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Imagem de ficha elétrica da União Europeia

A União Europeia e a reação à invasão da Ucrânia

Como respondeu a União Europeia à invasão russa da Ucrânia? Num ano, os líderes europeus aprovaram dez pacotes de medidas económicas, financeiras, de apoio humanitário e militar. Pelo caminho, os países europeus tiveram de inverter o grau de dependência energética da Rússia e aceleraram os compromissos de despesa e investimento militar no quadro da OTAN, explica o especialista em assuntos europeus Nuno Sampaio.
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Durante décadas, a União Europeia (UE) fez jus ao seu propósito de contribuir de forma decisiva para a promoção da paz no continente europeu através da integração económica. A invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022 parece ser um marco no fim da pax europeia. Foi, pelo menos, o culminar de uma série de sinais de que a Europa não pode ignorar as rivalidades geopolíticas e as lutas de poder no mundo contemporâneo.

Passado um ano desde a invasão, como está a União Europeia a reagir e como se poderá adaptar num mundo em que a competição geopolítica está de regresso?

Na génese da integração europeia está a ideia de que a competição conflituosa entre as nações europeias pelo poder político, económico e social poderia ser ultrapassada pela cooperação e pela interdependência, em particular pela integração económica.  Este projeto que a Europa Ocidental tomou para si, também se tornou numa forma de estar e de ver o mundo.

Por isso, a linguagem e a mundividência do poder, em particular o militar, nunca foi a predileta das instituições europeias. Por outro lado, a configuração das instituições europeias não foi pensada para responder de forma rápida a um mundo de competição pelo poder, mas sim para assegurar equilíbrios e consensos.

Foi neste contexto histórico e institucional que a UE assistiu a um acontecimento  com tremendo impacto na ordem europeia. É certo que Rússia já tinha começado a desafiar essa mesma ordem em 2014. Mas a reação da UE à invasão de fevereiro de 2022 foi simultaneamente mais forte e de natureza diferente. Para além do reforço das sanções económicas e financeiras e do apoio humanitário, a UE adotou medidas de apoio militar sem precedentes na sua história. No espaço de um ano os líderes europeus chegaram a acordo sobre dez pacotes de medidas neste âmbito. Pelo caminho, e consequentemente, os países europeus tiveram de inverter o grau de dependência energética da Rússia e de acelerar os compromissos assumidos em termos de despesa e investimento militar no quadro da OTAN.

A maioria dos cidadãos europeus (56%) continua satisfeita com a resposta da União Europeia à invasão da Ucrânia, com valores que vão dos 79% em Portugal aos 37% da Grécia.

Um ator que desempenhou um papel fundamental na resposta e nas medidas adotadas pela União Europeia nos diversos domínios foi a Comissão Europeia (CE) e, em particular, a sua presidente Ursula von der Leyen. É certo que desde o início do seu mandato que Ursula von der Leyen anunciou uma Comissão geopolítica mas foi no seguimento dos acontecimentos de 2022 que essa intenção se tornou mais consequente.

Apesar das decisões caberem ao Conselho Europeu, desde o primeiro momento que a CE assumiu a iniciativa de apresentar propostas e de declarar publicamente o caminho que deveria ser seguido pela UE. Tal não deixou de causar tensão na arquitetura institucional da UE, mas foi fundamental para dar sentido de urgência ao processo de decisão e para estabelecer um interesse geral face à diversidade de interesses nacionais.

Um outro fator cuja influência importa sublinhar é a persistência do apoio das opiniões públicas europeias às medidas adotadas, denotando quer uma grande solidariedade em relação à Ucrânia, quer uma forte resistência aos efeitos, designadamente económicos e sociais, provocados pela guerra.

Em linha com estudos de opinião anteriores, os resultados do Eurobarómetro Standard publicados no final de fevereiro de 2023 demonstram que cidadãos da UE continuam a expressar uma forte solidariedade para com a Ucrânia: 91% dos inquiridos concordam com a prestação de auxílio humanitário e 88% são a favor do acolhimento na UE de refugiados da guerra. De igual modo, quer as sanções à Rússia quer o apoio financeiro à Ucrânia são apoiadas respetivamente por 74% e 77% dos inquiridos. E note-se que o financiamento para o fornecimento de equipamento militar é apoiado por 65%. É certo que na resposta à pergunta se no geral está satisfeito com a resposta da UE à invasão da Ucrânia há variações que vão desde os 79% que se dizem satisfeitos em Portugal aos 37% na Grécia. Mas, no geral, a maioria dos cidadãos europeus (56%) continua satisfeita com a resposta da União Europeia.  

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a União Europeia foi capaz de alcançar consensos e de tomar decisões inéditas, designadamente no domínio do apoio militar.

É certamente muito cedo para que se possa analisar em toda a sua extensão as consequências transformativas que a invasão da Ucrânia provocou na visão e no posicionamento geopolítico da União Europeia. Mas, uma primeira conclusão que podemos retirar da análise dos acontecimentos e da reação das instituições europeias e dos governos europeus é a de que a resposta da União Europeia no primeiro ano pós invasão superou em grande medida as expectativas, tendo em consideração quer a natureza do projeto europeu, quer a arquitetura institucional e o processo de decisão da União Europeia.

A União Europeia foi capaz de alcançar consensos e de tomar decisões inéditas, designadamente no domínio do apoio militar. Por outro lado, não foram apenas as instituições europeias e os governos nacionais que demonstraram capacidade de resposta. A reação das opiniões públicas, fundamental nas democracias, quer na solidariedade à Ucrânia, quer no apoio às medidas adotadas tem sido de enorme importância.

Em todo o caso, apesar das mudanças que observamos e de eventuais desenvolvimentos que possam confirmar e acentuar essas tendências de evolução da União Europeia, há dois elementos que não podem deixar de ser considerados. O primeiro dos quais é o de que a Aliança Atlântica é fundamental para a defesa da Europa e dos valores democráticos comungados nos dois lados do Atlântico. O reforço da capacidade militar da Europa, se quisermos, de uma maior autonomia na sua Defesa e Segurança não pode ser dissociado do contributo europeu no âmbito da OTAN, nem muito menos pode significar um caminho divergente entre a Europa e os Estados Unidos da América nesta matéria.

O outro elemento prende-se com a natureza da UE e a eterna tensão entre legitimidade e eficácia das decisões. A UE não é uma entidade política semelhante aos estados nacionais. Atingiu um nível de integração sem paralelo e há muito que ultrapassou as características de uma mera organização internacional, mas não é um Estado. Trata-se de uma união de democracias que para legitimar as suas decisões tem sempre de procurar equilíbrios entre o interesse geral e os interesses dos Estados-membros, principalmente quando se colocam questões de dimensão existencial. O quadro fundamental terá de continuar a ser o da partilha dos valores comuns de defesa da democracia e da dignidade humana, mas terá de ser sempre encontrada uma forma de equilíbrio entre a eficácia das decisões e a aceitação das mesmas pelos diversos Estados-membros. Ou seja, um certo intergovernamentalismo europeísta. Como se tem assistido no quadro da resposta da UE à invasão da Ucrânia, tal é uma tarefa muito difícil.  Mas não impossível.

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