Precisamos de mais reforço positivo na forma como interagimos com os nossos animais
As últimas décadas têm sido fantásticas para o mundo do comportamento animal. Antigamente prevalecia o dominar, o liderar e o subjugar dos animais com quem partilhamos o nosso tempo. Atualmente verificamos um exponencial crescimento de técnicas e procedimentos que se baseiam em compaixão e senso-comum, e temos uma disseminação dos princípios científicos envolvidos na modificação comportamental. No entanto, ainda não estamos lá! Estamos quase, mas ainda não estamos lá...
Em 2020, continuamos a ter cães a serem passeados com correntes estranguladoras. Continuamos a ter pseudo-especialistas não certificados a recomendar que as pessoas se relacionem com os cães como se fossem lobos (nós e eles). Nos gatos temos a bisnaga de água para corrigir comportamento que não nos agrada, mas que é absolutamente normal. E nos cavalos? Bem, nos cavalos continuamos a utilizar prioritariamente o reforço negativo. Treino com clicker para cavalos continua a ser uma verdadeira exceção. Que sortudos são esses cavalos...
Então o que é que necessitamos para que a revolução no mundo do treino continue e se torne absolutamente prevalecente? Precisamos de várias coisas. Uma medida que iria ajudar seria uma menor disseminação de métodos tradicionais e ultrapassados, como aqueles promovidos pelo “Encantador de cães”. Em vez disso, devemos focar-nos nos especialistas que utilizam os métodos mais positivos, menos intrusivos. Por exemplo, a Dra. Susan Friedman tem sido pioneira em promover a redução dos rótulos (ex. o cão rosna-me porque é dominante) como forma de modificar comportamento. Neste exemplo, é difícil perceber exatamente o que devemos fazer para modificar o comportamento. Adicionalmente, esta forma de pensar por vezes faz com que as pessoas procedam de modos que prejudicam o seu relacionamento com os animais. Por vezes, esses procedimentos incluem aversivos fortes e tornam a situação extremamente perigosa.
Em vez disso, de acordo com a Dra. Friedman, devemos descrever o comportamento de forma detalhada, bem como o seu antecedente e consequência (ex. quando me aproximo do cão com as mão esticadas e ele tem um osso, ele contrai os músculos, baixa a cabeça para junto do osso e rosna-me, o que faz com que eu me afaste dele). Alterando o antecedente e/ou a consequência conseguimos alterar o comportamento, sem danificar a nossa relação com o cão e sem correr riscos. Possivelmente, podemos alterar a forma como nos aproximamos, para ser mais calma e menos intrusiva. Possivelmente o cão irá continuar a interagir descontraidamente com o osso. Como consequência talvez podemos oferecer uma mão cheia de deliciosas guloseimas que o cão adora. Repetindo este procedimento várias vezes, possivelmente iremos ter um cão que vai começar a estar muito mais confortável com a nossa proximidade quando tem um osso. Mas talvez mais importante que tudo isto, precisamos de mais profissionais certificados para ajudar em situações como estas, que utilizam métodos humanos, científicos e modernos. Vamos esquecer essas tretas inventadas nos anos 60 sobre hierarquias e lutas por dominância.
Por fim, proponho que ignoremos esta modernice de agir como se tivéssemos um Doutoramento em bem-estar animal só porque vimos o documentário “Blackfish” no Netflix. Ou algum post nas redes sociais sobre esse tema... Na minha opinião, os cetáceos que vivem em instituições modernas e certificadas, de forma geral, vivem numa situação de bem-estar muito superior à esmagadora maioria dos cães e gatos que vivem com as pessoas que acham que dar a estas espécies cuidados humanos é inaceitável. Em vez disso, proponho olharmos para o fantástico trabalho do Ken Ramirez, que utiliza décadas de experiência para modificar comportamento animal (inclusive cetáceos) para salvar animais no selvagem. A forma como ele utiliza os conhecimentos adquiridos na conservação de espécies em ambiente natural (ex. elefantes, chimpanzés, tartarugas marinhas, etc.) é uma grande fonte de inspiração.
Precisamos de mais reforço positivo na forma como interagimos com os nossos animais. Precisamos de mais reforço positivo na forma como interagimos uns com os outros. Precisamos de dar toda a informação necessária àqueles com quem vivemos para que eles possam ter a oportunidade de demonstrar o comportamento que queremos ver. Precisamos de focar-nos no comportamento correto e não no incorreto. Precisamos de compaixão e bondade. Estamos quase, mas ainda não estamos lá. Mas estamos perto...
José Gomes é zookeeper no Zoo de Melbourne na Austrália e produtor de conteúdo na Train Me Please. As opiniões expressas são suas e não representam a opinião de nenhum dos locais onde já trabalhou.
O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.