Cheias urbanas: que futuro queremos escolher?
As recentes cheias em Valência, um drama humano que a todos impactou, acionaram novos alertas sobre a nossa segurança face a um evento análogo.
As cheias urbanas têm causas distintas, despoletadas por processos naturais e responsabilidades humanas. A falta de clareza sobre o papel destes múltiplos fatores atrapalha a compreensão e, consequentemente, a possibilidade de uma resposta social e ambientalmente benéfica. Consequências de decisões humanas não podem ser legitimadas pelo «chapéu alterações climáticas» - algo muito em voga.
Quando um volume extremo de precipitação cai num reduzido intervalo de tempo, as áreas adjacentes ao leito principal das linhas de água inundam. A existência de floresta e zonas naturais com vegetação possibilita a interceção da água da chuva pelas folhagens, promovendo a infiltração e retenção, nos solos e subsolos, o que regulariza os processos hidrológicos.
Num território urbanizado com escassas ou inexistentes zonas verdes naturais, a água da chuva tem como única via a drenagem superficial. O escoamento em superfícies impermeabilizadas é extremamente rápido, principalmente quando há declives.
Como os sistemas de drenagem urbanos são dimensionados para chuvadas com frequência de ocorrência baixa ou média - nunca para eventos com um elevado período de retorno (p. ex., de 100 anos) - chuvadas invulgarmente intensas geram cheias e inundações.
Em zonas urbanas costeiras, os rios encaminham-se para o mar e estão sujeitos à influência das condições de maré, bem como a fenómenos atmosféricos que afetam o nível do mar. Estes retardam o escoamento fluvial, acentuando o alagamento das áreas a montante.
As zonas baixas de Lisboa, Oeiras, bem como de outros municípios na influência de estuários e zonas costeiras, foram das mais impactadas pelas cheias de dezembro de 2022.
De referir ainda dimensões operacionais com repercussões no impacto de cheias. Por exemplo, a manutenção e limpeza do sistema de drenagem e das ruas.
Os procedimentos de alerta, a informação atempada e a preparação da proteção civil e da população são relevantes. A velocidade de escoamento da chuva nas ruas, mesmo tendo a lâmina de água poucos centímetros de altura, pode causar a queda de um adulto – será este facto conhecido?
Decisões no âmbito do planeamento e gestão da ocupação do solo são as grandes responsáveis pela magnitude dos impactos dos eventos extremos de precipitação. Consequências gravíssimas como a perda de vidas humanas, além de danos ambientais e infraestruturais, e afetação de serviços críticos, devem urgentemente ser minimizados, através de medidas integradas e usando os melhores conhecimentos científicos e técnicos.
O conceito de cidades esponja apoia-se na preparação do território urbano para absorver e/ou reter a precipitação, removendo restrições ao fluxo natural da água.
A criação de bacias de retenção, distribuídas estrategicamente pela bacia hidrográfica, possibilita a retenção e retardamento do escoamento de parte do volume de precipitação.
De uma forma geral, todas as medidas alicerçadas em soluções de base natural, como o incremento de zonas verdes nas cidades e a (re)naturalização de rios, são fundamentais para devolver ao território o seu equilíbrio original, promovendo a resiliência a eventos extremos.
Estas soluções trazem ainda benefícios inestimáveis, como o aumento da biodiversidade e do bem-estar das populações. São, por isso, a direção apontada por documentos políticos, incluindo da União Europeia. A Natureza é a solução para diversos problemas globais da atualidade.