Trump e a ameaça inesperada de invadir a Nigéria
Nos Estados Unidos da América (EUA), o tema da Nigéria foi conquistando cada vez mais espaço nos media de direita ao longo do último ano. Chegou mesmo a ter visibilidade em espaços de opinião mais à esquerda, como o programa Real Time With Bill Maher, e acabou por se tornar uma política oficial do governo. A 31 de outubro, o presidente Donald Trump deu instruções ao seu governo para que a Nigéria fosse classificada como «país de alto risco» e, se necessário, para que fosse planeada uma intervenção de «armas em punho».
A razão invocada: o péssimo desempenho do governo nigeriano no que toca a proteger os «cristãos» no âmbito do combate ao banditismo, ao terrorismo e a outras causas de insegurança.
É verdade que se têm verificado atos de violência contra os cristãos na Nigéria. Porém, os cristãos não são as únicas vítimas, nem a intervenção militar dos EUA os ajudaria. A Nigéria — a maior democracia africana — é um país multiétnico e multirreligioso, sendo maioritariamente habitada por muçulmanos no norte e por cristãos no sul. Mas essa divisão não é assim tão linear. Na faixa central do país, muitas vezes descrita como fazendo parte do norte, há habitantes não muçulmanos. No sul, cristãos, muçulmanos e animistas vivem lado a lado.
Embora a grande maioria dos muçulmanos nigerianos conviva pacificamente com os seus vizinhos, desde há mais de uma década que o país enfrenta os ataques do Boko Haram, uma organização fundamentalista muçulmana.
A campanha mundial #BringBackOurGirls foi lançada nas redes sociais depois do sequestro de 276 estudantes do sexo feminino, com idades entre 16 e 18 anos, em abril de 2014, por militantes do Boko Haram no nordeste da Nigéria. Desde aproximadamente 2002, o Boko Haram atua no Chade, no Níger, nos Camarões e no Mali, mas também levou a cabo vários ataques armados no norte da Nigéria.
Há tensões entre muçulmanos e cristãos noutras regiões da Nigéria, as quais, porém, são impossíveis de separar dos muitos conflitos políticos que têm atormentado o país desde a independência. Durante várias décadas de ditadura, o norte, predominantemente muçulmano, gozou de maior poder no governo federal por via do seu peso entre os militares. (Este peso reforçado teve origem no primeiro golpe militar ocorrido após a independência, cujo alvo principal foram os políticos do norte, e no consequente receio de que a região fosse visada. Os jovens do norte alistaram-se e acabaram por assumir o controlo das forças armadas. Trata-se de um pecado original que também faz parte da narrativa dominante sobre quem é o vilão na história política da Nigéria.)
Contudo, num país com quase 240 milhões de habitantes, que inicialmente foram reunidos pelo colonialismo e que muitas vezes só se mantiveram juntos por via da força militar, é inevitável que haja tensões dolorosas — e a religião está longe de ser a única linha divisória. Nos últimos anos, entre as várias organizações violentas, destacam-se os Bakassi Boys, um grupo de vigilantes que atuava principalmente no sul do país; o Oodua People’s Congress (e, mais recentemente, o Àmọ̀tẹ́kùn, o seu braço armado); e a Eastern Security Network, uma organização paramilitar criada para implementar e fazer valer as aspirações de Nnamdi Kanu, fundador do movimento Povo Indígena do Biafra, um grupo separatista que pretende tornar independente uma parte do sudeste da Nigéria.
O petróleo existente no delta do rio Níger, que constitui a maior fatia das receitas externas da Nigéria, é um fator em muitas destas questões. Outro motivo é a fome e a corrupção na política que tem marcado grande parte da vida pública da Nigéria.
As manifestações realizadas em 2020 no âmbito do movimento «End SARS» — lideradas por jovens nigerianos que pretendiam acabar com a brutalidade policial, através da qual as agências governamentais normalmente oprimiam e extorquiam jovens cidadãos — terminaram com o uso da força por militares contra manifestantes desarmados, do qual resultou a morte de dezenas de pessoas. Também as eleições que levaram o presidente Bola Tinubu ao poder não foram isentas de vários tipos de violência, nomeadamente a violência étnica.
Outra fonte significativa de conflito são as alterações climáticas — um tema cuja existência, como é sabido, a administração Trump se recusa a admitir. A principal causa dos confrontos entre os pastores nómadas fulani (muitas vezes armados) e os agricultores locais (geralmente desarmados) na faixa central do país é, desde há longos anos, a escassez de pastagens resultante das alterações climáticas na região árida do norte, com a consequente incursão do gado em terras agrícolas privadas, originando confrontos violentos.
A religião, o dinheiro, as divisões regionais e a instabilidade política criaram uma situação explosiva, capaz de resultar numa crise prolongada. A intervenção dos EUA, em vez de resolver o problema, iria agravá-lo.
Têm-se verificado muitos episódios de violência contra as comunidades cristãs, quer recentemente quer ao longo da história; no entanto, o mesmo se pode dizer sobre os muçulmanos moderados, que, por serem uma ameaça tão séria para os fanáticos religiosos como os habitantes cristãos, são igualmente alvo de ataques. Compreensivelmente, algumas destas comunidades pediram ajuda ao exterior.
No estado de Plateau, na região central, por exemplo, o padre Ezekiel Dachomo denunciou muitos dos problemas que afetam a sua comunidade, incluindo um ataque recente, em 14 de outubro de 2025, na zona de Barkin Ladi, onde pelo menos 13 pessoas — todas elas cristãs — foram assassinadas. Depois de tentar, sem sucesso, que o governo federal levasse a sério os problemas de segurança que afligem aquele estado desde há muito, Dachomo apelou a uma intervenção internacional. (Eu próprio servi no Programa Nacional de Serviço Juvenil no estado de Plateau em 2005 e 2006 e testemunhei pessoalmente os confrontos entre agricultores locais e colonos fulani.)
Os fiéis das religiões tradicionais também não são poupados. Em outubro passado, verificou-se um caso, amplamente divulgado [nas redes sociais], no estado de Kwara, em que uma praticante de Yoruba foi assediada por clérigos islâmicos.
Portanto, sim, a intolerância e o extremismo estão profundamente enraizados no país e muitas vezes escondem outras questões importantes. E sim, o país tem vindo a autoinfligir uma série de golpes na sua imagem pública — foi o caso dos soldados nigerianos que, em novembro de 2023, tiraram fotos com Zakir Naik (um pregador indiano que foi expulso de vários países devido ao seu discurso de ódio e a supostas ligações ao terrorismo) e o da entrevista, na televisão nacional, a um porta-voz do Hamas em fevereiro de 2024, na qual este enalteceu o ataque perpetrado em outubro de 2023 contra Israel —, os quais podem dar a impressão de um país irresponsável.
Ainda assim, nada disso justifica uma invasão.
O que une todos os nigerianos, hoje, é o desejo de uma boa governação, de um custo de vida mais baixo e de maior segurança. Há dois anos, Tinubu, ex-governador do estado de Lagos e reconhecido reformador da economia, foi eleito presidente, tendo como vice-presidente um político do norte. Embora ambos sejam muçulmanos, conquistaram o voto de muitos cristãos, enquanto uma oposição profundamente fragmentada dispersou os seus votos.
Desde então, o presidente deu garantias públicas de transformação económica, adjudicou grandes projetos estatais e, em grande medida, estabilizou a moeda do país, o naira. Deu-se início ao funcionamento de uma nova refinaria privada de petróleo — detida por nigerianos — e, no final de outubro, foi instituída uma taxa alfandegária sobre as importações, com vista a viabilizar a produção local. Os cidadãos continuam à espera de obter vantagens tangíveis do novo mandato presidencial.
Os nigerianos também questionam se essas mudanças e as novas declarações de independência económica da Nigéria têm alguma relação com o recente interesse por parte dos Estados Unidos. Não faltam teorias da conspiração, sobretudo devido às reservas de matérias-primas da Nigéria e ao uso pela China das terras raras como instrumento de coerção económica contra os Estados Unidos.
A revogação — no final de outubro — do visto de Wole Soyinka, o primeiro africano a receber o Prémio Nobel da Literatura, deixou muitos nigerianos nervosos com as políticas dos EUA, que parecem cada vez mais impulsivas e, por vezes, racistas. (Só os fazendeiros brancos da África do Sul parecem estar livres das novas políticas de imigração radicais que Trump tem vindo a aplicar a todos os países do continente.)
Internamente, o clima político já estava tenso. Há cerca de uma semana, o presidente nigeriano demitiu e substituiu todos os chefes de estado-maior das forças armadas, por suspeita de uma tentativa frustrada de golpe, que apanhou o país de surpresa. Não há golpes no país desde o fim do regime militar, em 1999.
Com tanta coisa no ar, é difícil tirar uma conclusão informada sobre o que está a acontecer. O presidente dos EUA, porém, parece acreditar que compreende esta situação volátil e complexa. A incentivá-lo, estão políticos descontentes e com velhos ressentimentos, além do seu próprio secretário de Defesa — ou «secretário da Guerra» —, que se mostra ansioso por provar o seu valor em pelo menos um teatro de operações onde possa alcançar uma vitória.
Alguns dos argumentos destes atores políticos chegaram aos órgãos de comunicação social de direita através das redes sociais, das vozes de celebridades próximas de Trump, da esfera evangélica, de nigerianos com contas a ajustar com o Estado e de um aparente desejo, em Washington, de distrair o público da indignação com o papel que os EUA têm desempenhado na guerra em Gaza. (Bill Maher repetiu um argumento habitual entre a direita norte-americana, acusando os jovens americanos de protestarem contra Gaza, mas não contra os ataques aos cristãos nigerianos).
As vozes dos cristãos e dos muçulmanos nigerianos que foram vítimas do Boko Haram, bem como as de outras vítimas de violência (incluindo a violência exercida pelos exploradores ilegais dos recursos minerais do país), estão a ser abafadas por esta nuvem intervencionista, temendo agravar um ambiente já inflamado. Por outro lado, as teorias da conspiração sobre o interesse dos Estados Unidos na instabilidade da Nigéria continuam a proliferar.
Uma intervenção militar dos EUA seria desastrosa. Semearia a desconfiança, exacerbaria os conflitos, alimentaria as teorias da conspiração e não poria fim às revoltas no nordeste da Nigéria, as quais tendem a tirar partido da pobreza da região, do analfabetismo, do acesso a oportunidades de exploração ilegal de minérios, da desconfiança face ao governo central e das ligações a redes jihadistas mais amplas.
Muitos nigerianos preeminentes têm apelado a uma espécie de conferência nacional para debater a Constituição, com vista a negociar adequadamente a definição do Estado, fora dos parâmetros que lhe foram impostos pelos militares quando se retiraram do poder, em 1999.
Isto poderia resolver uma série de problemas, incluindo o desejo de autodeterminação de algumas regiões. Por outro lado, no passado, as aventuras militares de Washington — da Baía dos Porcos às invasões do Iraque e do Afeganistão — têm-se revelado em grande parte desastrosas. Uma intervenção prolongada dos EUA traduzir-se-ia em refugiados, perdas elevadas, mortes e destabilização da sub-região da África Ocidental.
Se a administração Trump realmente se importasse com os nigerianos, poderia impor sanções a líderes que promovam conflitos religiosos, confiscar fundos corruptos escondidos no estrangeiro e fornecer cooperação militar aos líderes da Nigéria, contribuindo para erradicar a insurreição armada sem vitimar civis.
O próprio governo da Nigéria tem muito a fazer para reconquistar a confiança dos seus cidadãos. Após décadas de negligência, corrupção e, por vezes, ostracização total, muitos setores da população sentem-se real e profundamente excluídos, e os cidadãos já não confiam nas forças armadas para garantir a sua segurança, em especial no norte do país. Caso o governo permita que a violência se agrave, também se agravará necessariamente a fragmentação do país. Quando estão em causa os alicerces da confiança e da unidade nacionais, as alternativas — mesmo vindas de demagogos estrangeiros — podem ser tentadoras.