Carne produzida em laboratório: é este o futuro da alimentação?
A carne de laboratório – conhecida também como carne cultivada, de cultura ou de células – é apenas um exemplo da chamada agricultura celular. Este processo consiste em retirar células de animais vivos, que podem ser multiplicadas para produzir alimentos em grandes quantidades. A ideia é que este alimento possa substituir a necessidade de criação e abate de animais, explica Vítor Espírito.
O processo começa com a recolha de células estaminais dos animais, através de uma biópsia. Essas células são depois transferidas para um ambiente semelhante ao do corpo do animal, para estimular o seu crescimento e multiplicação. Durante algumas semanas, são mantidas em incubadoras ou biorreatores — semelhantes às cubas usadas na fermentação de cerveja — onde maturam, ganhando as características das células de músculo e de gordura que existem na carne convencional.
Por fim, «as células são recolhidas num formato de carne picada e, [seguidamente], é-lhes atribuída uma forma final, para que tenham a estrutura e textura da carne desejada, como por exemplo um peito de frango ou um hambúrguer de vaca», explica Vítor Espírito Santo.
Uma das grandes vantagens da agricultura celular é a diminuição do número de animais para consumo.
Segundo a FAO, para sustentar o consumo humano, foram abatidos 352 milhões de toneladas de animais em 2021. «A carne cultivada proporciona alternativas de produção mais éticas, sem abate animal e com menor impacto ambiental», diz o investigador.
De acordo com o Climate Watch, cerca de 12% dos gases de efeitos de estufa emitidos no mundo em 2022 provieram da agricultura e pecuária. Destes, 60% corresponderam ao gás metano, emitido durante o processo de digestão dos animais. «A indústria agropecuária é [também] uma das maiores responsáveis pelo impacto ambiental devido a emissões de gases, consumo de água e utilização de terreno agrícola», adianta.
É possível produzir carne de frango, vaca, porco, assim como peixe, como por exemplo salmão e bacalhau. «Hoje em dia é mais fácil produzir produtos menos estruturados como carne picada, embora já haja versões de cortes de carne mais complexos como peito de frango e bife de vaca», diz Vítor Espírito Santo.
A agricultura celular também permite obter lacticínios e couro e, recentemente, uma start-up israelita aventurou-se na produção de café cultivado.
As autoridades de saúde alimentar em Singapura e nos Estados Unidos já aprovaram o consumo de carne de frango produzida pelas empresas GOOD Meat e Upside Foods, considerando que cumpria as regras de segurança, «De momento, não existem quaisquer riscos identificados», garante Vítor Espírito Santo. «Do ponto de vista nutritivo, são semelhantes à carne convencional, por isso as qualidades e defeitos são equivalentes», acrescenta.
O principal obstáculo à prática de agricultura celular é o elevado custo, consequência de uma escala de produção ainda reduzida, diz o investigador. Um dos problemas, exemplifica, é a construção de biorreatores em larga escala, o que exige um financiamento elevado.
Outro desafio é o facto de a carne cultivada ser mais cara do que a carne convencional: «A competição a nível de preço é injusta, uma vez que a carne convencional é altamente subsidiada pelos governos para se poderem praticar os preços que vemos no supermercado», defende. «Se pagássemos o preço real de produção, o valor seria bem mais elevado».
Os Estados Unidos e Singapura são os países com empresas mais fortes nesta área. Holanda, Inglaterra e Israel são mercados em crescimento e a China tem investido na produção de porco cultivado, acrescenta. «Em Portugal, temos uma empresa numa fase mais preliminar dedicada à produção de polvo, chamada Cell4Food», diz o investigador.
Isso não será uma realidade a curto-prazo, apesar de já serem fornecidos em alguns restaurantes.Vítor Espírito Santo diz que a expectativa é de que durante a próxima década estes cheguem aos supermercados, mas que essa evolução vai depender do financiamento nesta área.
Neste momento, a investigação está centrada em encontrar formas de reduzir os custos de produção, assim como o desenvolvimento de protótipos e produtos com novas texturas, conclui.