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Carne produzida em laboratório: é este o futuro da alimentação?

A carne feita em laboratório promete modificar o futuro da alimentação. O primeiro hambúrguer cultivado do mundo surgiu em 2013 e, desde então, já existem frango ou salmão criados a partir de células. Vítor Espírito Santo, coordenador do departamento de investigação de biologia celular na Hoxton Farms, explica como funciona a agricultura celular, que evita o abate animal, beneficiando também o ambiente.
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O que é a agricultura celular?

A carne de laboratório – conhecida também como carne cultivada, de cultura ou de células  é apenas um exemplo da chamada agricultura celular. Este processo consiste em retirar células de animais vivos, que podem ser multiplicadas para produzir alimentos em grandes quantidades. A ideia é que este alimento possa substituir a necessidade de criação e abate de animais, explica Vítor Espírito.

Como se produzem alimentos a partir de células animais?

O processo começa com a recolha de células estaminais dos animais, através de uma biópsia. Essas células são depois transferidas para um ambiente semelhante ao do corpo do animal, para estimular o seu crescimento e multiplicação. Durante algumas semanas, são mantidas em incubadoras ou biorreatores — semelhantes às cubas usadas na fermentação de cerveja — onde maturam, ganhando as características das células de músculo e de gordura que existem na carne convencional.

 Por fim, «as células são recolhidas num formato de carne picada e, [seguidamente], é-lhes atribuída uma forma final, para que tenham a estrutura e textura da carne desejada, como por exemplo um peito de frango ou um hambúrguer de vaca», explica Vítor Espírito Santo.

Quais os benefícios deste tipo de produção?

Uma das grandes vantagens da agricultura celular é a diminuição do número de animais para consumo.

Segundo a FAO, para sustentar o consumo humano,  foram abatidos 352 milhões de toneladas de animais em 2021. «A carne cultivada proporciona alternativas de produção mais éticas, sem abate animal e com menor impacto ambiental», diz o investigador.

De acordo com o Climate Watch, cerca de 12% dos gases de efeitos de estufa emitidos no mundo em 2022 provieram da agricultura e pecuária. Destes, 60% corresponderam ao gás metano, emitido durante o processo de digestão dos animais. «A indústria agropecuária é [também] uma das maiores responsáveis pelo impacto ambiental devido a emissões de gases, consumo de água e utilização de terreno agrícola», adianta.

Que outros alimentos podem ser 'cultivados'?

É possível produzir carne de frango, vaca, porco, assim como peixe, como por exemplo salmão e bacalhau. «Hoje em dia é mais fácil produzir produtos menos estruturados como carne picada, embora já haja versões de cortes de carne mais complexos como peito de frango e bife de vaca», diz Vítor Espírito Santo. 

A agricultura celular também permite obter lacticínios e couro e, recentemente, uma start-up israelita aventurou-se na produção de café cultivado.

Estes alimentos são seguros para a saúde?

As autoridades de saúde alimentar em Singapura e nos Estados Unidos já aprovaram o consumo de carne de frango produzida pelas empresas GOOD Meat e Upside Foods, considerando que cumpria as regras de segurança, «De momento, não existem quaisquer riscos identificados», garante Vítor Espírito Santo. «Do ponto de vista nutritivo, são semelhantes à carne convencional, por isso as qualidades e defeitos são equivalentes», acrescenta.

Quais os desafios ao alargamento desta agricultura?

O principal obstáculo à prática de agricultura celular é o elevado custo, consequência de uma escala de produção ainda reduzida, diz o investigador. Um dos problemas, exemplifica, é a construção de biorreatores em larga escala, o que exige um financiamento elevado.

Outro desafio é o facto de a carne cultivada ser mais cara do que a carne convencional: «A competição a nível de preço é injusta, uma vez que a carne convencional é altamente subsidiada pelos governos para se poderem praticar os preços que vemos no supermercado», defende. «Se pagássemos o preço real de produção, o valor seria bem mais elevado».

Quais os países mais avançados nesta produção?

Os Estados Unidos e Singapura são os países com empresas mais fortes nesta área. Holanda, Inglaterra e Israel são mercados em crescimento e a China tem investido na produção de porco cultivado, acrescenta. «Em Portugal, temos uma empresa numa fase mais preliminar dedicada à produção de polvo, chamada Cell4Food», diz o investigador.

Quando é que estarão disponíveis nos supermercados?

Isso não será uma realidade a curto-prazo, apesar de já serem fornecidos em alguns restaurantes.Vítor Espírito Santo diz que a expectativa é de que durante a próxima década estes cheguem aos supermercados, mas que essa evolução vai depender do financiamento nesta área.

Neste momento, a investigação está centrada em encontrar formas de reduzir os custos de produção, assim como o desenvolvimento de protótipos e produtos com novas texturas, conclui.

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