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Jovens e tecnologia

Podem as novas formas de participação e representação política «fill the gap»?

No Verão de 2018, Davide Casaleggio, eminência parda do partido italiano Movimento 5 Stelle (M5S) – atualmente no governo, de mãos dadas com a Lega – afirmou que a democracia representativa será inevitavelmente superada, e que muito em breve, talvez dentro de cinco anos, o parlamento deixaria de ter o papel central que presentemente desempenha no sistema político italiano.
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Casaleggio argumentou que, hoje em dia, existem ferramentas que permitem uma participação muito mais direta e democrática em termos de representatividade da população que as formas de representação do século passado, que levaram à formação de uma casta, uma elite pouco preocupada em representar efetivamente a população que serve. A sua plataforma Rousseau, usada pelo M5S para interagir com o denominado «povda web», é um exemplo deste tipo de instrumentos. Para este partido, a questão é de tal forma central que o atual governo italiano inclui um ministério que, além de gerir os assuntos parlamentares, se ocupa de democracia direta.

Aparentemente, o argumento de Casaleggio está radicado, entre outras coisas, na convicção de que as novas coortes de cidadãos estão alheadas das modalidades mais tradicionais de participação política, típicas das democracias representativas do século XX, nas quais não se reveem, e que, por isso, o investimento em novas modalidades de participação e representação é uma necessidade e uma inevitabilidade se se deseja manter e revigorar o sistema democrático.

No caso português, não há dúvida de que a postura dos cidadãos mais jovens é de alheamento. Em Geração Milénio? (ICS, 2017), Marina Costa Lobo e Edalina Rodrigues Sanches mostram que a maioria dos jovens portugueses (com menos de 24 anos) raramente se expõe a informação sobre política, não pertence a associações, envolve-se pouco em atividades cívicas e políticas e não se sente minimamente próxima de um partido.

Contudo, estes jovens também não parecem estar particularmente entusiasmados com as formas não convencionais – mais “modernas” – de participação política. Tanto em 2015 como em 2017, os jovens portugueses posicionam-se, de uma forma geral, abaixo da média da população em termos de frequência de participação política não convencional: atividades como assinar petições, participar em manifestações, boicotar ou comprar produtos por motivos políticos ou usar os velhos e novos media para expressar as suas opiniões. Em particular, os jovens socializados durante a recente crise económica –  isto é, os jovens e os jovens adultos de hoje – não apresentam uma maior predisposição para formas não convencionais de participação política que os indivíduos socializados noutras épocas. Por sua vez, no que diz respeito à preferência por uma auscultação mais direta e constante da opinião pública, os dados de um inquérito de 2014 coordenado por Ana Belchior mostram que os jovens não são menos propensos que a restante população a concordar com o facto que ouvir os cidadãos ou associações em todas as situações pode bloquear as ações reformistas dos detentores de poder político.

Suspeito que seja pouco provável que o problema mais importante com que a democracia portuguesa se deparará no futuro seja o facto de os cidadãos olharem para as formas tradicionais de participação com enfado, e que a resposta a todos os males seja uma qualquer espécie de plataforma Rousseau. O problema central é e será o facto de a participação política em geral – convencional e não convencional – ser vista como pouco eficaz, e a representação política como incompleta ou defeituosa. Assim sendo, a resposta não passará pela substituição de processos ou modalidades de participação e representação, mas pela intervenção ao nível da substância, do impacto, da qualidade, dos resultados, da eficácia. O investimento deve ser feito aqui. Não será útil jogar fora o bebé com a água do banho.

 

O acordo ortográfico utilizado neste artigo foi definido pelo autor

 

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