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Imagem de galinhas numa exploração aviária. Crédito: Canva

«O vírus H5N1 passou para as vacas leiteiras e para os gatos» e isso deixou a OMS mais alerta

As autoridades norte-americanas confirmaram a primeira morte humana com a gripe das aves. O vírus H5N1 é uma das grandes preocupações das autoridades de saúde que temem que possa ser a próxima pandemia. Henrique Lopes, diretor do Nova Center for Global Health - NOVA IMS, explica que nos últimos meses, este vírus se aproximou ainda mais do homem.
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É autor, em conjunto com outros especialistas, de um documento onde se alerta para o risco de a Organização Mundial da Saúde (OMS) não ter chegado a um tratado pandémico. Porque decidiram fazer este «paper»?

Em junho passado, a Assembleia Geral da OMS decidiu adiar por um ano as conversações para se chegar a um tratado pandémico internacional que define as regras em caso de pandemia. E nós, elementos da Associação Europeia das Escolas Pública, achamos importante que os decisores políticos de saúde saibam a nossa posição e tenham respaldo científico na afirmação da urgência e alcance das medidas que estão em debate.

Mas que riscos se correm no mundo por não existir este acordo?

Enquanto não for aprovado um novo corpo formal de cooperação internacional continuamos a usar o anterior desenvolvido há muitos anos e que ainda não incorpora as aprendizagens adquiridas com a Covid-19. Há imensos pontos a melhorar e esperar mais um ano significa que os vários riscos com potencial pandémico, se tiverem desenvolvimentos negativos, não terão a resposta que já é possível tecnicamente.

Ou seja, pode não haver tempo para aprovar esse documento, que ajuda na atuação dos vários países, antes de uma nova pandemia?

Entre ser aprovado um novo quadro de ação pela OMS e estar no terreno em todos os países demora anos. Se adicionarmos mais tempo por razões que nada tem de relação com as complexidades da saúde pode significar perder uma oportunidade única. Perder a oportunidade de se estar mais bem preparado se algo acontecer é uma matéria irrecuperável. Tivemos muita sorte com a Covid-19 em termos de mortalidade, não sabemos se a próxima pandemia  será assim.

Nos últimos meses tem havido sinais de preocupação da OMS e outras autoridades em relação a alguns vírus…

Sim, em relação a vários, entre eles o H5N1, por exemplo, que é um vírus da gripe.  Segundo o cientista-chefe da OMS, Jeremy Farrar, para ele, como já disse numa conferência de imprensa, seria a sua primeira preocupação. E tem sentido porque esse vírus evoluiu e neste momento está presente em cerca de 60 espécies de vertebrados.

Esse H5N1 ficou conhecido como gripe das aves?

Sim. Apareceu na segunda metade da década de 1990 na Ásia e esteve 20 anos estabilizado.  Há três anos começou a alastrar-se através das aves a outros animais, mamíferos, e agora está cada vez mais perto do homem. Ainda não se transmite entre as pessoas, mas de animais infetados para pessoas. E aparece com elevadíssimas mortalidades: a nível mundial há em humanos, cerca de mil casos e desses resultaram cerca de 460 mortes.

Há três anos o H5N1 começou a alastrar-se através das aves a outros mamíferos. Ainda não se transmite entre as pessoas, mas de animais infetados para pessoas.
Diretor do Nova Center for Global Health

O vírus H5N1 vem de onde? Sabe-se como é que apareceu?

Pode ter sido em aves- é discutido se foi ou não. Mas é certo que depois espalhou-se, principalmente através de aves. As gaivotas mortas nas praias tem sido um dos veículos.

Para a transmissão a humanos?

Sim. Alguns defendem que as gaivotas terão passado a cães que as abocanharam e estes aos donos. Mas a larga maioria será de aves de criação a humanos.

E há grupos de risco definidos para os humanos?

Quem trabalha com animais de criação, galinhas, perus, patos, pois os animais selvagens infetados vão aos bebedouros dos que estão em cativeiro e transmitem, e estes depois aos humanos. 

Segundo dados dos estudos mais atuais, há cada vez mais animais afetados…

Sim. Houve grandes devastações, por exemplo, em colónias de leões marinhos da costa andina, no Peru. Este foi dos animais mais afetados. Houve colónias com 75% mortalidade, com um impacto muito importante na vida selvagem.

Neste momento, o vírus está mais ativo em alguma zona do mundo?

Ele está ativo em todo o lado e só na Europa já obrigou ao abate de mais de 200 milhões de aves na Europa.

Em Portugal também tem havido medidas em animais por causa deste vírus?

Já houve imensas explorações que foram afetadas e que tiveram que ter as medidas sanitárias adequadas. E a Direção-Geral dos Serviços Veterinários tem tido uma ação muito interessante, muito positiva.

Há estudos que indicam existir um risco elevado de em breve este vírus poder transmitir-se entre humanos?

Esta gripe está relativamente próxima da transmissão entre humanos. Faltam apenas três grandes típicas mutações para facilitar a transmissão entre humanos.

Essas mutações ocorrem como, naturalmente?

Podem ocorrer. Se por exemplo estiver a ocorrer essa infeção em simultâneo com a de outros vírus da gripe que já as têm, eles podem conseguir partilhar material. Se há coisa que teve muitos anos para evoluir, foram os vírus.

Em abril de 2024 ficou a saber-se que uma pessoa foi contaminada com esse vírus por uma vaca leiteira nos EUA. Esse facto agravou a preocupação das autoridades e da OMS em relação a este vírus?

Esse dado recente fez espoletar, por parte das autoridades de saúde e da comunidade dos veterinários, mais atenção e novos alertas. Isto por o vírus ter passado para grandes vertebrados, como as vacas, em especial, as vacas leiteiras, e de o leite dessas vacas ter um forte grau de contaminação. Além disso, passou para animais de companhia, como aos gatos. Esta situação deixou a comunidade ainda mais atenta pois estamos a falar de animais e de leite de consumo humano.

Essa situação pode acelerar a capacidade do vírus se transmitir entre humanos?

Sim. Nas quintas, por exemplo, o contacto com humanos é maior. E, portanto, há maior possibilidade de o vírus se adaptar. Uma pessoa que está a tratar de vacas infetadas pode ter um outro vírus, daqueles sazonais, e desse modo esses vírus do H5 convivem com um H1, H2, H3, da gripe normal. Além disso, se está em vacas, pode vir a passar também para os porcos. E os porcos são um animal muito próximo de nós em termos gripais. E, portanto, aquilo que se adaptar ao porco….

Então se chegar aos porcos será um sinal de alerta ainda maior?

Os porcos e os visons são, talvez, os animais mais próximos de nós em termos do comportamento do vírus da gripe. Em especial o vison. Aliás, em Espanha, o maior criador de visons, mandou abater, no ano passado, milhões de visons, para evitar a propagação aos humanos. Foi uma medida preventiva, discutível.

Ou seja, foi esta propagação às vacas e gatos que levou as autoridades, nomeadamente a OMS, a lançarem novos alertas?

Sim, deixou as autoridades, a OMS mais alerta. A partir de maio e junho do ano passado, a OMS deu uma atenção redobrada a este vírus H5N1. A 6 de junho, há um documento da OMS, e nesse mesmo dia, o Center for Desease Control (CDC) faz um comunicado.  E no dia seguinte, a Nature, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo, faz um artigo em que diz: «Atenção há aqui coisa para nos preocuparmos a sério». Foi por isso, que nos últimos tempos os EUA começaram a tomar medidas concretas.

A OMS, sabendo que há agressores virais novos com um forte potencial pandémico, está muito atenta.
Diretor do Nova Center for Global Health

Que medidas foram essas?

No sentido de se constituírem reservas nacionais de máscaras e de material de proteção individual. Ao mesmo tempo, tomaram ações particulares, nas quintas, como a vacinação dos trabalhadores. Mas este conjunto de regras sanitárias preventivas têm esbarrado já com algum negacionismo, que começa também a aparecer já para o H5N1, designadamente dos movimentos pró-Trump.

O que é que esses movimentos têm feito em relação a este vírus?

No Texas, o CDC tem tido dificuldade em aceder às quintas onde há animais infetados. Começou-se a gerar um conjunto de desinformação, contrariando as informações do OMS, do próprio CDC. Começou a haver procura, por exemplo, de leite infetado, uma tontice completa.

Leite infetado?

Houve um conjunto de pessoas, não sei se menos informadas, se com má intenção, a dizer que, bebendo leite infetado se fazia uma vacinação natural, o que é um disparate completo.

Na Europa também se tomaram medidas para lidar com este vírus?

Temos algumas medidas interessantes, como a do Governo finlandês, que avançou com a vacinação dos trabalhadores das quintas.  

A vacina que existe é totalmente eficaz?

Talvez não seja ainda a ideal, mas já confere algum grau de proteção.

E há doses disponíveis?

A União Europeia já comprou, pelo menos, dois milhões de doses de vacinas e os EUA quatro milhões. A ideia é quando houver um caso, vacinar as pessoas que esitveram em contacto.

Os sintomas do H5N1 são os mesmos sintomas de qualquer gripe?

Têm algumas particularidades. O que apareceu este ano nos EUA, associado às vacas, provoca uma conjuntibite muito, muito, muito forte.  Na América do Sul, têm sido, basicamente, lesões respiratórias graves. É isso que depois conduz à morte. Na Ásia, também. Agora, se me perguntar se na Ásia a situação também se agravou por causa dos sistemas de saúde designadamente do Laos, Cambodja e Vietname, que é onde têm aparecido mais casos graves, não sei responder.

Ou seja, o que quer dizer é que se fosse, por exemplo na Europa, os casos poderiam ter um desfecho diferente?

Sinceramente, não sei.

Mas está a assustar a OMS….

Na altura em que o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, apresentou os vários microrganismos com potencial pandémico, aquele cientista chefe reiterou que este vírus era uma das suas primeiríssimas preocupações. Estamos habituados à gripe e em alguns anos ela é muito agressiva. Há histórias disso mesmo: a mais conhecida será a gripe espanhola de 1821. Mas houve outras. Mesmo no século XX, houve, pelo menos, mais duas pandemias muito significativas  a asiática e a de Hong Kong  que conduziram a situações difíceis. E, portanto, a OMS, sabendo que há agressores virais novos com um forte potencial pandémico, está muito atenta.

Se todos sabem os riscos que correm porque é tão difícil chegar a um acordo?

Devia ser uma questão de bom senso, mas isso esbarra no conceito de soberania. Há países que dizem: «Não, no meu território mando eu». Mas não se devia perder esta ocasião pois os riscos são muitos grandes para se estar a discutir interesses individuais. A única coisa que sabemos é que assim vai correr mal.

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