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Imagem de três peões, numa alusão às forças políticas do novo Parlamento

O dia seguinte

Há um antes e um depois das eleições de 10 de março. A chegada fulgurante de um terceiro partido pôs fim à estrutura de competição política bipartidária que existia desde a democratização. E alinhou Portugal com outros países europeus. Nesta análise, o cientista político Jorge Fernandes explica o que tem de mudar na forma de fazer política para que a democracia não fique em perigo.
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As eleições de 10 de Março foram um momento de viragem na história política Portuguesa que, estou certo, recordaremos nas próximas décadas. Embora nada esteja escrito na pedra e todo o porvir seja completamente contingente naquilo que os actores políticos fizerem daqui em diante, parece-me seguro afirmar que há um antes e um depois daquele domingo de Março.       

Em primeiro lugar, as eleições puseram fim à estrutura de competição política existente desde a democratização. Os dois principais partidos tiveram o seu pior resultado de sempre em termos de mandatos e de votos. A emergência fulgurante de um terceiro partido com a dimensão do Chega indicia que a formação e a estabilidade dos governos vindouros serão, no mínimo, muito mais complexas. Os partidos terão agora uma curva de aprendizagem sobre como negociar, fazer políticas públicas e obter benefícios eleitorais num contexto em que a competição é, efectivamente, entre três grandes polos.

A emergência fulgurante de um terceiro partido com a dimensão do Chega indicia que a formação e a estabilidade dos governos vindouros serão, no mínimo, muito mais complexas.
Investigador do Spanish National Research Council, Madrid

Em segundo lugar, depois de décadas em que discutimos apaixonadamente como baixar a abstenção e convencer mais eleitores a exercerem o seu direito de voto, as eleições mostraram que havia um grande molde de gente que, simplesmente, não estava contente com a oferta partidária à sua disposição.

Apesar de necessitarmos de dados individuais para tecer uma análise mais fina, parece-me seguro afirmar que existirá uma correlação fortíssima entre o aumento da participação eleitoral e a fortíssima votação no Chega.

No fundo, como vários trabalhos académicos vinham demonstrando ao longo dos anos, existia um mar de gente descontente com a política, com grande desconfiança nos políticos e altamente descrente de que a sua voz poderia contar num país profundamente desigual. André Ventura, um caso canónico de empreendedor político, percebeu esta falha de mercado e montou um produto que supre este problema. A procura estava lá há muito tempo. Ventura forneceu a oferta.

 

Em terceiro lugar, as eleições de 2024 alinham Portugal com os seus congéneres europeus.

Até agora, quando comparado com praticamente todos os países da União Europeia, o nosso sistema partidário tinha duas grandes falhas. Não existia um partido verde, Europeísta e cosmopolita. Não existia um partido de direita radical.

As eleições de 2024 mudaram este panorama. À esquerda, o Livre oferece, pela primeira vez, uma esquerda com origens não marxistas-leninistas. Ao contrário do Bloco e do PCP, para o Livre a revolução já não é um dos aceleradores da história. À direita, o Chega oferece a direita radical, politizando as clivagens clássicas deste tipo de partido.

Independentemente da avaliação normativa que possamos fazer de tudo isto, a verdade é que, depois de 10 de Março, Portugal é hoje um país mais próximo da estrutura política da Europa. Enfrentamos os mesmos desafios.

Tenho a certeza de que saberemos dar resposta a este momento. As elites aprenderão a conviver neste novo panorama. É essencial que consigam perceber que o mundo mudou e que Portugal precisa de acabar com o rentismo e a extracção de benefícios por uma pequena elite. Precisa também de pôr novamente o elevador social a funcionar. Se estas três condições se concretizarem, a nossa democracia florescerá e não será o Chega a fazê-la perigar.

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