ao mercado europeu. Tipicamente, impõem-se restrições às importações, bem como critérios mínimos – incluídos nos acordos de comércio livre (ACL) – de cumprimento obrigatório em matérias ambientais, laborais, de segurança e privacidade. Conforme a Comissão Europeia observou num comunicado recente: «Graças à política comercial comum, a UE fala a uma só voz na cena mundial. Trata-se de uma vantagem única.»
A par do PEE, os decisores políticos europeus adaptaram vários instrumentos comerciais de modo a complementar os esforços europeus de descarbonização e a incentivar os parceiros comerciais à ação climática, com destaque para a criação do Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço, o primeiro instrumento, a nível mundial, de taxação das emissões de carbono. Estes esforços têm valido a Bruxelas elogios e críticas por parte de governos, organizações da sociedade civil e agentes do setor privado de todo o mundo. Além disso, catalisaram o debate sobre o conhecimento e os caminhos que é preciso percorrer para alinhar, em matéria comercial e climática, as maiores economias do mundo e os fóruns multilaterais que orientam e facilitam a cooperação política nesses domínios, como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (em inglês, UNFCCC).
O estatuto pioneiro da Europa no comércio verde significa que o sucesso das suas políticas, quer no que toca à redução da pegada carbónica do continente, quer no que toca a persuadir os seus parceiros comerciais a adotarem medidas semelhantes, tem enormes implicações para o futuro do sistema mundial de comércio e para uma abordagem internacional coordenada da transição climática.
A abordagem assertiva da Europa em relação ao comércio ecológico decorre num momento de agitação e tensão em ambos os lados do Atlântico. De regresso à Casa Branca, o presidente Donald Trump comprometeu-se a inverter o rumo que o país vinha seguindo em termos de combate às alterações climáticas, a eliminar o investimento na transição energética, seja no país ou no estrangeiro, e a impor taxas alfandegárias e restrições comerciais quer a adversários, quer a aliados, incluindo a União Europeia, abrangendo todas as áreas da economia. Esta reviravolta na política climática dos EUA e o antagonismo que a nova administração incorporou na sua política comercial irão certamente desgastar a influência diplomática dos EUA e levar os parceiros preteridos a procurarem novos mercados e relações comerciais.
Neste contexto, a enorme influência da Europa e o seu empenho na criação de uma ordem mundial de comércio aberta envolvem simultaneamente grande responsabilidade e grande risco. Se for bem-sucedida, a abordagem da UE pode servir de modelo para a integração dos objetivos climáticos nas políticas comerciais, incentivando outras grandes economias a adotarem medidas alinhadas – ou mesmo harmonizadas – deste tipo, através das quais se impulsione um movimento global no sentido da descarbonização. Contudo, se as abordagens forem descoordenadas e mal concebidas, podem exacerbar as tensões comerciais latentes, fragmentar os mercados, sobrecarregar desproporcionadamente, com os custos de conformidade, os mercados emergentes e as economias em desenvolvimento.
Para gerir este cenário complexo, Bruxelas tem de equilibrar com cautela as ambições climáticas, por um lado, com as suas relações comerciais, por outro. O presente policy paper analisa essas políticas comerciais, as motivações que lhes deram origem e as oportunidades e os riscos que representam para as indústrias e os consumidores europeus, num contexto de incerteza quanto às perspetivas económicas internacionais.
Ao longo da história, o clima não tem merecido especial atenção por parte das políticas comerciais ou do sistema mundial de comércio. Nenhum dos 60 acordos legais que compõem o sistema da OMC faz referência ao clima, e a grande maioria dos ACL também não se debruça sobre o tema. Nas duas últimas décadas, as normas ambientais que não fazem referência específica ao clima têm-se tornado mais comuns nos ACL – havendo alguns dados factuais que demonstram que essas normas contribuem para diminuir as emissões –, mas até ao momento não há uma expectativa consensual de que as políticas comerciais devam mitigar os impactos ambientais.
Em 2024, Jean Marie Paugam, diretor-geral-adjunto da OMC e antigo embaixador francês na OMC, proferiu uma observação certeira: «Durante muito tempo, o ambiente foi tratado com uma espécie de menosprezo benevolente pelos negociadores comerciais: os danos ambientais eram considerados como meros efeitos secundários indesejados, que deveriam ser corrigidos por medidas e por políticas não comerciais.»
Tendo em conta o impacto do comércio nas alterações climáticas – e até o seu potencial papel de mitigação –, esta omissão é de facto surpreendente. De acordo com a OMC, o comércio é responsável por 20% a 30% das emissões mundiais, largamente atribuíveis a emissões direta ou indiretamente associadas ao fabrico de bens industriais de uso generalizado, como o aço e o alumínio, e aos combustíveis utilizados para o seu transporte internacional.
Estima-se que a integração económica alcançada através das adesões à OMC e dos ACL tenha aumentado as emissões entre os parceiros comerciais, nomeadamente por via do estímulo à procura de matérias-primas responsáveis por emissões de carbono elevadas e de produtos como os automóveis e os aviões. A existência de poucas barreiras comerciais e, simultaneamente, a grande mobilidade de capitais aumentam o risco de deslocalização da produção para países com jurisdições comparativamente menos rígidas em termos de regulamentação climática, um fenómeno designado como «fuga de carbono».
A situação atual é, em grande medida, um produto dos tempos. O sistema mundial de comércio moderno foi criado antes de a maioria dos governos terem tomado consciência das alterações climáticas e de as terem começado a levar a sério. Desde então, a inércia institucional e a falta de consenso acerca do papel que o clima deve desempenhar nas políticas comerciais têm impedido que a regulamentação comercial sofra as alterações necessárias para conferir espaço político às ambições climáticas.
Nas duas últimas décadas, a OMC foi incapaz de finalizar um acordo significativo, e até hoje alguns dos seus membros argumentam que esta organização não tem mandato para tratar das alterações climáticas. Os membros de outros fóruns multilaterais, como a UNFCCC e o G20, têm procurado abordar a relação entre clima e comércio, mas os seus esforços são demasiado recentes e produziram poucos resultados tangíveis.
A indiferença do sistema mundial de comércio em relação às alterações climáticas representa uma oportunidade perdida para a Europa – possivelmente mais do que para qualquer outra grande economia –, dado o seu estatuto de «superpotência reguladora». Durante décadas, os líderes europeus procuraram aumentar a ambição climática mundial através de uma conjugação entre normas rigorosas, envolvimento diplomático, assistência e empréstimos a países estrangeiros. Alinhar a política comercial da UE com a ação climática é uma extensão lógica desses esforços, por várias razões:
- A pegada ambiental dos gases com efeito de estufa europeus não se limita às fronteiras da Europa. O continente está profundamente integrado nas cadeias de valor transnacionais, das quais depende, e a procura da indústria e dos consumidores europeus impulsiona a atividade comercial e agrícola em praticamente todos os cantos do mundo.
- A UE, com o seu mercado de emissões de carbono e uma forte regulamentação ambiental, enfrenta um sério risco de fuga de carbono, o que agrava as preocupações com a desindustrialização num contexto de preços de energia elevados. Ao tirar partido do poderio do seu enorme mercado, a Europa pode dinamizar a produção ecológica noutros lugares do mundo, interrompendo uma insustentável viagem até ao fundo do poço, e ao mesmo tempo assegurar que os métodos de produção com emissões de carbono elevadas não possam ter vantagens competitivas nas importações do mercado europeu.
- A política comercial é uma ferramenta climática relativamente pouco aproveitada. Numa época em que as abordagens convencionais para a redução das emissões, como a diplomacia e as finanças, estão a produzir cada vez menos resultados a nível internacional, a política comercial proporciona um novo conjunto de ferramentas e de incentivos para catalisar a ambição climática.
- A Europa, como qualquer outra região do mundo, não consegue obter todos os bens e serviços necessários para pôr em marcha uma economia descarbonizada através dos seus fornecedores internos. Os ACL e outros acordos de comércio podem contribuir para reforçar e rentabilizar as cadeias de abastecimento de energia limpa e economicamente viável.
- O comércio pode diminuir os custos associados à transição verde junto dos consumidores. Os novos requisitos de circularidade e de eficiência energética podem ter impactos inflacionários em setores como a construção, a agricultura e a eletrónica. As políticas comerciais têm potencial para atenuar esses impactos através da redução de taxas e da promoção de maior concorrência em toda a cadeia de abastecimento das energias limpas.
Na Revisão da Política Comercial de 2021, a Comissão Europeia reconheceu que o comércio tem sido tratado sem articulação com as preocupações relativas ao clima e a outros problemas ambientais, tendo concluído de forma clara e incisiva que «necessita de uma nova estratégia em matéria de política comercial – uma estratégia que apoie a consecução dos objetivos das suas políticas internas e externas e que promova uma maior sustentabilidade».
Sob a liderança da presidente Ursula von der Leyen, a Comissão respondeu a esse apelo através da conceção e adoção de uma série de políticas comerciais ecológicas, tais como o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço e a aplicação de novas normas ambientais e requisitos de due diligence (investigação prévia) aos bens importados para o mercado europeu, bem como através da inclusão de compromissos climáticos vinculativos nos ACL.
Em parte, esta mudança pode ser vista como uma consequência da enorme reorientação política da Europa em direção a uma rápida descarbonização, ao abrigo do PEE, que quer fazer da sustentabilidade ambiental uma característica central do modelo económico europeu e uma ambição climática importante em várias áreas políticas, por forma a atingir as metas de 2050 definidas no Acordo de Paris. Não surpreende, por isso, que a política comercial europeia – uma «vantagem única» de Bruxelas – tenha sido afetada por esta reorientação.
No entanto, a liderança climática não é o único motivo pelo qual a Europa adotou o comércio verde. De forma igualmente importante, a política comercial é vista como um instrumento capaz de compensar as crescentes preocupações com a competitividade europeia, num contexto de apoio vacilante ao Pacto Ecológico Europeu. Desde sempre, os líderes europeus apresentaram o PEE não só como uma estratégia para reduzir as emissões, mas também como uma estrutura capaz de promover a recuperação económica e o crescimento no rescaldo da pandemia da COVID-19 e da crise da dívida soberana na zona euro.
Em Bruxelas, espera-se que o desenvolvimento das indústrias de energia limpa e a redução de custos que acabará por resultar da transição para energias renováveis e produtos e materiais energeticamente eficientes conduzam à expansão económica. Nas palavras da Comissão Europeia: «O Pacto Ecológico Europeu transformará a UE numa economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva.»
Os políticos europeus puseram recentemente em causa esta perspetiva sobre o crescimento alinhado com o clima. Nas últimas eleições europeias, os apoiantes do PEE, incluindo os Verdes europeus, sofreram perdas eleitorais significativas, e o Partido Popular Europeu, o grupo político de Von der Leyen, tem criticado cada vez mais os objetivos climáticos e da energia limpa – incluindo o próprio PEE.
Os críticos argumentam, de forma consistente e convincente, que a carga e os custos da regulamentação associada à transição para as emissões líquidas nulas colocam as empresas europeias em desvantagem competitiva face à concorrência estrangeira. Estas preocupações têm-se feito sentir com particular premência nos setores industriais de difícil descarbonização, os quais, devido ao PEE, ficam mais expostos ao Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE.
Confrontada com essas preocupações, não surpreende que Bruxelas valorize políticas comerciais que neutralizem a vantagem competitiva de que beneficiam as empresas exportadoras sediadas em países com normas ambientais permissivas e que melhorem o acesso a minerais e outras matérias-primas essenciais.
É notável que Bruxelas tenha mantido as ambições ambientais apesar de se debater com sérias preocupações relativamente à sua competitividade industrial. Em Fevereiro, a Comissão Europeia anunciou a assinatura do seu «Pacto da Indústria Limpa» – uma estratégia abrangente destinada a reverter o declínio do setor industrial no continente. Os custos energéticos europeus têm-se mantido persistentemente elevados desde a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, a que se seguiu a por Moscovo por via dos gasodutos.
Estes custos estruturais acrescidos tornaram a produção industrial europeia menos competitiva em termos mundiais e levaram Bruxelas a focar-se em reduzi-los. O novo plano pretende superar estes problemas sem se afastar substancialmente dos objetivos climáticos. Von der Leyen ainda considera que a descarbonização é um meio para reforçar a produção industrial europeia, embora a Europa não esteja no bom caminho para cumprir os objetivos climáticos que estipulou para 2030 nem para atingir emissões nulas até 2050.
Para além do PEE, há dois fatores que estão fora do controlo de Bruxelas e que também incentivaram à adoção de políticas comerciais ecológicas. O primeiro é a invasão russa da Ucrânia e a volatilidade associada dos custos energéticos europeus, o que aumentou significativamente a urgência de criar uma estrutura energética diversificada e resiliente na Europa e de melhorar a eficiência energética em toda a sua economia.O segundo é a viragem na política industrial dos Estados Unidos, iniciada sob a administração Biden, em especial através do Inflation Reduction Act (Lei para a Redução da Inflação), que fez aumentar a procura de minerais essenciais e de outros produtos fundamentais para a produção de energia renovável e para os transportes com emissões nulas.
Ambas estas mudanças exerceram pressão para que os governos e as empresas da Europa mantivessem e aumentassem a competitividade económica, sobretudo nas indústrias com uso intensivo de energia, para que mantivessem e aprofundassem as relações com os exportadores de matérias-primas e de produtos da energia limpa e para que neutralizassem a vantagem competitiva das empresas estrangeiras com acesso a energia barata e abundante.
A agenda europeia para o comércio alinhado com os objetivos climáticos pode ser genericamente dividida em três categorias: (1) políticas destinadas a impedir a fuga de carbono e a incorporar o custo do carbono no custo dos bens; (2) normas de importação e requisitos de due diligence que promovam uma atividade económica sustentável com benefícios para o clima; e (3) integração dos objetivos e das normas ambientais nas parcerias comerciais.
Impedir a fuga de carbono e incorporar o custo do carbono
Em 2005, a União Europeia tornou-se a primeira grande economia a instituir uma taxação de referência sobre o carbono, o Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da UE (CELE). O CELE da UE é um sistema de limitação e negociação que estabelece preços flutuantes e determinados pelo mercado para as emissões de gases com efeito de estufa nos setores por ele abrangidos. As empresas devem obter licenças para cada tonelada de dióxido de carbono que emitem. As empresas podem comprar, vender e negociar estas licenças. Ao criar um custo financeiro para as emissões, o CELE incentiva as empresas a reduzirem a sua pegada de carbono através de melhorias na eficiência energética, da substituição de combustíveis e do investimento em tecnologias com baixas emissões de carbono.
Desde o início, esta importante política suscitou receios de que contribuísse para a fuga de carbono e enfraquecesse a competitividade das empresas europeias em mercados com pouca ou nenhuma taxação do carbono. A primeira resposta de Bruxelas a essas preocupações foi fornecer licenças de emissões gratuitas aos operadores industriais com maior exposição a esses mercados e aos setores com emissões de carbono elevadas. No entanto, esta alocação de licenças gratuitas cria tensões entre a competitividade e os objetivos de descarbonização. Adicionalmente, o CELE, ao mesmo tempo que cobre uma vasta área da atividade económica, deixa de fora alguns componentes fundamentais da pegada de carbono do continente, entre os quais as emissões resultantes do fabrico e do transporte dos bens importados para o mercado europeu.
Bruxelas procurou resolver estes dois problemas em simultâneo, conjugando a eliminação progressiva das licenças gratuitas com o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço, que alarga o CELE a determinados produtos importados e às emissões do transporte marítimo. Embora o seu principal intento seja acelerar a descarbonização europeia, estas medidas têm também a vantagem de incentivar os fabricantes e transportadores extraeuropeus a adotarem práticas mais sustentáveis.
O Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (MACF)
Até há pouco tempo, as taxas ou taxas alfandegárias relacionadas com as emissões eram políticas teóricas e abstratas que não faziam parte de nenhuma estratégia governamental para lidar com as alterações climáticas ou o comércio internacional. Isso mudou em dezembro de 2022, quando a UE concluiu o MACF.
O MACF da UE impõe a taxação de determinados produtos e insumos em setores com emissões de carbono elevadas e com maior exposição aos mercados. As empresas que importam bens nos setores abrangidos pelo MACF têm de comprar certificados, com preços que variam de acordo com a média semanal dos leilões do CELE da UE. As suas regras aplicam-se a todos os parceiros comerciais, incluindo os países menos desenvolvidos.
Atualmente, os importadores só têm de recolher informação sobre o carbono incorporado nos produtos que trazem para o mercado europeu, embora os custos desse processo e as questões administrativas sejam um problema para as empresas europeias. Em 2024, milhares de empresas de toda a Europa falharam os prazos de entrega da informação.
A partir de 2026, o MACF da UE aplicará uma taxa aduaneira sobre as importações dos produtos em causa, como o aço e o alumínio. A taxa é calculada com base no CELE da UE e no facto de o país exportador ter ou não um sistema comparável de penalização das emissões de carbono, capaz de compensar a taxa. Inicialmente, a taxa corresponderá a uma pequena percentagem do preço médio semanal do CELE-UE. Ao longo de oito anos, a taxa aumentará gradualmente, até atingir 100% dessa média semanal.
A par da implementação do MACF, a UE vai eliminar gradualmente as licenças gratuitas que, para compensar o custo do CELE nos setores de atividade em causa, tem concedido aos produtores internos de bens responsáveis por emissões de carbono elevadas e muito expostos aos mercados.
Os países e as empresas afetados pelo MACF têm expressado preocupação com os obstáculos técnicos e financeiros ao cumprimento das normas. Em vários países que exportam bens abrangidos pelo MACF para o mercado europeu não há taxação nacional ou regional sobre o carbono; assim, nesses países, as empresas vão ter de investir e desenvolver capacidades para monitorizar as emissões e para implementar sistemas de verificação, de modo a cumprir as regras do MACF, ou então sujeitarem-se ao pagamento de uma taxa baseada num «valor-padrão» genérico estabelecido pela UE.
Para complicar ainda mais as coisas, não existem critérios universais para medir as emissões. Embora a UE disponha, ao abrigo do CELE, de um sistema sofisticado de contabilização do carbono para avaliar o cumprimento das normas, a metodologia utilizada calcula as emissões ao nível das instalações, e não dos produtos. A atribuição de emissões aos vários produtos fabricados numa determinada unidade é, no mínimo, pouco rigorosa.
Estas preocupações parecem não ter caído em saco roto. Em fevereiro de 2025, no âmbito do Pacto da Indústria Limpa, a Comissão Europeia publicou as alterações que foram introduzidas no MACF, as quais limitam a aplicação destas políticas às empresas que importam 50 toneladas ou mais dos bens, uma mudança que, segundo Bruxelas, vai excluir 90% dos importadores, abrangendo simultaneamente 99% das emissões aqui em causa. Assim, as empresas mais pequenas ficariam de fora, mantendo-se a aplicação do MACF às grandes empresas, que são responsáveis pela maioria das importações com grande intensidade de emissões.
Emissões dos transportes marítimos
Atualmente, o MACF não abrange as emissões indiretas associadas ao transporte de mercadorias, em grande medida porque essas emissões não faziam parte do CELE quando o MACF foi concebido e ganhou força de lei – com a notável exceção da aviação. A inclusão das emissões dos transportes no MACF teria sido inconsistente com a lógica por detrás desta política, segundo a qual os bens importados por ela abrangidos devem receber tratamento igual ao dos bens equivalentes produzidos na Europa.
Esta omissão, embora compreensível face às dificuldades de avaliação e verificação associadas ao transporte de mercadorias ao longo das cadeias de valor, faz com que uma importante fonte de emissões não seja taxada no mercado europeu do carbono. As emissões do transporte marítimo, em particular, são uma das maiores fontes de gases com efeito de estufa no sistema mundial de comércio – bem mais do que a aviação, cujas emissões são sobretudo atribuíveis aos voos de passageiros, e não tanto ao transporte de mercadorias. O transporte por navio abrange cerca de 80% das mercadorias transacionadas mundialmente, e as emissões associadas a esta atividade representam entre 2% e 3% das emissões totais anuais.
Em 2024 a União Europeia deu um passo importante no sentido de integrar as emissões associadas os transportes no âmbito do CELE, estendendo esta política às emissões geradas pelos grandes navios de carga. As empresas de navegação que efetuem viagens entre portos da UE são responsáveis por 100% das emissões geradas nessas viagens. Essa responsabilização é reduzida para 50% no caso de uma viagem entre um porto da UE e um porto estrangeiro (não importa qual o porto de origem nem qual o de destino), com o argumento de que deve ser dada ao país estrangeiro a hipótese de «decidir a ação adequada em relação à parte remanescente das emissões» – isto é, deve ser-lhe dada a possibilidade de arrecadar receitas com essas emissões através de um imposto sobre o carbono.
O alargamento do CELE para abranger mais produtos pode servir para rever o MACF no sentido de cobrir os restantes 50% das emissões atribuíveis ao transporte de mercadorias em grandes navios de carga de um país estrangeiro para a UE (desde que essas emissões não tenham sido já taxadas pelo governo do país exportador). Além disso, se o MACF vier a ser alargado para abranger produtos finais complexos maioritariamente compostos por bens abrangidos (por exemplo, o aço e o alumínio dos automóveis), então o MACF poderá ser aplicado às emissões associadas ao transporte marítimo dessas matérias-primas para o local onde os produtos finais são fabricados ou montados.
Isto poderá atingir, por exemplo, as emissões associadas ao transporte de alumínio russo para a China, que o utiliza para fabricar veículos elétricos e painéis solares, os quais, por sua vez, são depois vendidos no mercado europeu. Estas emissões deverão ser relativamente fáceis de aferir no caso dos bens primários, dada a existência de protocolos amplamente aceites para avaliar a intensidade das emissões dos combustíveis marítimos; alocar estas emissões a produtos com mais etapas de transformação será provavelmente mais difícil, mas esse é um problema que se coloca a todas as fontes de emissões, e não apenas aos transportes.
Normas e requisitos de due diligence nas importações que promovem uma atividade económica sustentável e com vantagens ambientais
A imposição de uma taxa sobre as emissões de carbono dos bens importados é apenas um instrumento para reduzir a pegada de carbono da cadeia de abastecimento europeia. Outro mecanismo, embora menos direto e com resultados mais difíceis de avaliar, é a restrição da importação de bens produzidos através de práticas, ou associados a práticas, que contribuam para as alterações climáticas e outros danos ambientais, como a perda de biodiversidade. Uma terceira abordagem, ainda menos direta, é a imposição do exercício de due diligence na cadeia de abastecimento e da apresentação de informações por parte dos agentes do setor privado envolvidos na importação ou revenda de produtos fabricados ou montados no estrangeiro, o que, em teoria, torna mais fácil para os consumidores e investidores distinguir e escolher bens e empresas com base no seu historial de sustentabilidade.
Nas duas últimas décadas, os decisores políticos europeus têm ido ao encontro destas políticas. No que respeita à restrição das importações, Bruxelas implementou um regulamento sobre os produtos não associados à desflorestação e um regulamento sobre emissões de metano. No que toca à due diligence, está em curso a implementação de novos requisitos para a sustentabilidade através das diretivas «Corporate Sustainability Due Diligence» (Due Diligence sobre a Sustentabilidade das Empresas) e «Corporate Social Responsibility» (Responsabilidade Social nas Empresas).
- Restrições às importações: regulamentação da desflorestação e das emissões de metano
O setor agrícola é um dos principais responsáveis pelas alterações climáticas, quer diretamente, através da utilização de fertilizantes e da emissão de metano pelo gado, quer indiretamente, através da transformação de florestas e outros reservatórios de carbono em pastagens e terras de cultivo. Há poucos governos que tenham tentado impor a taxação do carbono na atividade agrícola.
A recente tentativa, por parte da Nova Zelândia, de tributar as emissões agrícolas foi bloqueada por uma intensa reação política liderada pelo setor dos laticínios. Tendo em conta a natureza sensível dos assuntos agrícolas nas políticas europeias, é difícil imaginar os líderes europeus a seguirem em massa os passos de Wellington, embora a Dinamarca esteja neste momento a criar um imposto sobre as emissões do gado. Para mais, enquanto se mantiverem foram da alçada do CELE da UE, as emissões agrícolas ficarão igualmente arredadas do MACF.
Isto não significa que os decisores políticos europeus se tenham furtado a tomar medidas para reduzir a intensidade de carbono nos produtos agrícolas que utilizam e consomem. Dentro da União Europeia, Bruxelas e os governos nacionais têm promovido a descarbonização da agricultura através de instrumentos não relacionados com os preços, como a regulamentação e o apoio financeiro a práticas agrícolas sustentáveis. No entanto, estas ferramentas não se prestam a reduzir facilmente as emissões associadas aos bens importados. Entre outras dificuldades, a jurisprudência da OMC é muito cética em relação a medidas regulatórias que pareçam impor um determinado regime regulamentar a parceiros comerciais situados noutros territórios.
Apesar destes obstáculos, Bruxelas já tomou medidas para diminuir a exposição europeia a uma das práticas agrícolas com maiores responsabilidades nas alterações climáticas e geradora de outros problemas ambientais, como a perda de biodiversidade e a desertificação: a desflorestação. Em 2023, a UE adotou um regulamento para promover os produtos não associados à desflorestação (em inglês, EUDR). O EUDR proíbe a importação de bens como o cacau, o gado, a soja, a madeira, a borracha e o óleo de palma, além de produtos derivados, como o mobiliário e o couro, se forem produzidos ou criados em terras submetidas à desflorestação. Também impõe requisitos de due diligence às empresas envolvidas na importação destes produtos para o mercado europeu, avaliados com base no nível de risco de desflorestação no país exportador: baixo, normal ou alto.
Na sequência da resistência levantada por empresas e países exportadores, no início de 2025 a Comissão Europeia adiou a aplicação do EUDR: as grandes empresas dispõem agora de mais um ano e as mais pequenas de mais oito meses. A UE anunciou também que a maioria dos países vai obter a classificação de «baixo risco», num sistema de classificação que visa diminuir os impactos negativos do regulamento. Algumas economias emergentes, incluindo o Brasil, a Malásia, a Indonésia e a Índia, argumentaram que a lei é uma barreira comercial discriminatória que tem como alvo as suas economias e que mina as suas soberanias nacionais ao impor normas ambientais externas. Dentro da UE, houve igualmente alguns políticos e grupos industriais que expressaram preocupações ou pediram adiamentos, alertando para o impacto do regulamento entre os agricultores europeus, a quem o EUDR também se aplica, e para a complexidade dos requisitos de comunicação de dados impostos pela lei, os quais podem levar à escassez de produtos e à subida de preços.
Além do EUDR, a UE impôs regras destinadas a reduzir as emissões de metano com origem no setor energético. O regulamento da UE relativo ao metano, que entrou em vigor em agosto de 2024, exige que as empresas relevantes meçam e comuniquem as emissões de metano e monitorizem a existência fugas – por fim, proíbe, com poucas exceções, a queima e a libertação de metano para a atmosfera.
O regulamento também se aplica às importações e vai exigir que, a partir de 2027, as empresas importadoras de petróleo e de combustível demonstrem que a suas cadeias de abastecimento tenham um nível de monitorização equivalente ao da UE. Pelo contrário, é provável que a administração Trump e o Congresso norte-americano revertam as taxas sobre o metano criadas pela Agência de Proteção Ambiental, a qual obriga os produtores sediados nos Estados Unidos a declararem as emissões de metano e impõe pagamentos caso não as diminuam.
Esta dinâmica pode significar que as exportações dos EUA, incluindo o gás natural liquefeito, incorram em custos acrescidos quando destinadas ao mercado europeu.
- Obrigatoriedade de due diligence: diretivas sobre due diligence das empresas em matéria de sustentabilidade e responsabilidade social
Além do EUDR, Bruxelas emitiu em 2024 uma importante diretiva em que dá aos Estados-membros instruções para realizarem, até 2026, a «due diligence das empresas em matéria de sustentabilidade» (em inglês, CSDDD) em algumas das empresas por eles reguladas. Entre os muitos requisitos desta diretiva conta-se o dever, por parte das empresas, de monitorizar as cadeias de abastecimento, identificando os seus eventuais impactos ambientais negativos. Segundo esta diretiva, esses impactos devem incluir as «emissões nocivas», o que, ao que parece, inclui os gases com efeito de estufa. Além da monitorização das cadeias de abastecimento, a diretiva também exige que as empresas abrangidas criem um «plano de transição» para assegurar a «compatibilidade entre o modelo de negócio e a estratégia da empresa, por um lado, e a transição para uma economia sustentável e que limite o aquecimento global a 1,5 ºC, por outro».
Significativamente, a diretiva só se aplica a empresas europeias com mais de mil trabalhadores e um volume de negócios anual de 450 milhões de euros a nível mundial, e a empresas não europeias com um volume de negócios anual de 450 milhões de euros no mercado europeu, o que exclui a grande maioria das empresas que operam ou vendem no continente.
Do mesmo modo, a diretiva europeia «Corporate Sustainability Reporting Directive» (Diretiva sobre Relatórios de Sustentabilidade Empresarial; em inglês, CSRD), que entrou em vigor no início de 2023, obriga as empresas – incluindo as multinacionais com filiais na UE – a divulgarem todos os seus dados relacionados com o clima, incluindo as emissões de âmbito 3, bem como outros indicadores ambientais, sociais e de gestão.
Face às preocupações relativas à competitividade, a Comissão Europeia tem analisado, entre outras alterações, a possibilidade de adotar legislação que adie a aplicação dos requisitos exigidos pelo CSDDD e pelo CSRD e que torne estes mecanismos menos rígidos. Provavelmente, essa legislação irá gerar polémica, com alguns Estados-membros a oporem-se às alterações e outros a exigirem recuos ainda mais significativos.
Incorporar normas e objetivos climáticos nas parcerias comerciais
Os acordos de comércio livre (ACL) incluem normalmente disposições relacionadas com a regulamentação e a gestão ambiental, que vão desde compromissos pouco ambiciosos, no âmbito da definição de normas básicas a aplicar a produtos, até a compromissos mais abrangentes, destinados a reforçar a aplicação de leis e regulamentos ambientais e a implementar acordos multilaterais para o ambiente.
No entanto, ao longo da história, o clima não tem ocupado um lugar de relevo entre as vertentes ambientais dos ACL, exceto, indiretamente, através de compromissos centrados em temas paralelos, como a eficiência energética, a desflorestação e a agricultura. Por exemplo, nenhum dos ACL dos Estados Unidos fazem referência ao clima ou ao Acordo de Paris, e o «Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership» (Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica), o maior ALC do mundo em termos de dimensão de mercado, também não. Os esforços para modernizar as regras de funcionamento da OMC no sentido de incentivar a ação climática têm ganho pouco ou nenhum impulso.
O reconhecimento de que o comércio contribui para as alterações climáticas levou alguns governos a explorarem formas de dar maior visibilidade à questão climática nas negociações em curso relativas a ALC ou de negociar expressamente parcerias comerciais em torno da transição para uma economia com baixas emissões de carbono. A Comissão Europeia, sob a presidência de Von der Leyen, expressou interesse em conciliar melhor os seus ACL e outras formas de cooperação comercial com as suas grandes ambições climáticas. A título de exemplo, a Comissão, numa comunicação de 2022, recomendou o uso dos ACL para ajudar os parceiros comerciais a cumprirem «os requisitos de sustentabilidade dos instrumentos autónomos da UE relacionados com o comércio», termos que remetem para o MACF, o EUDR e outras medidas unilaterais com impacto nos fluxos comerciais.
Na mesma comunicação, faz-se a intrigante sugestão de que Bruxelas aplique sanções comerciais como medida «em último recurso» para responder a «violações graves» dos compromissos ambientais assumidos nos ACL, incluindo os compromissos relacionados com o Acordo de Paris. Até à data, contudo, a Comissão nunca tentou impor sanções relacionadas com o afrouxar da ambição climática no contexto de um ACL.
Desde 2021, Bruxelas tem registado poucos progressos no que toca a incorporar o clima nas suas relações comerciais bilaterais ou multilaterais, nomeadamente através da inclusão de disposições a favor do clima nos seus ACL, mas também através da negociação de acordos comerciais minuciosamente concebidos para expandir os mercados dos produtos com baixas emissões de carbono e as tecnologias de energia limpa.
- Os acordos de comércio livre
Em 2021, os negociadores da UE concluíram um Acordo de Comércio e Cooperação (em inglês, TCA) com o Reino Unido, no qual se estabelece o compromisso conjunto de atingir as emissões líquidas nulas até 2050 e de incentivar a cooperação para o uso de energias renováveis e a aplicação de normas de eficiência energética. É de salientar que este acordo não obriga nenhuma das partes a cumprir políticas de descarbonização específicas, mas inclui disposições sobre a «não-regressão» que proíbem a diminuição dos níveis de proteção ambiental ou climática. Em 2022, Bruxelas assinou um ACL com a Nova Zelândia que incluía igualmente compromissos para atingir as emissões líquidas nulas até meados do século, a aplicação de menos barreiras comerciais aos produtos e serviços ecológicos e a promoção de parcerias para combater a desflorestação e incentivar a economia circular.
Em parte, as dimensões climáticas destes dois ACL refletem o facto de tanto o Reino Unido como a Nova Zelândia serem economias desenvolvidas, com elevados níveis de ambição climática e setores extrativos de pequena dimensão. No caso dos ACL firmados com países em desenvolvimento – sobretudo quando estes têm recursos fósseis e florestais abundantes –, será certamente mais difícil alcançar resultados climáticos positivos. Os termos da proposta de ACL entre a União Europeia e o Mercosul (conjunto de países com um mercado comum na América do Sul), que está agora, depois de 25 anos de negociações, em fase de apreciação pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho de Ministros, são bem elucidativos quanto a estas diferenças.
A versão preliminar do texto subscreve os compromissos do Acordo de Paris, define metas para diminuir a desflorestação e liberaliza o comércio de bens com capacidade para proteger as florestas; no entanto, não inclui normas ambientais sólidas e de cumprimento obrigatório, nomeadamente em matéria de desflorestação. Alguns críticos do acordo têm sugerido que as disposições segundo as quais Bruxelas teria de usar informações dos governos do Mercosul para verificar o cumprimento do EUDR fragilizam a integridade da regulamentação.
O ACL com o Mercosul pode ser um caso atípico, tendo em conta a complexidade das negociações, o número e a diversidade das economias envolvidas no acordo. Recentemente, os responsáveis europeus reiniciaram as negociações comerciais com a Índia e com a Malásia, um país exportador de petróleo densamente florestado que tem proferido fortes críticas ao EUDR. Se Bruxelas conseguir negociar um ACL com a Malásia no qual se incluam normas rígidas para combater as alterações climáticas e a desflorestação, ou um ACL com a Índia no qual se incluam compromissos climáticos e de cooperação em matéria de tecnologias limpas, então haverá um avanço significativo na implementação da agenda europeia para o comércio verde.
- Outros acordos comerciais
A União Europeia, além de vários países de outras regiões, está também empenhada em construir cadeias de abastecimento assentes em energia limpa, as quais – embora não haja um acordo comercial formal – poderão influenciar significativamente os fluxos comerciais através do alinhamento de políticas e do acesso a instrumentos de investimento e a subsídios internos. Por exemplo, a UE e o Japão têm procurado chegar a um acordo para a criação de regras de subsidiação comuns e para a aquisição de energias renováveis e de veículos elétricos. Ao alinharem os seus princípios em matéria de sustentabilidade e transparência, bem como as suas normas ambientais, os dois países podem tirar maior partido do seu poder comercial para, em conjunto, descentralizarem as suas cadeias de abastecimento de energia solar.
Para além de estipular normas para as aquisições, Bruxelas também aderiu, ao abrigo do Critical Raw Minerals Act (Lei para os Minerais Essenciais; em inglês, CRMA), a «parcerias» com 13 países ricos em recursos, com vista a assegurar, na próxima década, o abastecimento fiável de minerais essenciais, no contexto do aumento da procura mundial e europeia. Estas parcerias em torno dos minerais essenciais são instrumentos não vinculativos que visam facilitar e coordenar o investimento na extração e produção destes minérios, para abastecer o mercado europeu. As parcerias têm por objetivo cumprir o requisito do CRMA segundo o qual, pelo menos a partir de 2030, nenhum país possa, só por si, ser responsável por mais de 65% do consumo anual de qualquer mineral na UE.
Finalmente, é importante referir que a UE também procurou, sem sucesso, fazer vários acordos com a administração Biden relativos às cadeias de abastecimento. Por exemplo, a UE tentou estabelecer um acordo com os Estados Unidos sobre minerais essenciais que teria alargado o acesso ao crédito fiscal para veículos limpos, previsto no Inflation Reduction Act, aos minerais essenciais e a alguns componentes da cadeia de abastecimento provenientes da UE. Da mesma forma, os Estados Unidos e a UE procuraram chegar ao chamado Acordo Global sobre Aço e Alumínio Sustentáveis, que teria criado um mercado transatlântico protegido para o aço e o alumínio com baixas emissões de carbono.
Estas iniciativas pretendiam coordenar políticas para desenvolver cadeias de abastecimento verdes entre os EUA e a UE, que, de resto, não têm um acordo comercial que abranja toda a economia. Tanto uma como a outra ficaram paradas devido a divergências de fundo quanto à melhor forma de estruturar o acordo e às preocupações europeias sobre eventuais conflitos com o MACF – um reflexo das dificuldades, que há muito se fazem sentir, de alinhar as abordagens regulatórias dos EUA e da UE, evidenciadas de forma clara na recusa do ACL EUA-UE proposto pela administração Obama (o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento).
Numa perspetiva de futuro, Bruxelas, no âmbito do Pacto da Indústria Limpa, apela à Europa para que procure firmar «Parcerias para o Investimento e o Comércio Limpo», que serviriam como um complemento mais flexível e direcionado dos ACL. Tais acordos teriam em vista mitigar a dependência europeia nas cadeias de abastecimento e melhorar o acesso às matérias-primas.
Bruxelas, ao procurar um maior alinhamento entre a política comercial e a ambição climática, encontra-se em posição de alargar o horizonte dos projetos regulatórios e de definir novas fronteiras entre a vida económica e os interesses da sociedade e do mundo natural. Mesmo à luz dos critérios do efeito de Bruxelas, a experiência europeia no domínio do comércio verde revelou-se invulgarmente capaz de influenciar as normas globais, sobretudo ao validar a posição, outrora marginal, de que o sistema comercial deve, de forma consciente, ter em conta as preocupações climáticas.
Desde a promulgação do MACF da UE, o Reino Unido anunciou que vai implementar o seu próprio MACF. A Austrália pondera fazer o mesmo; o Canadá também implementou ajustamentos do carbono fronteiriço. No Congresso dos EUA, ambos os partidos têm interesse em adotar algum tipo de taxação do carbono, um facto extraordinário, tendo em conta a profunda hostilidade que os esforços para taxar o carbono a nível interno geraram no passado. De acordo com o Banco Mundial, desde que o MACF foi aprovado, vários países de rendimento médio, incluindo o Brasil, a Colômbia, a Turquia e o Chile, reforçaram ou introduziram mecanismos para a taxação do carbono. A inclusão das emissões do transporte marítimo no CELE também estimulou, após anos de inação, os membros da Organização Marítima Internacional no sentido de avançarem de forma credível para a adoção de uma taxa global sobre o carbono aplicada aos navios regulamentados.
O EUDR, a CSRD, e a CSDDD podem revelar-se igualmente influentes a longo prazo, embora se distingam do MACF em matérias fundamentais. Em particular, o cumprimento destas políticas implica um grau de subjetividade maior do que a mera taxação do carbono, e a sua aplicação eficaz exigirá a monitorização de cadeias de abastecimento intricadas, em várias jurisdições e com capacidades e estruturas de gestão muito variáveis. Perante estas dificuldades, não surpreende que Bruxelas tenha adiado a implementação do EUDR e da CSDDD, de forma a dar mais tempo às empresas e aos governos para se prepararem e a obter mais feedback prévio.
Contudo, a posição dianteira de Bruxelas em relação ao comércio verde não é uma história inequivocamente positiva. Tornar o comércio mais ecológico pode de facto ser vantajoso para UE, devido à sua liderança nas indústrias com baixas emissões de carbono, e impulsionar uma profunda descarbonização em setores em que essa redução é difícil, assim reforçando a liderança do bloco europeu em matérias de política ambiental. Em contrapartida, é provável que a transição provoque uma deslocalização económica, em especial nas indústrias que, sujeitas a uma regulamentação mais rígida das emissões de carbono, à medida que se extinguem as licenças gratuitas, enfrentam custos mais elevados. Além disso, sem subsídios à exportação ou sem que sejam estipulados mecanismos equivalentes de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras nos principais mercados, as indústrias europeias poderão ter dificuldade em competir a nível mundial, havendo o risco de fuga de carbono e comprometendo-se a eficácia geral da estratégia da UE para o comércio verde. Atualmente, para Bruxelas e outras capitais europeias, a resolução dos problemas de competitividade parece ser a principal motivação política.
Além disso, a UE terá de equilibrar estas políticas comerciais com a sua política geral em relação à China, que é simultaneamente um importante mercado de exportação para os fabricantes europeus e, cada vez mais, uma ameaça à segurança nacional europeia e à competitividade da indústria europeia a nível interno e externo. Bruxelas impôs taxas relativamente baixas sobre a importação de veículos elétricos chineses, numa tentativa de incentivar os fabricantes de automóveis chineses a produzirem e a abastecerem-se localmente no mercado europeu. É provável que tenha de impor barreiras comerciais semelhantes a outras tecnologias limpas chinesas, de modo a desenvolver indústrias europeias competitivas nesses setores, a atingir as metas de produção interna estipuladas no Net-Zero Industry Act (Regulamento para a Indústria com Emissões de Carbono Nulas) e a evitar uma dependência excessiva das cadeias de abastecimento estrangeiras. Estas iniciativas contarão com o apoio de um novo instrumento para a aplicação das normas comerciais, o Foreign Subsidies Regulation (Regulamento das Subvenções Estrangeiras), o qual incide sobre os subsídios que os governos estrangeiros concedem a empresas que operam no mercado europeu, distorcendo-o.
Por fim, a natureza unilateral (ou «autónoma») das medidas europeias para a promoção do comércio verde — o MACF e o EUDR — tem incomodado outros governos, sobretudo no Sul Global. Ao contrário de outras áreas políticas exclusivamente internas, ao longo da história, a política comercial tem sido considerada como um projeto de cooperação entre governos; a aplicação, por parte de Bruxelas, de medidas alfandegárias e de restrições à importação deu azo a acusações de «imperialismo regulatório». Aqueles que se opõem a tais políticas apelidam-nas de «protecionismo verde», e consideram que se trata de uma intrusão no soberano direito à regulamentação própria e uma violação do princípio fundamental do Acordo de Paris segundo o qual cada país pode determinar a sua forma de descarbonização.
É provável que as medidas da UE para o comércio verde agravem as já de si tensas relações comerciais com os Estados Unidos. Howard Lutnick, secretário norte-americano do Comércio, declarou que a administração Trump iria «ponderar a utilização de todos os instrumentos comerciais à sua disposição, incluindo as taxas aduaneiras», para contrapor à regulamentação ambiental da UE que afeta as empresas dos EUA.
Neste contexto, tendo em conta que os EUA se retiraram do sistema mundial de comércio – e, mais genericamente, rejeitaram o princípio da governação internacional neutra e alicerçada em regras –, a liderança da UE em matéria de clima e comércio torna-se ainda mais relevante. A este respeito, os responsáveis europeus podem dar por si numa corda bamba: se concederem isenções aos Estados Unidos para evitar medidas de retaliação, é provável que ofendam os outros parceiros comerciais da Europa, que exigirão o mesmo tipo de concessões. Ao mesmo tempo, as taxas alfandegárias punitivas que Trump ameaçou impor aos produtos da UE podem prejudicar a economia europeia, que já de si enfrenta dificuldades. Em última análise, Bruxelas não se pode dar ao luxo de implementar uma política comercial que afaste simultaneamente os Estados Unidos, a China e o Sul Global.
Dito isto, é provável que a Europa consiga tornar-se mais eficaz no sentido de tranquilizar os outros países e de descredibilizar as acusações segundo as quais é uma negociadora inflexível e arrogante. Por exemplo, Bruxelas pode definir claramente os requisitos necessários para obter a equivalência regulamentar, através dos quais os produtos e as empresas ao abrigo do MACF e do EUDR, entre outros mecanismos, ficariam isentos. É importante notar que, embora controversa, esta abordagem obriga a que a UE seja flexível relativamente aos países onde não há sistemas nacionais de taxação do carbono. Além disso, se for prestada assistência aos países que são obrigados a cumprir os novos requisitos regulamentares, é possível atenuar as suas objeções ou contestações.
Através das «Parcerias para o Investimento e o Comércio Limpo», a Europa pode conceber novos acordos comerciais que contemplem matérias preocupantes, como a fuga de carbono e a deslocalização da produção para países com normas climáticas mais permissivas, a melhoria do acesso a minerais e a minerais para a transição energética e o alinhamento dos mercados quanto à taxação das emissões de carbono e outros instrumentos comerciais. Em especial, pode abordar estas questões de forma menos unilateral do que o fez com o MACF da UE e outros regulamentos europeus, os quais suscitaram acusações entre os países do Sul Global, que os consideraram abusivos e atentatórios da soberania nacional. Tendo em conta que os EUA se retiraram da política climática e da liderança internacional, este é o momento certo para que a Europa assuma ela própria a liderança na criação de um instrumento comercial inovador que tire partido e incorpore o efeito de Bruxelas, assim descredibilizando e deixando para trás a sua recente reputação como bloco indeciso e economicamente frágil.
Torna-se cada vez mais importante que Bruxelas consiga alcançar este equilíbrio, tendo em conta que os Estados Unidos optaram por menosprezar o clima, tanto interna como externamente, e abandonaram as políticas comerciais que eram outrora estrategicamente aplicadas, optando antes por ameaçarem impor taxas generalizadas sobre os produtos provenientes seja de países aliados, seja de países adversários. Uma vez que é agora a única grande economia mundial ainda empenhada, na teoria e na prática, num comércio aberto e justo, a Europa encontra-se numa posição única para cultivar relações comerciais favoráveis que reforcem as cadeias de abastecimento limpas e para fomentar a adesão ao princípio de que o sistema mundial de comércio pode e deve fazer mais para enfrentar a ameaça existencial das alterações climáticas.


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