A
A
O fogo e a paisagem em Portugal

O fogo e a paisagem em Portugal

«O fogo é um velho companheiro de evolução da humanidade que sempre esteve presente nos sistemas e sempre foi usado pelo homem, mas que nas últimas décadas adquiriu características diferentes, em resposta às mudanças de paisagem que ocorreram e em resposta a alterações económicas e sociais». Neste artigo, Henrique Pereira dos Santos escreve sobre o peso dos fogos na evolução da paisagem natural portuguesa.
4 min

Por estes dias têm-me feito muitas perguntas sobre incêndios, dizendo-me muitas vezes que me querem ouvir na minha qualidade de especialista no assunto.

Há na verdade um grande equívoco nesta qualificação: é verdade que no espaço público tenho muitas vezes pequenos textos e crónicas escritas sobre fogos, mas a verdade é que nos três livros que escrevi, o último dos quais para A Fundação Francisco Manuel dos Santos, eu raramente falo de fogos.

A razão é relativamente simples: eu escrevo sobre fogos, como às vezes escrevo sobre alimentação, como assuntos decorrentes daquilo que realmente estudo: evolução da paisagem.

A matéria dos meus livros pretende responder a perguntas sobre as razões que explicam o que vemos à nossa volta, dominantemente em paisagens rurais: por que razão está ali aquela vinha, por que razão está ali aquela mata, por que razão estão ali aquelas casas.

É na procura de respostas para questões deste tipo - que poderemos dizer, de interpretação da paisagem - que os fogos acabam por aparecer: por que razão aconteceu aquele fogo?

Esta pergunta surgiu-me há muitos anos quando procurava avaliar as razões para a distribuição do orçamento e dos recursos na gestão de uma área protegida, ao verificar que a afectação de recursos claramente desequilibrada para o lado do combate aos fogos não tinha correspondência nas perdas para a conservação da natureza que estavam associadas aos fogos e que, no caso em concreto, eram marginais.

Intrigado com a situação, comecei a interessar-me por perceber a evolução dos habitats mais relevantes que existiam nessa área protegida, de onde vinham, o que lhes acontecia depois de um fogo, como deviam ser geridos e todas as respostas que ia encontrando iam sempre bater ao mesmo ponto: o fogo era um velho companheiro de evolução da humanidade que sempre tinha estado presente nos sistemas, que sempre tinha sido usado pelo homem, mas que nas últimas décadas tinha adquirido características diferentes, em resposta às mudanças de paisagem que estavam a ocorrer, também em resposta a alterações económicas e sociais bem conhecidas.

Ao abandono dos campos, à diminuição do pastoreio, à substituição das lenhas na cozinha e aquecimento, o fogo respondia passando de um padrão de fogos muito frequentes, de baixa intensidade e em mosaico, para um padrão de fogos menos frequentes (ao contrário do que é a intuição da maior parte das pessoas), mais intensos e mais extensos.

Enquanto sociedade, a este padrão de fogos mais perigoso, socialmente menos tolerado, mas na verdade com efeitos menos negativos do ponto de vista da conservação do solo e da biodiversidade, respondemos procurando desesperadamente retirar o fogo das nossas paisagens, acentuando as mudanças que estavam a ocorrer: a acumulação de combustíveis, isto é, matos e folhadas, era cada vez maior, logo o padrão do fogo respondia a essa disponibilidade de combustível com fogos cada vez mais intensos e extensos.

Procurar contribuir para uma gestão do fogo socialmente mais útil que a que temos feito, procurando não eliminar os fogos das nossas paisagens, mas integrando o fogo como mais um elemento natural que temos de gerir, tem sido o meu trabalho dos últimos dias.

O que implica compreender a evolução da paisagens de que falam os livros que escrevo.

Henrique Pereira dos Santos é o autor do ensaio «Portugal: Paisagem Rural», disponível na loja da Fundação, com 10% de desconto e portes de envio gratuitos.

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal