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Imagem da Ucrânia, invadida pela Rússia, que inícia uma nova guerra na Europa. Crédito: EPA

A Europa (in)defesa

A Europa está em perigo. Vive sob a ameaça russa – que iniciou uma guerra para estabelecer de novo uma esfera de influência soviética – e corre o risco de assistir a um eventual abandono americano da segurança europeia. Neste artigo, Nuno Severiano Teixeira, diretor do Instituto Português de Relações Internacionais e ex-ministro da Defesa, defende que é urgente que a Europa construa uma defesa autónoma, estratégica e dentro da NATO.
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A segurança europeia enfrenta, hoje, um conjunto de ameaças e riscos como não enfrentava desde a Segunda Guerra Mundial. Por um lado, está confrontada a Leste, com a ameaça russa. Uma ameaça que é directa, militar e territorial na Ucrânia, mas que vai muito para além da Ucrânia e da ameaça militar.

Desde 2017 que a Rússia conduz uma guerra híbrida que visa desestabilizar a Europa: desinformação, ingerência em processos eleitorais, apoio a partidos antisistema, ciberataques e o ataque sistemático aos princípios e valores das sociedades ocidentais. Mas enganam-se aqueles que pensam que a invasão da Ucrânia é um conflito bilateral. Não é. É uma guerra imperialista e colonial que visa estabelecer de novo uma esfera de influência. Que vai muito para além da Ucrânia e que o próprio Putin definiu na proposta que fez antes da invasão: o recuo da NATO para as fronteiras antes do alargamento de 1999. Ou seja, toda a área de influência soviética.

 

Desde 2017, que a Rússia tem conduzido uma guerra híbrida para desestabilizar a Europa: desinformação, ingerência em processos eleitorais, apoio a partidos antisistema, ciberataques e o ataque sistemático aos princípios e valores das sociedades ocidentais.
Diretor do Instituto Português de Relações Internacionais

Depois da Geórgia em 2008 e da Crimeia, em 2014, uma vitória de Putin na Ucrânia seria um incentivo a novas conquistas na desejada área de influência. É preciso que os europeus percebam que é esse o seu objectivo e que é esse seu o padrão de comportamento. E se um dia a questão de Taiwan assumir uma dimensão militar, esse será o momento de Putin para lançar um novo golpe.

Por outro lado, a Ocidente, depois de Novembro, a Europa pode ver-se confrontada com o risco da quebra do compromisso americano com a segurança europeia.

Desde o segundo pós-guerra que a defesa da Europa é assegurada pela NATO e pelo guarda-chuva nuclear americano. Ora, uma hipotética vitória de Trump nas próximas presidenciais pode pôr em causa o contrato de segurança transatlântico. E não precisa ser da forma radical com a saída formal da NATO. Basta a redução do empenho militar ou as bombástica declarações políticas para lançar a incerteza sobre o artigo V, minar a confiança entre os aliados e paralisar a aliança.

A Europa está em perigo e entregue a si própria. Precisa de levar a sério a sua própria defesa e ganhar autonomia estratégica.
Diretor do Instituto Português de Relações Internacionais

Ora, entre a ameaça russa e o eventual abandono americano, a Europa está em perigo e entregue a si própria. Precisa de levar a sério a sua própria defesa e ganhar autonomia estratégica. Mas, historicamente, esta autonomia estratégica europeia era pensada em oposição e fora da NATO, o que provocava uma clivagem estratégica entre atlantistas e europeístas e paralisava a construção de uma defesa europeia.

Ora, crise actual parece, hoje, oferecer uma oportunidade para superar essa clivagem histórica. Construir uma defesa europeia autónoma, não em oposição, mas em complementaridade e não fora, mas dentro da NATO. Isto é, um verdadeiro pilar europeu da NATO. Capaz de agir no quadro transatlântico, mas também, autonomamente, quando isso for preciso.  Exigiria, obviamente, maior cooperação política e estratégica entre NATO e a União Europeia. Mas seria, com certeza, um passo para a União Europeia ser um a aliado credível dos Estados Unidos e, simultaneamente, ter autonomia estratégica quando os Estados Unidos não quisessem intervir. O futuro dirá se a oportunidade será ganha, ou mais uma vez perdida.

 

*O autor escreve sem o Acordo Ortográfico.

 

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