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Imagem de sombras de mulheres, a ilustrar texto com dados sobre as mulheres em Portugal

Mercado de trabalho feminino forte, mas desigual

Portugal destaca-se na União Europeia (UE) pela elevada participação feminina no mercado de trabalho. No entanto, persistem desafios estruturais, como a desigualdade salarial, a precariedade e a segregação profissional. A opinião da diretora da Pordata Luísa Loura e da especialista em comunicação Maria Ferreira.
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Com apenas 8,9% das jovens entre os 15 e os 29 anos na categoria «nem-nem» (que não estudam nem trabalham), Portugal encontra-se em 5º lugar na UE27 com a menor percentagem nesse indicador, abaixo da média europeia de 12,4%.

Esta tendência, paralela ao menor abandono escolar e aos maiores níveis de escolaridade em relação aos homens, é acompanhada por uma forte presença feminina no mercado de trabalho: 84% das mulheres entre os 25 e os 54 anos estão empregadas, muito acima da média da UE (77%). Esses números colocam o país mais próximo das economias do norte da Europa e distanciam-no da «Europa do Sul», onde países como Itália (63,8%), Grécia (66,1%) e Espanha (69,1%) apresentam uma representatividade laboral significativamente menor.

Para as mulheres-mãe, o cenário é ainda mais notável: Portugal é o terceiro país da UE com maior presença laboral feminina entre as que têm filhos. Outro factor é o baixo nível de trabalho a tempo parcial entre mulheres portuguesas. Enquanto na Áustria e nos Países Baixos mais de metade das mulheres empregadas trabalham em regime part-time, em Portugal essa percentagem é de apenas 10%.

Apesar desses indicadores positivos, as mulheres portuguesas enfrentam desafios significativos no mercado laboral, como a precariedade dos contratos de trabalho: quase uma em cada cinco mulheres (17,7%) tem contrato temporário, percentagem que sobe para 28% entre as jovens de 25 a 34 anos. A situação é ainda mais grave para estrangeiras de fora da UE, com 43,5% sujeitas a contratos temporários.

Quase uma em cada cinco mulheres (17,7%) tem um contrato temporário de trabalho. Uma percentagem que sobe para 28% entre os 25 a 34 anos.

As categorias de profissões também influenciam a vulnerabilidade das mulheres. Em 2023, quase metade das trabalhadoras portuguesas com idades entre os 25 e os 54 anos estava concentrada em profissões de baixa remuneração, como «trabalhadores não qualificados», «pessoal administrativo» e «trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança». Entre os homens, apenas um quarto dos trabalhadores se concentra nestas profissões.

O padrão acima descrito tem-se mantido ao longo da última década e não conseguiu ser revertido apesar da maior escolaridade das mulheres e da melhoria mais acentuada nesse período de tempo.

De facto, na faixa etária que estamos a usar como referência (25 a 54 anos), a percentagem de mulheres com ensino superior passou de 26% em 2013 para 40% em 2023 enquanto, nos homens, passou de 17% para 29%. Seria expectável que tal se refletisse num aumento da concentração de mulheres nas profissões de mais elevadas remunerações mas tal não se verificou.

A desigualdade nos rendimentos é, também por isso, uma realidade com bastante expressão. De acordo com os dados dos Quadros de Pessoal, o ganho médio bruto mensal das mulheres foi, em 2023, 238€ menor do que o dos homens, uma disparidade de 16%. E quanto mais alto o cargo, maior o fosso: entre os quadros superiores, a disparidade salarial atinge 26%, ou seja, menos 760€ por mês para as mulheres.

Esta não convergência salarial entre homens e mulheres, apesar da aposta que estas têm feito na escolarização, ter-se-á agravado em 2024 atendendo a dados do 4.º trimestre do Inquérito ao Emprego, recentemente disponibilizados pelo INE: a disparidade no rendimento salarial líquido aumentou entre trimestres homólogos de 16% para 18%.

Apesar do aumento da escolaridade feminina, quanto mais alto o cargo, maior o fosso salarial entre homens e mulheres.

Se as mulheres portuguesas são mais escolarizadas do que os homens, e estão mais presentes no mercado laboral (e a tempo inteiro) do que mulheres em muitos países europeus, quais são as justificações para a persistente desigualdade salarial?

Numa análise do Conselho Europeu, há quatro causas para este fosso, no que respeita à UE27 como um todo:

- a interrupção da carreira da mulher quando tem filhos (91% das mulheres interrompem as carreiras por oposição a apenas 9% de homens que o fazem);

- a pouca presença em cargos de liderança (onde 65% são homens na média da UE – valor que em Portugal sobe para mais de 80%);

- o trabalho a part time (65%, em média, das mulheres europeias trabalham a tempo parcial, realidade que não se aplica a Portugal que fica pelos 10%);

- segregação laboral, com 73% de mulheres em setores com as remunerações mais baixas (educação, saúde e apoio social). No nosso país, 80% dos trabalhadores nestes setores são mulheres. Por outro lado, 29% das mulheres trabalha nestes setores de atividade enquanto apenas 7% dos homens aí estão empregados.

 

Com remunerações mais baixas e carreiras contributivas menores, o resultado são pensões inferiores na velhice. E um maior risco de pobreza.

Esta realidade afeta não apenas o presente, mas também o futuro financeiro das mulheres. Com remunerações mais baixas e carreiras contributivas menores, o resultado são pensões inferiores na velhice. Em Portugal, a diferença média das pensões de velhice entre homens e mulheres ultrapassa os 300€, aumentando o risco de pobreza para mulheres idosas. Aos 65 anos ou mais, 23,4% das mulheres estão em risco de pobreza, em comparação com 18,1% dos homens.

Quais as medidas necessárias para um futuro mais equitativo? A legislação europeia tem feito avanços, tendo identificado a falta de transparência nos salários como um obstáculo à identificação das disparidades remuneratórias e impedindo que muitas mulheres reivindiquem os seus direitos.

Assim, a diretiva – que entrará em vigor já em 2026 –, visa aumentar a transparência salarial, estabelecendo, por exemplo, que os empregadores divulguem as faixas salariais nos anúncios de emprego e não perguntem sobre histórico salarial dos candidatos. Determina também que, se um trabalhador se sentir discriminado, o ónus da prova recai sobre o empregador, garantindo ainda o direito à indemnização e prevendo a aplicação de sanções, como coimas, que devem ser «dissuassivas».

O mercado de trabalho em Portugal é um exemplo de avanço na participação feminina, mas apresenta barreiras que não podem ser ignoradas. A transparência salarial tem potencial para combater essas desigualdades, permitindo maior fiscalização e promovendo uma mudança efetiva. Serão medidas suficientes para reverter décadas de desigualdade?

Os próximos capítulos, ou melhor, os números, no futuro, o dirão.

 

NOTA: Estes e outros dados podem ser consultados no Press Release da Pordata, que assinala o Dia Internacional da Mulher.

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