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Imagem de uma serra em chamas, recortada no horizonte.

Incêndios florestais em Portugal: que futuro?

Porque é que o país continua a arder ano após ano? O geógrafo António Bento-Gonçalves faz uma radiografia do problema e dá soluções para a prevenção e combate aos fogos florestais em Portugal, que todos os anos parecem ser uma inevitabilidade.
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Incêndios florestais - Uma realidade global, com particular expressão em Portugal

 

Todos os anos são registados cerca de 2 milhões de incêndios florestais em todo o mundo, que queimam aproximadamente 3% da superfície terrestre.

No entanto, a maior percentagem da área queimada é causada por menos de 1% do total dos incêndios. São os chamados grandes (mega, giga, extremos, …) incêndios, que ocorrem frequentemente em condições meteorológicas extremas e apresentam caraterísticas extremas de comportamento do fogo, o que os torna muito intensos, rápidos, destruidores e resistentes à extinção.

As mudanças globais, numa época que vários autores apelidam de Antropoceno, com todas as alterações na população (número, dinâmicas, estrutura, …), bem como o aquecimento induzido pelos gases com efeito de estufa e as alterações no ciclo hidrológico, entre outras, têm contribuído para aumentar a frequência, dimensão e capacidade destruidora dos grandes incêndios florestais.

Portugal não só não é exceção, como tem sido um dos protagonistas desta realidade. Só no século XXI, o país destacou-se, pela negativa, nos anos de 2003, 2005, 2017 e 2024.

Com efeito, o nosso país sempre esteve e sempre estará sujeito a eventos «naturais» extremos, potencialmente causadores de vítimas e de elevados prejuízos (ambientais, económicos e sociais), especialmente no atual contexto de desregulação climática, advertindo o Programa Nacional da Política do Ordenamento do Território (Lei nº 99/2019 de 5 de setembro) para a necessidade do país ter que «estar mais preparado para eventos extremos, onde os riscos poderão ser acrescidos e onerosos … quer em áreas urbanas quer rurais».

O nosso país sempre estará sujeito a eventos «naturais» extremos, potencialmente causadores de vítimas e de elevados prejuízos.
Geógrafo e especialista em incêndios
Espaços florestais em Portugal: desordenados e sem gestão

 

Foi na década de 1960  quando as arborizações efetuadas no âmbito do Plano de Povoamento Florestal, tinham atingido ou estavam próximas de atingir a idade adulta, quando a Guerra Colonial e a intensa emigração originaram o despovoamento do interior de Portugal, e, com a redução dos recursos humanos e financeiros afetos ao sistema agroflorestal  que houve um profundo desinvestimento nos espaços silvestres acompanhado de um absentismo dos proprietários na gestão dos seus povoamentos florestais. Tudo isto abriu caminho para que as indústrias de celulose, comprando espaços e dinamizando o setor privado da prestação de serviços de arborização, facilmente seduzissem os proprietários privados com uma alternativa de rápida capitalização da terra.

A partir de 1981, no âmbito da criação de diversos fundos e programas, o Projeto Florestal Português/Banco Mundial, promoveu a plantação de eucalipto em larga escala e em ritmo mais intenso. A este seguiram-se diversos programas, com apoio da Comunidade Económica Europeia (CEE), para a arborização, rearborização e reconversão em floresta de terras agrícolas ou matos , que a partir de 1986 foram sendo implementados no nosso país, com destaque para o Programa de Ação Florestal.

Estas circunstâncias  – aliadas às caraterísticas geográficas de Portugal (clima, relevo, solos, …), onde o mundo rural sofreu uma profunda e rápida desestruturação foram cruciais para o aparecimento de extensas manchas de monoculturas, sem compartimentação e, principalmente, sem ordenamento ou gestão.

Tudo isto, como refere Stephen J. Pine, mostra que «mesmo triplicando o equipamento de combate a incêndios, já não se consegue parar o fogo, porque perdemos o controlo sobre a paisagem».

Tudo isto, como refere Stephen J. Pine, mostra que «mesmo triplicando o equipamento de combate a incêndios, já não se consegue parar o fogo, porque perdemos o controlo sobre a paisagem».
Os incêndios florestais em Portugal têm solução?

 

Portugal sempre teve (as evidencias mais antigas têm idade entre os 11 300 e os 11 400 anos a.p.) e sempre terá incêndios florestais. Conscientes disso, muito há a fazer para reduzir o número de ignições e, principalmente, as extensas áreas ardidas e todos os dramas a elas associados.

Antes de mais, tem de se ir à raiz dos múltiplos e variados problemas, evitando as habituais explicações fáceis, como os «incendiários», os «madeireiros», os «pastores», as «mudanças climáticas», que, não devendo ser negligenciados, muitas vezes são uma desculpa para nada ser feito, ou para apenas vislumbramos a «espuma» dos problemas.

Assim, sem sermos minimamente exaustivos, nem tocar em todas as questões, deixamos aqui algumas sugestões:

Prevenção:
  •               Ignições criminosas (aqui entendidas como aquelas que resultam da vontade objetiva de causar um incêndio florestal): realizar uma profunda reflexão sobre a legislação e os recursos disponíveis, para que as autoridades possam melhorar os processos de identificação, não apenas de quem coloca o fogo, mas também, e principalmente, das eventuais «mãos por detrás do arbusto» (quem ordena a queima).
  •               Ignições negligentes: criar e implementar um (verdadeiro) programa nacional de educação para o risco de incêndio florestal, preparado, implementado e monitorizado por especialistas em educação, psicologia, sociologia, geografia, engenharia florestal, … É igualmente imperioso incentivar, promover e reforçar o programa nacional de fogo controlado, para que se possa, efetivamente, suprir as necessidades do mundo rural em termos de renovação de pastos.
  •               Cadastro simplificado: criar novos incentivos que permitam acelerar o processo de cadastro, para que se possa conhecer as propriedades e os proprietários dos «11.515.368 prédios rústicos no país. (valor que consta no relatório do Grupo de trabalho para a propriedade rústica, 2022).
  •               Heranças indivisas: legislar no sentido de agilizar a resolução dos conflitos dos «3.403.148 prédios rústicos em heranças indivisas».
  •               Gestão florestal: criar mecanismos financeiros para premiar os proprietários que procedam à gestão dos seus povoamentos florestais, premiando, igualmente, os serviços ecossistémicos.
  •               Competitividade da floresta: criar estratégias e mecanismos financeiros que contrariem a perda de competitividade da floresta em Portugal e potenciem a sua gestão sustentável. Esta gestão tem custos muito elevados, no entanto, justificados pelo elevado risco de incêndio a que estão sujeitas e pela importância social e económica dos bens e serviços fornecidos.
  •               Área de descontinuidade de combustível: criar mecanismos financeiros e condições técnicas para a criação de faixas de descontinuidade de combustível (diferente das pouco eficazes faixas de gestão de combustíveis) e para a compensação financeira dos proprietários dos terrenos afetados.
  •               Valorização de biomassa: monitorizar e avaliar o real impacte das centrais de valorização de biomassa na redução e gestão dos combustíveis, na erosão dos solos e na ocorrência e propagação dos incêndios.
  •               Qualificação profissional: criar e oferecer microcredenciações.
  •               Certificação de vendas: promover, juntamente com as Associações de produtores florestais, certificação do material lenhoso vendido.
É preciso criar novos incentivos para acelerar o processo de cadastro simplificado, de forma a conhecer as propriedades e os proprietários dos «11.515.368 prédios rústicos» no país.
Especialista em incêndios
Combate
  •               Proceder a uma profunda reflexão, serena e sem demagogias, envolvendo os diferentes atores, que aborde alguns dos temas «tabus», como a profissionalização dos bombeiros, os meios aéreos, a organização da  Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) em sub-regiões, a incorporação do conhecimento nas decisões operacionais, a importância do patamar local na Proteção Civil, a criação de uma escola superior de bombeiros, …

 

Pós-incêndio
  • Criar planos municipais pós-incêndios, que permitam implementar muito rapidamente, não só as medidas de reabilitação e de restauro, mas principalmente as medidas de estabilização de emergência, que visam controlar a erosão em áreas percorridas por incêndios. Soluções como, por exemplo, espalhar palha nas áreas ardidas mais declivosas, construir barreiras de troncos (muitas vezes com as próprias árvores queimadas) ou ramos ao longo das curvas de nível ou barragens de retenção nas linhas de água, … . Estas medidas visam, não só proteger as povoações, casas isoladas ou infraestruturas antrópicas que se situam a jusante das áreas ardidas, mas também, reter o solo nas áreas montanhosas.

 

Com este pequeno texto ficaram muitas áreas por abordar, ou apenas o foram muito superficialmente. No entanto, no atual contexto de mudanças climáticas e num país sem grande cultura de autoproteção, onde, ao contrário da sabedoria popular, se continua a remediar em vez de prevenir, é imprescindível refletir e promover discussões que permitam reduzir as múltiplas e variadas vulnerabilidades da floresta em Portugal.

 

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