Riscos e desafios de um governo minoritário
No próximo 25 de Abril assinalam-se cinco décadas sobre o golpe militar que iniciou a transição para a democracia em Portugal. Nesse dia assinalam-se ainda os 48 anos das eleições que geraram o primeiro governo constitucional, em 1976.
Nestes 48 anos, Portugal conheceu 24 governos. Embora a média de um governo a cada dois anos encubra períodos muito distintos (a primeira década foi particularmente instável), não deixa de ser um dado impressionante.
No entanto, convém não associar o tipo de governo à sua queda prematura: os executivos maioritários não são necessariamente estáveis e os minoritários não são necessariamente instáveis.
Por um lado, governos de maioria absoluta também caem (em 12 governos maioritários, quatro governos terminaram o mandato). Por outro, governos minoritários também se mantêm de pé até o fim (em 8 minoritários, dois cumpriram o mandato).
O tipo de governo é importante, mas não é decisivo, pois o contexto conta e é muito diferente de governo para governo (por exemplo, só se compreende a aprovação de três orçamentos do PS de António Guterres pelo PSD de Marcelo Rebelo de Sousa pela importância da adesão de Portugal à moeda única).
Este facto torna difícil antecipar a estabilidade do recém-empossado XXIV Governo. Ainda por cima hoje, com um partido de direita radical populista na equação, será complicado usar as lições do passado (nomeadamente a do PRD, que é a mais próxima).
Governantes independentes trazem maiores riscos para a estabilidade
Há muitos fatores contextuais que condicionam a estabilidade ou instabilidade governativa – e muitos são externos ao governo (como a conjuntura internacional) ou difíceis de controlar (como a evolução económica).
O que cabe ao novo governo é controlar os fatores internos, ou seja, tentar assegurar um funcionamento eficaz do próprio governo.
Entre esses fatores internos, está a composição do executivo, ou seja, a escolha dos protagonistas políticos. Não existem, no entanto, receitas únicas ou mágicas, pelo que se torna difícil responder à questão «tem o XXIV Governo uma boa composição?». Mas é possível identificar riscos das opções tomadas para o funcionamento do governo.
Gerald Kaufman, um ilustre ministro britânico nos anos 70, é o autor de um clássico livro sobre o exercício da função ministerial (How to be a Minister, Faber and Faber). Nele identifica dois riscos (que designa de «doenças») a que os ministros estão sujeitos: ‘ministerialite’ e ‘departamentalite’.
A primeira tem como sintoma mais evidente «um percetível inchaço da cabeça» e implica «uma preocupação e satisfação com a detenção do cargo acima de qualquer outra». O problema decorrente é o fechamento ao mundo exterior, ou seja, o menosprezo pelos partidos, Parlamento, media, e opinião pública.
Já a ‘departamentalite’ implica «uma preocupação com o ministério acima de qualquer outra, incluindo o sucesso do governo como um todo». O problema consequente é a falta de solidariedade entre membros do governo e a coesão do executivo. No tom característico do livro, Kaufman conclui: «se fores afetado por alguma destas doenças políticas, a tua eficácia será severamente reduzida».
Luis Montenegro optou pela típica composição governativa em Portugal, com uma mescla de perfis políticos – vários dirigentes partidários e ex-governantes, mas também vários independentes. Naturalmente, todos eles estão sujeitos a contrair ‘ministerialite’ e ‘departamentalite’.
No entanto, os mais expostos a estas doenças serão os independentes. Para as prevenir, é fundamental que o primeiro-ministro tivesse garantido que detêm sensibilidade política e estão alinhados com o programa eleitoral.
Para as debelar, será crucial a competência da coordenação política do governo e da liderança do primeiro-ministro. Esperemos pelo diagnóstico nos próximos meses.