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Imagem do vírus da varíola dos macacos, Mpox. Crédito: NIAD/Unsplash

«O Mpox é o maior vírus que afeta o ser humano»

Em Portugal, desde a deteção dos primeiros casos de Mpox, a 3 de maio de 2022, já foram confirmados mais de mil infetados. Trata-se, porém, da variante menos agressiva da varíola dos macacos. Vítor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, explica o que é este vírus, como é que se comporta e porque é que está a preocupar a OMS, que o decretou como uma emergência de saúde pública mundial. Tem «potencial pandémico», diz o especialista.
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O Mpox tem assustado a comunidade internacional. Acha que há razões para isso?

Sim, há razões para que a comunidade se preocupe, mas não que se assuste, especialmente as autoridades de Saúde Pública. Há sempre razões de preocupação quando há uma infeção que está localizada numa determinada área geográfica, que atinge de forma repetida um grande número de pessoas, dado que em qualquer altura pode, como resultado do movimento das pessoas e da possibilidade de transmissão inter-humana, ultrapassar a área geográfica onde se tem mantido circunscrita.

 

O que é que é, na realidade, a Mpox?

É uma doença infetocontagiosa causada pelo vírus Mpox ou da varíola dos macacos, como inicialmente foi designado, e que causa infeções, algumas graves.

 

Esse vírus tem alguma característica que destaque?

É um vírus de grande tamanho. É o maior vírus que infeta o ser humano, tem um genoma DNA envolvido por um invólucro ou envelope.

 

Qual é o aspeto do Mpox?

Tem sido descrito como tendo o aspeto de uma amora ou de um tijolo e tem um diâmetro de cerca de 300 nanómetros. Ou seja, tem o tamanho de um bilionésimo de um metro.

 

Como é que se transmite?

Transmite-se através de contacto direto  pele com pele ou com mucosas, com fluídos infetados de animais, podendo a transmissão ser feita de pessoa a pessoa, portanto inter-humana, ou de animal infetado para o homem. Pode também haver transmissão através de contacto indireto, como contacto com gotículas respiratórias ou contacto com roupas, superfícies contaminadas ou outros itens usados por alguém infetado.

 

Ou seja, o contato não tem de ser pele com pele…

Há estudos feitos, alguns publicados na revista «Lancet», em que se verificou existir contaminação nos locais onde estiveram as pessoas infetadas, por exemplo, nos mesmos quartos, nos hospitais. Um dos locais de maior risco é a maçaneta das portas.

 

Diz que se pode transmitir por gotículas respiratórias…

…pode-se transmitir, mas não fica em suspensão no ar.

 

Este vírus tem alguma semelhança com a Covid?

Não têm qualquer semelhança, nem no aspeto, nem na estrutura, nem na composição.

 

Quais as grandes diferenças com a Covid?

São vírus diferentes e que se transmitem por vias diferentes. O vírus que causa a Covid é um vírus respiratório, transmite-se quase exclusivamente por via respiratória. O Mpox, não. Este transmite-se por contacto próximo ou por contacto com itens de utilização comum que estejam infetados.

 

Uma das preocupações é que se possa tornar uma pandemia.  Este vírus tem potencial pandémico?

Sim tem potencial pandémico porque se transmite de pessoa a pessoa ainda que a transmissão seja autolimitada. Ou seja, o número de casos secundários a partir de um caso dá origem a um número reduzido de casos.

O Mpox tem potencial pandémico porque se transmite de pessoa a pessoa ainda que a transmissão seja autolimitada.
Presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia

O que provoca esta doença?

Esta doença na sua forma característica ou habitual provoca o aparecimento de vesículas na pele, que se propagam para outras áreas do corpo a partir do local de inoculação. A gravidade é muitas vezes calculada de acordo com o número de vesículas que surgirem na pele. Assim, pode haver formas que são ligeiras com poucas vesículas na pele, ou casos mais graves, com muitas vesículas na pele ou que se podem complicar quando outros órgãos são atingidos. Muitas vezes o aparecimento das vesiculas é precedida por um quadro febril com duração de poucos dias. Nos doentes que têm algum grau de imunossupressão – como, por exemplo, os doentes VIH, os que estão em tratamento de tumores, – as manifestações clínicas podem ser mais graves, com mais lesões ou com complicações.

 

E nas crianças tem impacto?

As crianças geralmente também têm manifestações clínicas mais graves.

 

Há várias estirpes deste vírus?

Há vários grupos de estirpes também chamadas clades que neste caso são duas: I e II. Dentro de cada grupo ainda há as subclades ou subgrupos, ou seja, Ia e Ib e IIa e IIb dentro do grupo I e do II, respetivamente.

 

O que as diferencia?

São diferentes em termos de genoma. Estes grupos e estes subgrupos distinguem-se através da comparação da sequência nucleotídica dos seus genomas que são comparados uns com os outros ou com a sequência de estirpes de referência, mas também têm estado associados com características patogénicas diferente. Havendo uns mais agressivos do que outros. Os que têm sido descritos como menos patogénicos ou menos agressivos são os dos estipes da clade ou do grupo II que circulam na região da Nigéria e que provocaram o grande número de casos que ocorreram em todo o mundo em 2022.

 

Portugal, desde 2022 e até final de julho desde ano, e segundo dados da DGS, foram notificados 1197 casos todos da clade B, ou seja, da menos agressiva. 

Esta clade B foi a que provocou o aumento do número de casos no ano de 2022 que ultrapassou a região onde circula normalmente que é a Nigéria. Disseminou-se para todo o mundo e provocou, na sua grande maioria, apenas casos de gravidade ligeira e moderada. Estava muito ligada a comportamentos sexuais.

 

E a estirpe mais agressiva qual é?

É a que agora gerou o alerta das autoridades de saúde e que vem da República Democrática do Congo, onde todos os anos são diagnosticados mil casos. Este vírus existe há muito tempo na República Democrática do Congo e nos países limítrofes, mas agora está a expandir-se e chegou à Europa, nomeadamente à Suécia, onde se registou o primeiro caso.

 

E em que se traduz essa gravidade?

Esta estirpe provoca infeções mais graves. Enquanto na outra as infeções são habitualmente mais ligeiras, com menor número de lesões cutâneas, nas infeções pelo vírus desta clade, as lesões são em regra sistémicas, portanto, atingem todos os aparelhos do organismo e dão um número grande de lesões a nível cutâneo.

 

E qual o impacto do vírus na República Democrática do Congo?

Este vírus, habitualmente, nas áreas endémicas na República Democrática do Congo, atinge fundamentalmente as crianças, que são aqueles indivíduos que habitualmente introduzem infeção no agregado familiar e infecta também os adultos que estão em contato com a criança.

 

Mas porque é que atinge tanto as crianças?

São especialmente atingidas as crianças e também as mães porque as crianças são as que estão mais expostas à aquisição da infeção. São elas quem adquirem a infeção no exterior através do contacto com animais infetados, roedores, macacos, etc, e a introduzem no agregado familiar. Por proximidade as mães são aquelas que dentro do agregado familiar são infetadas de seguida. Os adultos são menos infetados dado que alguns estão protegidos pela vacinação contra a varíola que foi administrada gratuitamente nas áreas endémicas até à década de setenta do século passado e que protege também contra o Mpox.

 

O primeiro caso humano de Mpox foi detetado em 1970 na República Democrática do Congo. É daí que vem a estirpe mais agressiva, que agora gerou o alerta das autoridades de saúde.
Presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia

Há ideia do que é que está a motivar este alastramento da doença, quer dentro do Congo quer fora?

Admite-se que haja mais animais infetados na selva, ou seja uma epizootia. Isto é, quanto mais animais houver infetados maior é a probabilidade de haver transmissão também para o homem e depois de haver também transmissão interhumana.

 

Este vírus tem elevada mortalidade?

A mortalidade tem sido descrita como baixa.     

 

Há ideia de quando é que foi o primeiro caso de Mpox?

Os primeiros casos de Mpox foram detetados no macaco em 1958 em animais em cativeiro na Dinamarca. O primeiro caso humano foi detetado em 1970 na República Democrática do Congo.

 

Como se trata a Mpox?

Nos casos ligeiros apenas com tratamento sintomático. Nos casos mais graves com medicamentos antivíricos.

 

Em Portugal foram vacinadas mais de 9 mil pessoas. A vacina que existe é eficaz?

A vacina que existe é eficaz e pode ser usada antes da exposição e também nas primeiras horas após a exposição ou contacto.

 

Porque é que este vírus começou por ser conhecido como «varíola dos macacos»?

Começou por ser conhecida assim porque os primeiros casos foram detetados em macacos e as lesões que apresentavam eram semelhantes às lesões que a varíola provocava no homem.

 

Aliás, o vírus Mpox tem semelhança com o vírus que provoca a varíola em humanos...

Estes vírus são da mesma família do que a varíola, logo são semelhantes.

 

Há ainda muitas incertezas quanto a este vírus?

Há incertezas em relação ao reservatório na natureza, ou seja, quais são os animais que o vírus infeta e quais são os animais responsáveis pela perpetuação da infeção e pela sua disseminação.

 

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