Direitos e Deveres
Uma pessoa que tenha sido vítima de um crime pode limitar-se a apresentar queixa, caso em que é designada de denunciante. Se quiser ter poderes que lhe permitam intervir directamente no andamento do processo, deve constituir-se assistente. Ao fazê-lo, assume uma posição de colaboração com o Ministério Público, entidade a quem compete investigar, deduzir acusação e sustentá-la efectivamente.
Em particular, o assistente tem os direitos de:
- intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que considere necessárias (mas não realizar, ele próprio, actos de investigação);
- deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de crimes particulares em sentido estrito, deduzir acusação mesmo que aquele a não deduza;
- interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo para tanto de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.
O assistente tem ainda outros direitos, com destaque para os relativos à fase de julgamento. Pode, nomeadamente, participar na audiência, fazer alegações no final desta através do seu advogado, pronunciar-se sobre os meios de prova, arrolar testemunhas e questionar directamente essas testemunhas e as arroladas pelo arguido.
A constituição de alguém como assistente implica o pagamento de taxa de justiça e obriga a ter advogado. Em princípio, só o ofendido pelo crime pode constituir-se assistente. Contudo, se se tratar de menor ou maior em situação de acompanhamento, quando a sentença que a decretou assim tenha determinado, o seu representante legal (por exemplo, o pai ou o acompanhante) pode tomar o seu lugar.
CRIM
O conteúdo desta página tem um fim meramente informativo. A Fundação Francisco Manuel dos Santos não presta apoio jurídico especializado. Para esse efeito deverá consultar profissionais na área jurídica.
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 6.º
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 32.º, n.º 7
Código de Processo Penal, artigos 68.º e seguintes; 316.º; 327.º; 345.º, n.º 2; 346.º; 347.º, n.º 1; 348.º; 360.º; 371.º, n.os 3 e 4
Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, artigo 23.º
Não.
Embora a lei não o diga expressamente, não é possível advogar em causa própria num processo penal. Os tribunais portugueses têm entendido que os poderes de um defensor não são compatíveis com o estatuto de arguido. A assistência por defensor é obrigatória em certos actos processuais de especial importância para os direitos do arguido e/ou para o desenrolar do processo, nomeadamente: os interrogatórios de arguido detido ou preso; o debate instrutório e a audiência (salvo se o processo não puder resultar numa sanção privativa da liberdade); a audiência de julgamento realizada na ausência do arguido (independentemente da sanção que puder ser aplicada); e a interposição de recursos. Nestes casos, se o arguido não tiver constituído defensor, o tribunal nomeia-lhe um.
O defensor tem o poder de exercer os direitos que a lei atribui ao arguido, excepto os que devam ser exercidos pessoalmente por este (como a renúncia a estar presente na audiência de julgamento ou a desistência do recurso). Em qualquer caso, o arguido pode anular o efeito dos actos realizados em seu nome pelo defensor, desde que o faça em declaração expressa anterior à decisão que deva recair sobre eles, isto é, antes de o tribunal decidir sobre aquilo que o advogado tiver requerido.
No processo penal português, só as autoridades podem realizar actos de investigação. Nem o arguido nem o assistente, ou respectivos defensores, podem investigar por si mesmos.
CRIM
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Convenção Europeia dos Direitos Humanos, artigo 6.º, n.º 3, c)
Constituição da República Portuguesa, artigo 32.º, n.º 3
Código de Processo Penal, artigos 61.º e seguintes; 300.º, n.º 3; 415.º, n.º 1
Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados), alterada pela Lei n.º 6/2024, de 19 de janeiro
Um mero suspeito não é um sujeito processual e, por isso, não tem direitos nem deveres processuais específicos.
Já a atribuição do estatuto de arguido a alguém (constituição de arguido) é um acto de elevada importância, pois significa que o Estado pretende investigar e, eventualmente, julgar um crime, com a inerente compressão de alguns direitos de uma determinada pessoa. Consequentemente, enquanto sujeito processual, essa pessoa fica sujeita a um conjunto de deveres que visam facilitar a administração da justiça e passa a beneficiar de um conjunto de direitos específicos que limitam os poderes das autoridades. Ou seja, um suspeito é constituído arguido para ser parte no processo e para que, por via dessa posição processual, lhe sejam aplicáveis direitos e deveres específicos.
A constituição de arguido pode ser realizada, conforme os casos, por um juiz, magistrado do Ministério Público ou órgão de polícia criminal. É obrigatória quando:
- for deduzida acusação ou requerida a fase de instrução contra certa pessoa;
- correndo inquérito contra uma pessoa e havendo suspeita fundada da prática de crime, ela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
- tenha de ser aplicada a alguém uma medida de coacção (por ex., a prisão preventiva, ou a proibição de contactar certas pessoas) ou de garantia patrimonial (por ex., a caução económica);
- uma pessoa for detida para ser julgada ou para ser presente a autoridade judiciária;
- for comunicado a uma pessoa um auto de notícia que a dá como autora de um crime, salvo se a notícia for manifestamente infundada;
- durante a inquirição de uma pessoa como testemunha, surgir contra ela suspeita de que cometeu um crime.
Por outro lado, qualquer pessoa suspeita da prática de um crime tem direito a ser constituída arguida quando forem realizadas diligências de investigação que a visem pessoalmente.
No momento da constituição como arguido, as autoridades devem informar o visado dos direitos que lhe assistem e, se necessário, explicar-lhe em que consistem. Entre eles, destacam-se os de: constituir defensor; estar presente nos actos processuais que lhe digam respeito; ser ouvido pelas autoridades; ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade; ser presumido inocente; apresentar provas; apresentar recurso de decisões que lhe sejam desfavoráveis; e não prestar declarações sobre os factos, sem que tal silêncio possa prejudicar a defesa.
Em contrapartida, o arguido passa a ter os seguintes deveres: comparecer perante as autoridades sempre que a lei o exigir e para isso tenha sido devidamente convocado; responder com verdade às perguntas feitas pelas autoridades competentes sobre a sua identidade; prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido; e sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e de garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente.
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Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, artigo 14.º
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 6.º
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.º
Constituição da República Portuguesa, artigo 32.º
Código de Processo Penal, artigos 57.º e seguintes
Não, a acusação não dá necessariamente lugar a um julgamento.
Se, no final do inquérito, for deduzida acusação pelo Ministério Público (ou pelo assistente nos crimes particulares), o arguido pode requerer a abertura da instrução. Esta fase do processo é presidida por um juiz, que decide se existem ou não indícios suficientes de que o arguido praticou o crime por que é acusado.
A instrução também pode ser requerida pelo assistente, nos crimes públicos e semipúblicos, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público tenha decidido não acusar.
Refira-se ainda que esta fase só pode ter lugar no processo comum, não nas formas menos solenes (processos sumário, abreviado e sumaríssimo).
Durante a fase de instrução, o juiz pratica todos os actos necessários para apurar se existem ou não indícios suficientes da prática do crime (por ex., inquirições de testemunhas). Há sempre um debate oral e contraditório, realizado perante o juiz, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado.
Findo o debate instrutório, se o juiz concluir que os referidos indícios existem, pronuncia o arguido e o processo segue para a fase de julgamento. Caso contrário, profere um despacho de não pronúncia.
Os despachos de pronúncia que confirmem acusações anteriormente deduzidas pelo Ministério Público são irrecorríveis, dado haver consenso entre as autoridades judiciárias quanto a dever levar-se o arguido a julgamento e aos factos pelos quais isso deve acontecer. Ao arguido, restará, então, a possibilidade de se defender na fase de julgamento.
Em todos os outros casos, as decisões instrutórias são susceptíveis de recurso — mesmo se houver consenso entre o Ministério Público e o juiz de instrução quanto a não dever levar-se o arguido a julgamento, pois de contrário o assistente veria negada uma última oportunidade de fazer valer a sua pretensão, o que de uma perspectiva de igualdade de armas entre acusação e defesa, se afiguraria difícil de justificar.
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Código de Processo Penal, artigos 286.º e seguintes; 399.º
Um princípio básico do direito penal e garantia essencial de imparcialidade é que todo o caso seja julgado pelo tribunal competente à data do crime, não por um tribunal escolhido após a sua prática.
A regra geral é o tribunal competente ser aquele em cuja circunscrição se consumou o crime, por razões que facilmente se entendem. Por um lado, é nessa área que se sente uma especial necessidade de julgar, e eventualmente de punir, o autor do crime. Por outro, é aí que a prova se obtém com maior facilidade.
Se o crime em causa envolver uma consumação por actos sucessivos ou reiterados (como pode suceder, por ex., no caso do lenocínio, que consiste em favorecer o exercício da prostituição por outrem) ou por um só acto prolongado no tempo (por ex., um sequestro), é competente o tribunal em cuja comarca tiver sido praticado o derradeiro acto ou a consumação do crime tiver terminado (no último crime referido, onde o sequestrado tiver recuperado a liberdade).
Na eventualidade de subsistirem dúvidas ou de ser de todo impossível determinar o tribunal competente segundo as regras referidas, a lei atribui competência ao tribunal da circunscrição onde primeiramente surgir notícia do crime. Tendo ocorrido crimes em diferentes áreas, poderá haver vários processos a correr nessas circunscrições.
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Constituição da República Portuguesa, art. 32.º, n.º 9;
Código de Processo Penal, arts. 19.º s.