Alexei Navalny: mais uma morte anunciada
A morte de um político como Alexei Navalny, o principal opositor do regime ditatorial de Vladimir Putin, era daquelas notícias esperadas a qualquer momento. Mas havia sempre uma pequena esperança de que o político russo pudesse tornar-se numa espécie de Nelson Mandela, ativista sul-africano que passou 27 anos nas masmorras do regime do apartheid.
A atitude da ditadura de Putin para com as oposições ao regime é mais um exemplo evidente das palavras do filósofo do século XIX Pior Chaadaev, que lhe valeram o internamento forçado numa instituição psiquiátrica: «Por vezes, parece-me que a Rússia serve apenas para mostrar a todo o mundo como é que não se deve viver e o que não é preciso esperar».
No caso de Navalny, o ódio do carrasco para com a vítima era tal que o primeiro não conseguia pronunciar o nome do segundo, dando a entender que o líder da oposição não existia e que a sua importância política era nula.
Navalny, uma figura complexa
Com o desaparecimento de políticos deste nível, corre-se sempre o risco de retocar as suas biografias, quer no sentido da sua «demonização», quer da sua «beatificação». No caso de Alexei Navalny, vemo-nos perante uma figura complexa, que procura o seu próprio trilho político, reconhece os seus erros e avança.
Dizia-se «nacionalista cívico» e apoiou algumas das mais negras ações do Kremlin no campo da política externa. Apoiou a invasão da Geórgia pelas tropas russas em 2008 – considerou os militares «fantásticos» – defendeu o bloqueio total da Geórgia e apelou à expulsão de todos os cidadãos georgianos da Rússia.
Recorrendo à semelhança fonética entre as palavras georgianos e roedores, utilizava esta última para caracterizar os habitantes deste país do Cáucaso.
A posição de Navalny em relação à ocupação da Crimeia pelas tropas de Moscovo foi bastante ambígua. As suas declarações de que «a Crimeia não é uma sanduiche de mortadela para andar de mão em mão» e de que era necessário realizar nesse território «um novo referendo normal» foram recebidas pelos ucranianos como um sinal de apoio à política de Vladimir Putin.
Porém, é necessário acrescentar que Navalny reviu estas e outras posições. Por exemplo, a 24 de fevereiro de 2022, durante uma intervenção numa sessão do tribunal, frisou: «Eu sou contra esta guerra. Considero que esta guerra entre a Rússia e a Ucrânia foi desencadeada para esconder o roubo dos cidadãos da Rússia e afastar a sua atenção dos problemas, da situação interna do país e da degradação da economia».
«A Rússia Unida é o partido dos trafulhas e ladrões»
A carreira política de Navalny começou no partido democrático «Iabloko», em 2000, ano em que Putin foi eleito pela primeira vez como presidente da Rússia. Entre 2007 e 2011, participou em vários movimentos nacionalistas e foi nesse último ano que o adversário do regime lançou uma das mais populares expressões políticas no país: «A Rússia Unida é o partido dos trafulhas e ladrões», começando a publicar dados sobre a corrupção nas altas esferas do poder, incluindo no Kremlin.
Nessa altura, o ditador russo ainda permitia alguma ação das forças da oposição e, nas eleições municipais de 2013, Navalny conquista o segundo lugar com 27,24% dos votos, sendo ultrapassado apenas por Serguey Sobianin, representante da Rússia Unida.
Todavia, eram cada vez mais fortes os sinais do crescimento político de Navalny e Putin começou o trabalho para a sua neutralização com a ajuda dos tribunais e de atentados contra a sua vida. Manifestações organizadas por Navalny e outros opositores terminavam com a sua detenção e condenação a 15 dias de prisão.
A 20 de Agosto de 2020, o líder da oposição russa sentiu-se mal num voo da Sibéria para Moscovo, sendo salvo por médicos na Alemanha. Ainda em convalescença, decide desafiar Putin e regressa à Rússia sabendo que iria ser alvo de perseguições políticas. Foi imediatamente detido, sujeito a vários julgamentos e condenado a pesadas penas de prisão.
O seu destino ficou traçado quando acumulou condenações a 30 anos de cadeia e foi enviado para uma prisão de alta segurança numa região polar inóspita da Rússia, tornando-se claro que dificilmente sairia vivo deste desterro.
Quando a notícia da sua morte começou a chegar aos ouvidos dos russos, os monumentos às vítimas das repressões políticas na União Soviética transformaram-se em lugares de memória a Alexei Navalny. Não obstante as ameaças de prisão e repressões, alguns milhares de russos ousaram depor flores nesses monumentos; em apenas dois dias, o abaixo-assinado para que o cadáver seja entregue à família reuniu cerca de 70 mil assinaturas. Sinais que confirmam que, na Rússia, nem todos apoiam o regime de Putin.
Porém, a dificuldade consiste em reunir esse descontentamento. O sistema repressivo russo neutraliza ou mata todos aqueles que possam fazer sombra ao ditador – sejam eles liberais, como Navalny, ou nacionalistas, como Igor Guirkin, condenado a quatro anos de prisão por criticar a falta de eficácia militar na guerra contra a Ucrânia.
Alguns dos rostos mais conhecidos da oposição liberal a Putin – Ilya Iashin e Vladimir Kara-Murza Júnior – cumprem já pesadas penas de prisão, tendo este último sido alvo de envenenamento.
Se Boris Nadezhdin, o único candidato à presidência russa nas eleições de março, fosse autorizado a participar no escrutínio, poderia ser o catalisador do descontentamento. Mas o Kremlin não gosta de riscos.
Iúlia Navalnaya, viúva de Navalny, prometeu continuar a luta do marido. Mas vai contestar o regime de Putin a partir do estrangeiro e a sua mensagem chegará apenas a um pequeno punhado de russos, tendo o o Kremlin desencadeado já uma campanha de difamação contra Iúlia.
A única esperança é que no interior da elite dirigente russa surjam sérias divergências quanto à guerra na Ucrânia ou ao futuro político, económico e social da Rússia. Neste país, as mudanças radicais começam sempre nas cúpulas.