Festas de Natal na Galiza: tradições que mudam
As festividades natalícias escondem, por todo o lado, uma grande variedade de celebrações e ritos. No essencial, é um ciclo festivo que coincide com o solstício de inverno e com a tradição cristã do nascimento de Jesus, mas que também esconde muitas tradições anteriores, de raízes pagãs, que hoje não são bem compreendidas.
Na descrição etnográfica destas festividades encontram-se algumas práticas que só de forma muito localizada se podem considerar que continuam em vigor, como é o caso do «tizón» para fazer o lume novo ou o sorteio para combinar raparigas e rapazes no dia de Anovello.
Mas há outras tradições que são praticadas sem consciência do seu significado, como o jantar de Natal, para o qual os membros de toda a família são convidados para um banquete em que outrora o prato principal seria o bacalhau, agora substituído por marisco ou frango (capón de Vilalba), que é uma versão galega (e melhor) do prato principal do Dia de Ação de Graças americano. Algo semelhante acontece com os principais ritos deste ciclo festivo, como a «árvore de Natal» (muitas vezes transformada em “Noël”), a celebração do Fim de Ano ou a celebração que têm agora o dia de Reis, que mudou de significado familiar e comunitário e, além disso, também religioso.
Na opinião de Filgueira Valverde, as celebraçôes do dia do Natal são um exemplo de festa própria da terra de emigrantes, em que se reconhece a existência de três freguesias: a dos vivos que partilham o jantar; a dos ausentes que moram fora e as «animas» dos mortos, para as quais é deixada comida na noite de 24 de dezembro. São festas para o reencontro, esperançosas e também alegres. Uma forma de expressar essa alegria é através da música popular (panxoliñas), cantada pelas crianças e jovens que visitam as casas vizinhas à procura de presentes e «aguinaldos», no dia de Natal ou de Reis.
A música natalina tem sido posta em foco para uma interpretação cultural dessas festas. Porque a par das panxoliñas, houve um grande desenvolvimento dos vilancicos ou cantos dos «vilâos», que foram criados e divulgados como forma de construir uma imagem do pobre galego a partir do Menino Jesus nascido em Nazaré. Estes vilancicos estavam escritos em língua galega, mas eram cantados fora da Galiza, quer em Castela e Andalucía quer em Portugal, como no caso do vilancico de Vila Viçosa, em que se diz: «Ay! se nosso Deus galego se faze / vamos a cantar á chocinha em que naze». Quer dizer-se que o Menino é galego «que nace entre duas bestas», como se diz nun vilancico de Toledo.
Realmente, como alertaram Carolina Michaëlis ou Rodrigues Lapa e, em tempos mais recentes, Rosario Alvarez, nesta tradição está presente a herança da linguagem poética medieval, mas também uma imagem negativa da Galiza como terra pastoril, habitada por gente pobre. Era un modo de mostrar os traços negativos dos galegos no contexto peninsular, como já denunciara o conde de Lemos no opúsculo El buho gallego (1622). Agora bem, esta vinculação entre vilancicos de galegos, escritos en lingua galega, quer dizer que o Menino Jesus nasceu por acaso na Galiza? Nenhuma evidência foi encontrada...
Hoje não poderíamos revigorar estes vilancicos mas a sua existência mostra como os ritos e tradições festivas são parte essencial da história cultural dos povos. Talvez a sociedade galega atual desconheça esta ligação com a antiga tradição, entre pagã e cristã, de colocar o nascimento do Menino Jesus no centro das celebrações natalícias, como acontece com os recuperados festejos de São João que ritualizam o solstício de verão sem se preguntarem porqué. Não estamos diante de fenômenos próprios da «invenção da tradição», mas de reconhecimento do peso do passado que, de certa forma, ainda se faz presente nos nossos tempos. Também as tradições mudam para serem perpetuadas...