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Imagem do artigo sobre a CP27 de Sofia Guedes Vaz

«What happened in Sharm should not stay in Sharm»

Que balanço fazer da cimeira do clima que terminou em Sharm El Sheik, no Egipto? Em termos éticos, a criação de um Fundo que traz as perdas e danos para a mesa de forma tão explícita, é um avanço único, no tema da justiça climática, defende neste artigo a especialista em ambiente Sofia Guedes Vaz.
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Foi no Rio de Janeiro em 1992 que se desenhou a Convenção Quadro sobre alterações climáticas das Nações Unidas (UNFCCC) e a primeira COP (Conferência das Partes) aconteceu em Berlim, em 1995. Já vamos na 27ª COP, que este ano se realizou em Sharm El Sheik, Egipto. Será que há pessoas que seguiram as 27 edições nos últimos 30 anos?

Eu só segui nas três últimas edições, que foram sendo «todas iguais, todas diferentes» com avanços impercetíveis para a maioria dos comentadores, sempre focados nas parangonas das tensões existentes entre países desenvolvidos vs em vias de desenvolvimento, entre ativistas vs status quo, entre lobbyistas vs ativistas, entre países produtores de combustíveis fosseis vs os outros, entre países que ainda precisam mesmo de combustíveis fosseis vs os que conseguem fazer a transição energética de forma mais indolor.

A ciência e a tecnologia avançam e dão cada vez mais pistas, a política e governance produzem novos conceitos, novas formas de pensar nos desafios, e as empresas e os mecanismos financeiros também vão arranjando formas de se reinventar e adaptar de forma mais ou menos sincera. Mas praticamente tudo gira à volta do dinheiro. Quanto e como se quer dar, o que não se quer dar, o que se exige receber, o que se quer ganhar, o que não se quer deixar de ganhar. Essa roda não pára de girar e todos têm, de uma forma ou outra, razão. As discussões centram-se nos mecanismos que oleiam esta roda que apanha tantos pregos no caminho que está sempre a furar, abrandando o processo e exasperando o mundo que quer ação e implementação. 

Nas COP, praticamente tudo gira à volta do dinheiro. Quanto e o que se quer dar, o que não se quer dar, o que se exige receber, o que se quer ganhar, o que não se quer deixar de ganhar.

Às vezes parece que já tudo foi discutido. O que se espera de mais uma COP, da vigésima sétima ronda de negociação de 200 partes, rodeadas de uma imensidão de outros stakeholders (cerca de 35 000 participantes estiveram na COP27), que não têm lugar na mesa de negociações, mas não abdicam de se fazer ouvir, de se fazer sentir, de dizerem estamos aqui atentos ao que discutem e decidem.

E no fundo uma COP é isso, é uma dinâmica em que não há uma COP, mas várias a decorrer em simultâneo no mesmo espaço, com diferentes agendas, diferentes agentes, diferentes objetivos. Embora a visão seja comum – combate as alterações climáticas –, os óculos têm graduações diferentes.

No fundo, uma COP é uma dinâmica em que não há uma COP, mas várias a decorrer em simultâneo no mesmo espaço, com diferentes agendas, diferentes agentes, diferentes objetivos.

As cerca de 50 decisões oficiais (umas mais relevantes do que outras, umas a que só se acrescentou um parágrafo em relação à COP anterior, umas mais políticas, outras mais administrativas, mas todas representam compromissos) mostram a diversidade  do que é discutido e negociado até a última vírgula, em salas de negociação que ocupam as delegações oficiais de todas as partes, dias e por vezes noites.

Os compromissos passam de sala para sala, de discussão para discussão, e os votos para que determinada decisão seja aceite, pode depender de como se vota em outras salas. Há uma dinâmica especial em todo este processo mas a estrela desta COP foi sem dúvida, uma destas decisões que estabeleceu o Fundo de Perdas e Danos (Funding arrangements for responding to loss and damage associated with the adverse effects of climate change, including a focus on addressing loss and damage) que era pedido pelos países que mais sofrem com as alterações climáticas.

O tema não é novo, o Warsaw International Mechanism for Loss and Damage já vem da COP19, e na COP25 estabeleceu-se o Santiago Network que estava a dar-lhe ímpeto e tentar catalisar a ação. Mas depois das cheias do Paquistão, e de todos os impactes que se viram ao longo dos últimos anos provarem o quão Loss and Damage teria que avançar mais rapidamente, este fundo mostra compromisso para com os países mais vulneráveis.

A estrela desta COP foi sem dúvida, uma destas decisões que estabeleceu o Fundo de Perdas e Danos que era pedido pelos países que mais sofrem com as alterações climáticas

Em termos éticos, este Fundo, ao trazer as Perdas e Danos para a mesa de negociações de forma tão explícita, é um avanço único no tema da justiça climática. As alterações climáticas são, além de tudo o resto, uma verdadeira questão ética. A ética das alterações climáticas engloba questões de espaço (países mais e menos afetados, com mais ou menos responsabilidade e a assimetria entre quem causa e quem sofre), tempo (justiça intergeracional, ações hoje causam impacte no futuro, e também no passado) e biodiversidade (as alterações climáticas não afetam apenas seres humanos, afetam também os ecossistemas marinhos e terrestres com todas as suas espécies, dinâmicas e equilíbrios).

O Fundo agora estabelecido centra-se nas Perdas e Danos para os seres humanos, mas numa perspetiva de ética Ambiental, o próximo passo é que todas as espécies, todos os ecossistemas entrem também nesta equação. É por isso que as COP continuam a acontecer, para irmos dando passos (ou passinhos) em frente.

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