Combate à pobreza: uma profunda deceção
Para todos aqueles que ambicionam uma sociedade mais justa e solidária, os últimos dados oficiais conhecidos do combate à pobreza revelam-se uma profunda deceção.
Estes dados da realidade nacional, são os divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) realizado em 2023 e que retratam a distribuição do rendimento e o nível de pobreza monetária em 2022.
O que esses dados nos revelam é que a pobreza aumentou. Subiu 0,6 pontos percentuais (pp), passando de 16,4% em 2021 para 17,0% em 2022. Neste último ano, 1 milhão e 781 mil pessoas auferiam rendimentos abaixo da linha de pobreza.
Mais ainda, o agravamento da pobreza entre crianças e jovens foi mais expressivo do que no conjunto da população, passando a taxa de pobreza entre os menores de 18 anos de 18,5% para 20,7%. Em 2022, cerca de 346 mil crianças e jovens viviam em famílias pobres.
Aumentos significativos do nível de pobreza são igualmente visíveis em grupos particularmente vulneráveis da nossa sociedade. A taxa de pobreza das famílias monoparentais aumentou 3,2 pp, a dos desempregados de 3,3 pp e dos outros inativos 3,4 pp.
Em Portugal, os mais pobres, ficaram ainda mais pobres. A intensidade da pobreza, uma medida de quão pobres são os pobres, registou identicamente um incremento de 3,8 pp, passando de 21,7% para 25,6%, o maior crescimento dos últimos anos.
Dada a forma como definimos o limiar de pobreza, como uma percentagem do rendimento mediano, esta conjugação entre o agravamento da pobreza e da desigualdade não é de admirar. Entre 2021 e 2022 o rendimento médio equivalente das famílias subiu 9,2% o rendimento mediano teve um incremento de 7,4%, o mesmo valor registado para o acréscimo do limiar da pobreza.
Este crescimento assimétrico dos rendimentos explica o agravamento dos indicadores de desigualdade, mas também algum do aumento dos indicadores de pobreza. Não é por acaso que a Região de Lisboa, a região com maior nível de rendimento familiar, foi aquela que registou um maior agravamento da taxa de pobreza (4,3 pp).
A evolução destes indicadores nacionais agravou igualmente a posição relativa de Portugal no seio da União Europeia. No período 2021/2022, a taxa de pobreza do conjunto dos 27 países da UE decresceu 0,3 pp, fixando-se no último ano em 16,2%. Note-se que em 2021 Portugal apresentava um nível de pobreza ligeiramente inferior à da UE. O nível de desigualdade, medido pelo índice de Gini manteve-se inalterado.
Os últimos dados disponíveis evidenciam que Portugal é o 11º país com maior nível de pobreza no conjunto da União Europeia e o quarto país com maior nível de desigualdade medida pelo índice de Gini.
Os indicadores de privação material e social dão-nos informação complementar à obtida pelos indicadores de pobreza, ainda que a sua leitura deva ser feita com algum cuidado na medida em que os índices de pobreza se referem ao anterior inquérito (neste caso, 2022) e os indicadores de privação material ao próprio ano do inquérito (2023).
Entre 2022 e 2023 o indicador de privação material e social severa diminui ligeiramente, de 5,3% para 4,9%. No entanto, alguns dos itens mais relevantes dos indicadores de privação registaram um ligeiro agravamento.
A proporção de pessoas sem capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada próxima do valor mensal da linha de pobreza subiu de 29,9% para 30,5%. A percentagem de pessoas sem capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida subiu de 17,5% para 20,8%.
Em sentido contrário, outros indicadores revelaram um decréscimo do nível de privação como, por exemplo «a proporção de pessoas com atraso, motivado por dificuldades económicas, em algum dos pagamentos regulares» ou «a percentagem de famílias sem capacidade financeira para ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de dois em dois dias».
Por último, saliente-se também o agravamento da intensidade laboral muito reduzida. Este indicador, que reflete o afastamento total ou parcial dos indivíduos em idade ativa do mercado de trabalho, passou de 5,6% em 2021 para 6,3% em 2022.
Proceder a uma síntese dos resultados anteriores não é fácil, mas uma ideia parece emergir da leitura cruzada dos vários indicadores. Em 2022, Portugal não conseguiu diminuir a pobreza e a desigualdade como está consagrado na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza aprovada em 2021 e no Plano de Ação para o período 2022/25 dessa estratégia.
Claro que nem todos os indicadores são negativos. Nos últimos anos tem-se obtido resultados positivos no que concerne à pobreza dos idosos e na diminuição dos trabalhadores em situação de pobreza, por exemplo
A explicação deste comportamento negativo dos principais indicadores sociais em 2022 merece um estudo mais detalhado. Importa perceber, por exemplo, o impacto da desativação de algumas medidas excecionais implementadas no período da pandemia, o efeito da subida dos preços sobre os indicadores de privação ou a diminuição da eficácia das políticas sociais na redução da pobreza ocorrida em 2022.
Alguns destes dados estão disponíveis no Press Release da Pordata, que pode ser consultado aqui.