O homem capaz de derrubar Orbán
Quando Péter Magyar chegou a Tapiobicske, uma aldeia pacata nos arredores de Budapeste, no dia 16 de maio, dezenas de pessoas reuniram-se na praça central para o receber. Houve quem lhe oferecesse flores, caixas de doces ou pálinka caseira, uma aguardente feita de frutas. Outros acenaram-lhe da janela e dos jardins, e os condutores gritaram palavras de incentivo a partir dos seus carros.
«Daqui a 11 meses, estaremos a viver num país completamente diferente, numa Hungria humana», gritou Magyar na praça. A pequena multidão aplaudiu entusiasticamente.
Era o terceiro dia do périplo de semana e meia, durante o qual Magyar foi de Budapeste a Oradea, uma cidade romena onde grande parte da população é húngara. Magyar tinha iniciado esta jornada de 298 quilómetros, realizada inteiramente a pé, num esforço para se ligar aos eleitores e angariar apoios antes das eleições parlamentares da Hungria, marcadas para abril de 2026, mesmo que isso implicasse ganhar algumas bolhas ao longo do caminho.
«Estamos a levar a mensagem de amor aos húngaros que vivem fora das nossas fronteiras, porque acreditamos que todos os húngaros são um só, quer vivam na Hungria, na bacia dos Cárpatos ou em qualquer outro lugar do mundo», explicou Magyar. «Não há direita ou esquerda, há apenas a Hungria.»
Ao promover a sua campanha pela união, de acordo com várias sondagens independentes, Magyar, um político de centro-direita e pró-Europa, ascendeu ao lugar de político mais popular da Hungria em apenas um ano — ultrapassando o primeiro-ministro Viktor Orbán, líder do partido Fidesz, que governa o país há 15 anos.
Antes de se tornar líder da oposição húngara, Magyar (apelido que significa «húngaro») pertencia ao Fidesz e desempenhava funções em empresas do Estado. Porém, depois de romper com o partido em 2024, o advogado de 44 anos prepara-se agora para as eleições decisivas de 2026.
Há muito em jogo para este país da Europa central com 9,6 milhões de habitantes. O governo de extrema-direita de Orbán desenvolveu laços estreitos com a Rússia e a China, criou uma elite económica corrupta e reprimiu a sociedade civil e a imprensa. O futuro da democracia na Hungria depende de Orbán permitir ou não a realização de eleições justas contra Magyar e de, caso venha a perder, abdicar ou não do poder.
«Até agora, tem sido uma batalha difícil... Na Hungria, toda a gente sabe disso», declarou Magyar à revista Foreign Policy. «Temos de ser melhores e entregarmo-nos a 130%.»
Magyar vê-se a si próprio como um político nato. Cresceu no elegante Distrito V de Budapeste, perto do Parlamento húngaro, numa família de figuras públicas. O seu avô, Pal Eross, foi juiz do Supremo Tribunal durante a era socialista e uma personalidade televisiva muito acarinhada; o seu tio-avô, Ferenc Madl, foi o terceiro presidente da Hungria.
No primeiro mandato de Orbán, iniciado em 1998, Magyar estudava na Universidade Católica de Pazmany Peter, em Budapeste. Depois de, em 2002, Orbán ter perdido para o Partido Socialista, a universidade tornou-se um refúgio para antigos responsáveis do Fidesz, recorda Sandor Laszlo Esik, advogado e autor de uma célebre plataforma independente sobre política húngara, também estudante em Pazmany, um ano abaixo de Magyar. Os jovens que haveriam de constituir a elite do Fidesz formaram-se nesta universidade — naquela época, «se lançasses uma pedra no campus, era provável que acertasses num ministro do Fidesz», disse Esik.
Depois de, em 2004, se terem licenciado, Magyar e Gergely Gulyas — seu amigo íntimo e hoje um alto quadro do Fidesz — aderiram ao partido. Dois anos depois, quando o Fidesz organizou manifestações em massa contra o Partido Socialista húngaro, então no poder, Magyar juntou-se a uma associação que prestava assistência jurídica gratuita às vítimas das agressões policiais.
As manifestações ajudaram a abrir caminho para o regresso do Fidesz ao poder, em 2010. Pouco antes das eleições, Magyar mudou-se com a família para Bruxelas, onde a sua mulher — e também colega no Fidesz —, Judit Varga, foi contratada como assistente do político húngaro Janos Ader no Parlamento Europeu. Magyar ficou em casa com o filho a seu cargo e, mais tarde, serviu como diplomata, supervisionando as relações entre o governo de Orbán e a UE.
O casal regressou à Hungria em 2018, pouco antes de Orbán nomear Varga como ministra da Justiça. Antes e durante o mandato de Varga, Magyar manteve-se como figura quase desconhecida na cena política do Fidesz, embora tenha sido nomeado para cargos de chefia no Banco de Desenvolvimento Húngaro e no Centro de Empréstimos para Estudantes, ambos detidos pelo governo. Com os três filhos a surgirem ocasionalmente no Facebook de Varga, o casal era visto como um modelo ideal de família pelo governo pró-natalidade de Orbán — até que, em 2023, anunciaram o divórcio.
Varga estava na calha para a liderança do Fidesz nas eleições europeias de 2024; no entanto, em fevereiro desse ano, acabou por abdicar da política na sequência de um escândalo revelado pelo 444, um portal noticioso independente húngaro: enquanto ministra da Justiça, Varga assinara o perdão presidencial de um homem acusado de encobrir os abusos sexuais perpetrados num orfanato gerido pelo Estado.
Pouco depois de Varga se afastar da política, Péter Magyar anunciou a sua demissão de todos os cargos que desempenhava em empresas públicas, acusando o Fidesz de usar a sua ex-mulher — a única mulher no governo de Orbán — como bode expiatório. «Não quero fazer parte de um sistema em que os verdadeiros responsáveis se escondem atrás das saias das mulheres», escreveu no Facebook.
No dia seguinte, numa entrevista ao Partizan — um canal independente no YouTube —, Magyar criticou duramente o governo do Fidesz, denunciando a corrupção dentro do partido e acusando os seus responsáveis de espionarem jornalistas.
Em seguida, aderiu ao Partido Respeito e Liberdade, ou Tisza, então pouco conhecido. O Tisza fora fundado em 2020 por um antigo membro do Fidesz, reunindo políticos dececionados tanto com a direita quanto com a esquerda húngaras. Em junho, apenas quatro meses depois de Magyar abandonar o Fidesz, o Tisza conquistou cerca de um terço dos votos da Hungria nas eleições europeias, com Magyar à frente da delegação do partido em Bruxelas. O Fidesz obteve 45% dos votos, abaixo dos 52% de 2019.
Os resultados das eleições europeias deram um forte sinal de que a popularidade de Magyar estava a crescer. E, desde então, a sua base eleitoral aumentou ainda mais. Embora as instituições ligadas ao governo — como o Centro para os Direitos Fundamentais e o Instituto Nezopont — continuem a prever uma forte liderança do Fidesz, outras entidades independentes têm revelado que as sondagens colocam sistematicamente o Tisza à frente do partido no poder.
Uma sondagem realizada em outubro pelo 21 Research Center, um think tank sediado em Budapeste, por exemplo, atribui ao Tisza mais 7 pontos percentuais do que o Fidesz. Esta vantagem traduzir-se-ia em cerca de mais 500 000 votos para o Tisza do que para o Fidesz nas eleições gerais — «o maior avanço alguma vez registado» face ao Fidesz, afirmou Daniel Rona, cientista político e diretor do 21 Research.
Segundo alguns analistas independentes, no início de Novembro, numa celebração do aniversário da revolução falhada de 1956 contra o domínio soviético, Magyar atraiu 170 000 pessoas para as ruas de Budapeste — o dobro do número de pessoas que Orbán congregou na sua «marcha pela paz» desse mesmo dia. O Fidesz anunciou que a marcha organizada pelo governo atraíra uma multidão muito maior do que a do Tisza, mas sem apresentar evidências nem informações detalhadas.
A popularidade de Magyar beneficia da situação económica cada vez pior e da crise do custo de vida na Hungria, afirmou Rona. Entre 2022 e 2024, o país registou uma das taxas de inflação mais elevadas da UE. Embora tenha tentado conter a inflação através do congelamento da margem de lucro em bens alimentares e artigos domésticos, o governo do Fidesz não conseguiu compensar os milhares de milhões de euros de subsídios europeus que, devido a preocupações com o incumprimento dos princípios do Estado de direito, foram bloqueados pela UE desde 2021.
«A crise económica também está a afetar os eleitores do Fidesz», defendeu Peter Marki-Zay, presidente da câmara da cidade de Hodmezovasarhely e fundador do Partido Popular da Hungria de Todos, um partido de oposição de centro-direita.
Nas últimas eleições gerais da Hungria, em 2022, Marki-Zay liderou a coligação que se candidatou contra Orbán. Os seis partidos da coligação, num espectro entre a direita e o liberalismo, obtiveram apenas 28% dos assentos parlamentares, enquanto a coligação conservadora Fidesz–Partido Popular Democrata Cristão garantiu uma maioria de dois terços.
O Tisza, entretanto, atraiu eleitores de todos os partidos da oposição, levando vários políticos da oposição, como Marki-Zay, a manifestarem o seu apoio a Magyar. «Interessa-me que alguém substitua o governo mais corrupto e ditatorial da história da Hungria — e que o responsabilize», declarou Marki-Zay. «Magyar e o Tisza são quem têm mais probabilidades de conquistar a maioria parlamentar, necessária para promover as mudanças de que o país precisa.»
Magyar prometeu proteger a Hungria da imigração ilegal e manter o programa de apoio às famílias criado pelo Fidesz, o qual oferece empréstimos em condições especiais e benefícios fiscais às famílias numerosas. No entanto, a campanha do Tisza anunciou que iria investir em habitação social, educação e saúde, áreas que, em larga medida, têm sido descuradas pelo Fidesz; aprofundar laços com a UE; restabelecer um regime fiscal específico para trabalhadores independentes; e repor a liberdade académica e de imprensa.
Ao articular meticulosamente valores conservadores e liberais, Magyar tem-se abstido de abordar temas controversos, como os direitos LGBTQ+, advogando acima de tudo a união entre todos cidadãos. Por outro lado, prometeu que iria criar um Gabinete Nacional de Proteção e Recuperação de Ativos, com vista a recuperar os fundos que, segundo ele, o governo «roubou».
Ao contrário de outros adversários de Orbán, Magyar conseguiu conquistar popularidade nas zonas rurais e entre os eleitores de direita. Esse apoio foi-se alargando à medida que percorria o país, vez após vez, nomeadamente no périplo que realizou a pé em maio passado.
No terceiro dia dessa caminhada, umas quantas dezenas de húngaros juntaram-se a Magyar, acompanhando-o rumo a Tapiobicske.
Daniel Mate, um operário de 28 anos, tirou o dia de folga para poder participar nessa etapa da viagem. Na sua opinião, a caminhada era uma boa maneira pacífica de responder à retórica agressiva do Fidesz. Entre os apoiantes, contaram-se também Gabriella Dencsne, uma ex-professora de 68 anos que explicou ter sido atraída pela promessa, lançada pelo Tisza, de financiar a educação, e um casal, ambos de 74 anos, que partiu de Budapeste decidido, apesar dos problemas de saúde, a expressar o seu apoio. (O casal preferiu manter o anonimato, para evitar críticas por parte da comunidade onde reside.) Embora ambos os elementos do casal tivessem votado na esquerda ao longo de toda a vida, concluíram que o Tisza era a melhor oportunidade de mudança para a Hungria.
«Nasci numa ditadura. Não quero morrer noutra», desabafou um homem de 73 anos que pediu para manter o anonimato, para proteger a sua privacidade. Sentado a uma mesa de café na praça de uma aldeia que fazia parte do roteiro da comitiva, aguardava a chegada de Magyar. A alimentação e o alojamento necessários para o périplo de Magyar foram inteiramente fornecidos por eleitores locais. De facto, o Tisza dispõe de um orçamento de campanha reduzido e por isso depende muito da boa vontade e da coordenação dos seus apoiantes.
«Somos uma organização enxuta, formada por jovens patriotas», disse Magyar à Foreign Policy durante a caminhada. E comparou seus apoiantes aos húngaros que, no século xvi, lutaram contra um exército otomano muito maior. «Entre nós há jovens e idosos, cidadãos de Budapeste, das zonas rurais, que vivem no país ou no estrangeiro, que lutam pela sua terra natal e pelo futuro dos seus filhos e netos.»
Pelo contrário, acusou, o governo «não trabalha para o país». «Eles só querem preservar a riqueza e o poder que roubaram.»
Apesar de usufruir de um apoio alargado, Magyar enfrenta uma batalha difícil contra o Fidesz. Ao longo de 15 anos consecutivos no poder, Orbán reforçou o seu domínio sobre o país, reorganizando os distritos eleitorais a favor do seu regime, exercendo um maior controlo sobre as instituições públicas e os órgãos de comunicação social e esvaziando o poder judicial do país. Todas estas táticas, entre várias outras, produziram um sistema eleitoral que as instituições internacionais classificam como injusto.
Por outro lado, Magyar também não tem a tarimba de um político experiente. Nos primeiros meses de campanha, envolveu-se numa luta numa discoteca, que terá sido, segundo ele, iniciada por um provocador contratado pelo Fidesz. Noutro caso posterior, abandonou, furioso, uma entrevista de televisão a meio de uma discussão sobre a cobertura que o canal independente ATV fazia do Tisza. Esses episódios foram terreno fértil para as campanhas difamatórias lançadas pelos órgãos de comunicação social controlados pelo Fidesz, que apresentaram uma imagem narcisista e psicopata de Magyar, descrevendo-o como um vigarista à frente de uma equipa constituída por criminosos.
Desde que, em 2024, a ex-mulher o acusou de violência doméstica no casamento, os órgãos de comunicação favoráveis ao governo também têm retratado Magyar como um marido violento. Magyar negou sempre essas acusações, argumentando que Varga está a ser usada como arma de propaganda do governo. No entanto, admitiu que o casal «disse e escreveu coisas boas e coisas menos boas um ao outro» durante o relacionamento. Segundo um relatório policial de 2020, que foi verificado e divulgado por órgãos de comunicação independentes húngaros, registaram-se confrontos violentos entre o casal, com um polícia a declarar que se ouviu Varga dizendo «larga-me».
Veronika Kovesdi, investigadora do Centro de Ciências Sociais ELTE na área da comunicação social, acredita que «essas campanhas têm pouco ou nenhum efeito sobre os eleitores de Magyar». Em parte, isso deve-se, segundo Kovesdi, ao facto de Magyar usar as redes sociais de forma inteligente, partilhando fotografias sinceras de sua vida privada e notícias do partido, anunciando eventos e discutindo diretamente com políticos do Fidesz nas caixas de comentários. A sua presença consistente em todas as plataformas, observou ainda Kovesdi, permite-lhe moldar a narrativa em torno da sua candidatura.
Em abril, Magyar declarou estar convencido de que, antes das eleições de 2026, o Fidesz tentaria incriminá-lo através de táticas como a divulgação de vídeos sexuais gerados por inteligência artificial ou a implantação de drogas na sua casa. Embora nada disso tenha acontecido até à data, Rona, diretor da 21 Research, afirmou que «não descartaria a possibilidade» de o Fidesz tentar impedir Magyar de concorrer.
Por enquanto, contudo, os obstáculos enfrentados por Magyar são apenas burocráticos.
«Há uma possibilidade real de mudança de governo», observou Rona. «Mas creio que é demasiado cedo para declarar o fim do Fidesz. Eles têm todas as cartas na mão, todos os recursos e poder. [Orbán] dispõe de múltiplas opções e ainda falta muito tempo até às eleições.»
No entanto, Magyar acredita que vai ganhar: «É como a preparação para os Jogos Olímpicos. Se a pessoa não tiver por objetivo ganhar uma medalha de ouro, não vale a pena sequer começar.»
Nos próximos seis meses, Magyar pretende conquistar os antigos eleitores ou militantes do Fidesz que, como ele, estão desapontados com o governo. «Obviamente, é um processo longo até se concluir que, 20 ou mais anos depois, não se vai votar neles. Para mim, também foi», disse. «Mas é importante que as pessoas saibam que não estamos zangados com elas, estamos a lutar por elas também. Representaremos todos — incluindo aqueles que votam no Fidesz ou noutros partidos, ou aqueles que não votam.»
«Acredito que somos uma nação pacífica», afirmou Magyar durante a sua caminhada, gesticulando para as pessoas em seu redor. «Para a maioria de nós, isso é mais estimulante do que o ódio e a discórdia que o Fidesz representa.»