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Como mudar o Parlamento e a qualidade da democracia portuguesa

Como mudar o Parlamento e a qualidade da democracia portuguesa

Artigo de opinião de Jorge Fernandes, cientista político (ICS-ULisboa) e autor do livro "Parlamento Português".
5 min

No final da sessão legislativa passada, os principais partidos políticos portugueses coligaram-se para alterar o regimento da Assembleia da República sobre os debates parlamentares, que passam de quinzenais a mensais. Ao contrário da maioria dos meus colegas de profissão, estou perfeitamente de acordo com esta alteração. Para nós, cientistas políticos, os debates parlamentares são muito interessantes enquanto porta de entrada para o estudo de fenómenos como as diferenças de posições dentro dos partidos, a relação de poder entre a liderança partidária e os rank-and-file, ou até para detectar rebeliões dentro do partido.

Para a qualidade da democracia em Portugal, para além do aspecto cénico, tenho muitas dúvidas sobre a necessidade de debates quinzenais. A literatura mais recente sobre o tema aponta várias pistas. Em primeiro lugar, ao contrário do que perspectivas mais líricas sobre a democracia possam dizer, estudos empíricos demonstram que os debates parlamentares não aumentam a qualidade da deliberação. Isto é, não há melhoria no processo de tomada de decisões simplesmente por serem ouvidas várias partes com posições dissonantes. Em segundo lugar, os debates não têm qualquer utilidade enquanto instrumento de potencial mudança de posição dos deputados. É público e notório que os deputados tomam decisões em função dos diretórios partidários. Em terceiro lugar, a literatura demonstra claramente que os deputados sabem que estão a falar para lá do plenário. Por outras palavras, os debates têm como finalidade marcar uma posição pública – muitas vezes, de resto, já conhecida – sobre cada tema.

Em perspectiva comparada, o Parlamento Português encontra-se agora, depois da reforma que diminuiu o número de debates, em linha com os seus congéneres europeus, à excepção do Reino Unido. Este último mantém a tradição semanal das perguntas ao primeiro-ministro. Em contrapartida, Parlamentos como o alemão, considerado habitualmente um Parlamento exemplar e fortíssimo, com capacidade de fiscalizar o governo muito superior ao Reino Unido ou Portugal, tem muito menos debates parlamentares. Woodrow Wilson, Presidente dos Estados Unidos há um século e, curiosamente, também cientista político em Princeton, afirmou que “Congress in session is Congress on public exhibition, whilst Congress in its committee rooms is Congress at work”.

No final da sessão legislativa passada, os principais partidos políticos portugueses coligaram-se para alterar o regimento da Assembleia da República sobre os debates parlamentares, que passam de quinzenais a mensais. Ao contrário da maioria dos meus colegas de profissão, estou perfeitamente de acordo com esta alteração. Para nós, cientistas políticos, os debates parlamentares são muito interessantes enquanto porta de entrada para o estudo de fenómenos como as diferenças de posições dentro dos partidos, a relação de poder entre a liderança partidária e os rank-and-file, ou até para detectar rebeliões dentro do partido.

Para a qualidade da democracia em Portugal, para além do aspecto cénico, tenho muitas dúvidas sobre a necessidade de debates quinzenais. A literatura mais recente sobre o tema aponta várias pistas. Em primeiro lugar, ao contrário do que perspectivas mais líricas sobre a democracia possam dizer, estudos empíricos demonstram que os debates parlamentares não aumentam a qualidade da deliberação. Isto é, não há melhoria no processo de tomada de decisões simplesmente por serem ouvidas várias partes com posições dissonantes. Em segundo lugar, os debates não têm qualquer utilidade enquanto instrumento de potencial mudança de posição dos deputados. É público e notório que os deputados tomam decisões em função dos diretórios partidários. Em terceiro lugar, a literatura demonstra claramente que os deputados sabem que estão a falar para lá do plenário. Por outras palavras, os debates têm como finalidade marcar uma posição pública – muitas vezes, de resto, já conhecida – sobre cada tema.

Em perspectiva comparada, o Parlamento Português encontra-se agora, depois da reforma que diminuiu o número de debates, em linha com os seus congéneres europeus, à excepção do Reino Unido. Este último mantém a tradição semanal das perguntas ao primeiro-ministro. Em contrapartida, Parlamentos como o alemão, considerado habitualmente um Parlamento exemplar e fortíssimo, com capacidade de fiscalizar o governo muito superior ao Reino Unido ou Portugal, tem muito menos debates parlamentares. Woodrow Wilson, Presidente dos Estados Unidos há um século e, curiosamente, também cientista político em Princeton, afirmou que “Congress in session is Congress on public exhibition, whilst Congress in its committee rooms is Congress at work”.

No país político-mediático, dominado pela mais recente manchete do Expresso ou pelo último dictum público do Presidente da República, é evidente que os debates parlamentares são importantes para alimentar a máquina mediática. Também são úteis a partidos populistas como o Bloco de Esquerda ou o Chega, que podem utilizar o tempo mediático para fazer produzir mais um vídeo de dois minutos para o YouTube, no qual uma discussão política desenquadrada é apresentada como um momento “gotcha” ao chefe do Executivo.

Querem fazer uma reforma do Parlamento? Em primeiro lugar, aumentem substancialmente o staff disponível para cada grupo parlamentar. Este staff deve operar de forma não-partidária e formar um corpo especial dentro da Assembleia da República que é perene para além das maiorias. Em segundo lugar, aumentem os poderes das comissões parlamentares, para diminuir a fortíssima assimetria de informação entre o Executivo e o Legislativo. Estas duas reformas são pouco atraentes e não dão grandes manchetes. Poderiam, no entanto, melhorar a qualidade da democracia Portuguesa.

Jorge Fernandes é investigador e professor auxiliar de ciência política no ICS-ULisboa. É também autor do livro «O Parlamento Português», publicado na colecção de Ensaios da Fundação.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor.

Portuguese, Portugal