Galo de Barcelos: de lenda a ícone do turismo
Ao falar do galo de Barcelos, torna-se necessário estabelecer de forma nítida a diferença entre a lenda que o envolve e a sua posterior projecção icónica.
A origem lendária do galo é, por um lado, sobejamente conhecida: segundo este relato, um peregrino a caminho de Santiago de Compostela tinha sido acusado de um crime que não cometera; salvou-se da forca ao indicar que provaria a sua inocência ao fazer cantar um galo de pedra, o que de facto aconteceu, levando à sua libertação.
Mas esta lenda permaneceu em relativa obscuridade até ao século xix, quando os oleiros de Barcelos começaram a representá-la em figuras de barro colorido. Tais figuras foram ganhando popularidade, ainda que circunscrita às terras minhotas. Caberia ao Estado Novo difundi-las.
Com efeito, a representação do galo de Barcelos começou a ganhar projecção quando uma sua representação em barro polícromo foi exibida na exposição de arte popular portuguesa organizada em Genebra, em 1935.
O sucesso desta iniciativa foi tal que a exposição foi repetida um ano mais tarde, em Lisboa. Tal como muitas outras exposições que se lhes seguiram, estas duas inseriam-se na actividade do Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro desde a sua fundação em 1933.
Uma das preocupações deste dirigente consistia em recuperar ou reinventar as tradições populares portuguesas, numa vertente claramente folclorista, tendente a valorizar o que era apresentado como genuinamente nacional. Criava-se, assim, um conceito de «arte popular» ao serviço do imaginário nacional tal como o concebiam os ideólogos do Estado Novo.
O galo de Barcelos encaixava perfeitamente nestes objectivos. Tratava-se de um produto simples, que se ligava ao gosto decorativo minhoto e que se apresentava como tendo raízes simultaneamente arcaicas e religiosas, baseadas num relato moralmente edificante.
Estas raízes etno-históricas fizeram com que a imagem do galo barcelense fosse projectada pelo Estado Novo como emblema da emigração portuguesa para o mundo, funcionando como elemento visual de harmonia das comunidades portuguesas no estrangeiro.
Ao mesmo tempo, o galo de Barcelos serviu os propósitos de um país que pretendia abrir-se ao turismo tanto interno como externo, assumindo-se como objecto-fetiche, capaz de ser reproduzido em grandes quantidades e de ser vendido como recordação.
Sem desprimor de se apresentar como um produto típico do artesanato popular, o galo de Barcelos foi, assim, produzido industrialmente, tornando-se numa das imagens mais difundidas da portugalidade durante o século XX.